Reformada decisão que exigiu informação adicional das operadoras sobre áreas sem sinal de celular

Não havendo ilegalidade, não cabe ao Judiciário interferir na regulamentação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), sob pena de usurpação de suas atribuições e de ofensa à separação dos poderes. Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou improcedente a ação coletiva em que a Comissão de Defesa do Consumidor da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) apontava violação do dever de informação por parte das operadoras.

A comissão da Alerj ajuizou a ação contra quatro empresas de telefonia móvel, alegando que elas não teriam cumprido o dever de informar os consumidores, no momento da contratação do serviço, sobre a existência de áreas de sombra (sem sinal de celular) em determinados bairros dos municípios de Bom Jardim e Nova Friburgo.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) manteve a condenação das operadoras ao pagamento de indenização por danos morais coletivos e determinou que elas passassem a prestar informações de forma clara e por escrito, no ato da contratação, a respeito da disponibilidade de sinal no município do consumidor, além de incluir no contrato os mapas de cobertura.

Resolução da Anatel não viola proteção do CDC

No voto que prevaleceu no colegiado, o ministro Marco Aurélio Bellizze destacou que, nos termos do artigo 19, inciso X, da Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/1997), compete à Anatel adotar as medidas para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações, expedindo as normas sobre a prestação do serviço no regime privado.

Segundo o ministro, foi com base nesse poder regulamentar que a Anatel, por meio da Resolução 575/2011, impôs às empresas de telefonia a obrigação de disponibilizar aos consumidores, em todos os setores de relacionamento, de atendimento ou de vendas, e também em sua página na internet, os mapas com a indicação das áreas de cobertura.

Tal determinação, explicou, diversamente do que entenderam as instâncias ordinárias, não afronta o artigo 6º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), segundo o qual o fornecedor tem a obrigação de dar informações adequadas e claras sobre os seus produtos e serviços.

Ao contrário – afirmou o magistrado –, a resolução da Anatel, “na verdade, cumpre exatamente o dever de informação adequada e clara sobre a prestação de serviço móvel pessoal pelas operadoras de telefonia aos respectivos usuários, tanto que estabelece diversos locais em que deverão ser disponibilizados ao consumidor os mapas detalhados indicando a sua área de cobertura”.

“Assim, quando o consumidor contrata um plano de telefonia móvel, a informação sobre a área de abrangência deverá ser disponibilizada pela respectiva operadora no próprio setor de venda, independentemente da sua disponibilização também em outros canais, como nos aplicativos e no sítio eletrônico”, esclareceu o ministro, ressaltando que a comissão da Alerj não apontou qualquer falha das operadoras no cumprimento desse ponto da resolução da Anatel.

Judiciário deve respeitar expertise da agência reguladora

O magistrado também questionou a determinação do TJRJ para que as operadoras passassem a incluir nos contratos mapas com indicação das áreas de cobertura e das zonas de sombra – locais em que o sinal é interrompido por montanhas, construções e outros fatores. Segundo ele, as empresas alegam que tais zonas sem sinal são inconstantes, o que criaria grande dificuldade para cumprir a exigência do tribunal estadual.

De acordo com Bellizze, quem tem o conhecimento técnico necessário para definir a melhor maneira de disponibilizar ao consumidor as informações sobre a área de cobertura é a agência reguladora do setor, e não o Judiciário.

Para o ministro, ao modificar a forma definida para a comunicação dessas questões aos consumidores, o TJRJ acabou por alterar o conteúdo da resolução da Anatel, “sem apontar qualquer vício de ilegalidade do respectivo diploma normativo, o que não se pode admitir, sob pena, inclusive, de violação ao princípio da separação de poderes”.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. 1. AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO AJUIZADA PELA COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. DEFESA DE DIREITOS DOS CONSUMIDORES. ALEGADO VÍCIO DE INFORMAÇÃO A RESPEITO DA COBERTURA DE SINAL DE TELEFONIA MÓVEL EM DOIS MUNICÍPIOS DO ESTADO (BOM JARDIM E NOVA FRIBURGO). 2. AUSÊNCIA DE NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. 3. INEXISTÊNCIA DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO COM A ANATEL. DISCUSSÃO QUE SE LIMITA À RELAÇÃO CONTRATUAL ENTRE PARTICULARES E AS CONCESSIONÁRIAS DE TELEFONIA MÓVEL. 4. LEGITIMIDADE ATIVA E INTERESSE PROCESSUAL CONFIGURADOS. PRECEDENTES. 5. ATRIBUIÇÃO DA ANATEL PARA EXPEDIR NORMAS SOBRE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES NO REGIME PRIVADO (LEI 9.472/1997, ART. 19, INCISO X). 5.1. MATÉRIA DISCUTIDA NA AÇÃO SUBJACENTE QUE JÁ POSSUI REGULAMENTAÇÃO EXPRESSA (RESOLUÇÃO N. 575/2011), A QUAL DETERMINA ÀS PRESTADORAS DE TELEFONIA MÓVEL A DISPONIBILIZAÇÃO AOS USUÁRIOS DOS MAPAS DETALHADOS INDICANDO A ÁREA DE COBERTURA EM TODOS OS SETORES DE RELACIONAMENTO, SETORES DE ATENDIMENTO E/OU VENDAS, CENTRAIS DE ATENDIMENTO E NA SUA PÁGINA ELETRÔNICA NA INTERNET. EFETIVO CUMPRIMENTO DO DEVER DE INFORMAÇÃO ADEQUADA E CLARA, CONSTANTE NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. 5.2. IMPOSSIBILIDADE DE O PODER JUDICIÁRIO MODIFICAR A REFERIDA NORMA REGULAMENTAR, SOB PENA DE USURPAÇÃO DA ATRIBUIÇÃO DA ANATEL, NOTADAMENTE PORQUE NEM SEQUER FOI ALEGADO QUALQUER VÍCIO DE ILEGALIDADE DA RESPECTIVA RESOLUÇÃO. 5.3. TEMA QUE DEMANDA CERTA EXPERTISE SOBRE ASSUNTO DE EXTREMA COMPLEXIDADE TÉCNICA, SOBRETUDO NO QUE CONCERNE ÀS CHAMADAS “ZONAS DE SOMBRA”. REDUÇÃO DA INTERFERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO NO ÂMBITO NORMATIVO DAS AGÊNCIAS REGULADORA. PRINCÍPIO DA DEFERÊNCIA ADMINISTRATIVA. 6. RECURSOS ESPECIAIS DAS OPERADORAS DE TELEFONIA MÓVEL PROVIDOS, PARA JULGAR IMPROCEDENTES OS PEDIDOS. PREJUDICADO O RECURSO DA COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ALERJ.
1. O caso trata de ação coletiva de consumo ajuizada pela Comissão de Defesa do Consumidor da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro em desfavor de OI S/A, TIM CELULAR S/A, CLARO S/A e TELEFÔNICA BRASIL S/A, sob o argumento de que as rés teriam violado o dever de informação ao consumidor acerca da indisponibilidade de sinal em determinados lugares dos municípios de Bom Jardim/RJ e Nova Friburgo/RJ, no momento da aquisição do aparelho celular e dos serviços de telefonia móvel. A ação foi julgada parcialmente procedente pelas instâncias ordinárias.
2. Não há que se falar em negativa de prestação jurisdicional na hipótese, pois o Tribunal Fluminense analisou todas as questões submetidas à apreciação no recurso de apelação, solucionando integralmente a controvérsia.
3. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, não há litisconsórcio passivo necessário com a ANATEL, na hipótese em que a discussão se restringe à relação contratual entre particulares e as concessionárias de serviços de telefonia, em que se busca a proteção do direito dos consumidores, como ocorre no caso.
4. A Comissão de Defesa do Consumidor da ALERJ tem legitimidade ativa para propor ação coletiva visando à defesa dos consumidores, nos termos do art. 82, inciso III, do CDC. Precedentes.
5. Nos termos do art. 19, inciso X, da Lei Geral de Telecomunicações (Lei n. 9.472/1997), compete à ANATEL “adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente: (…) X – expedir normas sobre prestação de serviços de telecomunicações no regime privado”.
5.1. A referida autarquia, por sua vez, no exercício de seu poder regulamentar, expediu a Resolução n. 575, de 28 de outubro de 2011, a qual, em seu art. 11, tratou expressamente sobre o tema aqui discutido, disciplinando que “a prestadora deve manter à disposição dos Usuários, para consulta, em todos os Setores de Relacionamento, Setores de Atendimento e/ou Vendas, Centros de Atendimento e no seu sítio na Internet, mapas detalhados indicando a sua área de cobertura, separadamente para cada tecnologia adotada pela prestadora”. Essa determinação, por sua vez, não afronta o dever de informação, previsto no art. 6º, inciso III, do CDC, sobretudo se levarmos em conta a amplitude de locais em que o usuário terá à sua disposição os mapas detalhados com a área de cobertura do serviço, sem contar, ainda, com o canal disponibilizado pela própria ANATEL (“Painel Cobertura Móvel”).
5.2. Não havendo qualquer vício de ilegalidade na Resolução n. 575/2011, o que nem sequer foi alegado na ação coletiva, qualquer determinação do Poder Judiciário que altere a referida norma regulamentar estará, inequivocamente, usurpando a competência (atribuição) da ANATEL.
5.3. Com efeito, tratando-se de matéria de indiscutível complexidade técnica, em que se exige certa expertise, notadamente sobre como surge a área de cobertura da telefonia móvel, além das chamadas “zonas de sombra”, deve-se adotar o princípio da deferência administrativa, observando-se a autocontenção judicial (judicial self-restraint), reduzindo-se, assim, a interferência do Poder Judiciário nas atribuições dos outros Poderes.
6. Recursos especiais das operadoras de telefonia móvel providos, para julgar improcedentes os pedidos. Prejudicado o recurso especial da Comissão de Defesa do Consumidor da ALERJ.

Leia o acórdão no REsp 1.874.643.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1874643

Deixe uma resposta

Iniciar conversa
Precisa de ajuda?
Olá, como posso ajudar