Postagens em redes sociais não justificam retenção de passaporte de devedores

Para a SDI-2, a medida não é adequada para fins de pagamento da dívida

A Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou recurso de uma auxiliar de serviços gerais que pretendia a retenção dos passaportes dos sócios da Home Sweet Home Serviços Ltda., de Curitiba (PR), condenados em ação trabalhista movida por ela. Segundo o colegiado, não ficou demonstrada a proporcionalidade da medida.

Medidas coercitivas

Na reclamação trabalhista, ajuizada em 2014, a empresa foi condenada a pagar R$ 20,4 mil à auxiliar. Na execução, não foram encontrados bens ou valores para quitar o débito, e, como medida coercitiva, o juízo de primeiro grau determinou o cancelamento dos cartões de crédito, a suspensão das carteiras nacionais de habilitação (CNH) e a retenção dos passaportes dos sócios.

Direito de ir e vir

Contra a decisão, os sócios impetraram habeas corpus alegando que a suspensão da CNH e dos passaportes restringia seu direito fundamental de ir e vir e que não havia garantia de que isso viabilizaria o pagamento do débito trabalhista. O Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região manteve o pedido em relação à CNH, mas liberou os passaportes.

Ostentação

No recurso ordinário ao TST, a auxiliar sustentou que a execução já se estende por mais de sete anos e que, após a concessão do habeas corpus, verificou as redes sociais dos devedores para avaliar a importância do passaporte no seu cotidiano. Com fotos anexadas aos autos, ela disse que um deles é chefe de cozinha, proprietário de um restaurante “secreto” que cobra valores elevados para reservas de pequenos grupos e fazia churrascos com carnes nobres para os amigos.

O outro devedor, por sua vez, havia feito diversas viagens internacionais no curso do processo, para destinos como Barcelona (Espanha), República Tcheca, Disney (EUA) e Amsterdã (Holanda). Também alegou que eles haviam aberto novas empresas após o ajuizamento da ação trabalhista.

Ocultação patrimonial

O relator do recurso, ministro Douglas Alencar Rodrigues, explicou que o Código de Processo Civil (CPC) permite a adoção de medidas coercitivas atípicas para a satisfação de dívidas reconhecidas em juízo “em caráter excepcional”. Segundo ele, essas medidas são adequadas quando houver indícios de ocultação patrimonial.

No caso, a decisão que suspendeu os documentos, de maio de 2020, registrou que já haviam sido tentadas todas as medidas tradicionais de execução (penhoras, BacenJud, inscrição no Serasa, CNIB, etc.). Contudo, não havia nenhuma indicação de que os devedores estariam ocultando bens nem de que seu padrão de vida revelasse patrimônio suficiente para satisfazer a execução. Para o ministro, a retenção dos passaportes não deve ser empregada como mera punição dos devedores.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ART. 139, IV, DO CPC DE 2015. MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS. SUSPENSÃO DE PASSAPORTE. INEXISTÊNCIA DE ELEMENTOS , NO CASO CONCRETO , QUE COMPROVEM A ADEQUAÇÃO E A PROPORCIONALIDADE DA MEDIDA IMPOSTA . CONCESSÃO DA ORDEM CONFIRMADA. 1. Cuida-se de recurso ordinário em habeas corpus interposto contra capítulo de acórdão lavrado em julgamento proferido por TRT, em se concedeu a ordem para cassação da determinação de suspensão dos passaportes dos Pacientes . 2 . Os atos indicados como coatores consistem em decisões exaradas pelo Juízo de primeiro grau, que, na execução movida no feito originário, determinou a suspensão das CNHs e dos passaportes dos executados, ora Pacientes, com fundamento no artigo 139, IV, do CPC. 3. Referido dispositivo legal consagra a possibilidade de adoção de medidas coercitivas atípicas, voltadas à satisfação de obrigações de conteúdo pecuniário inscritas em títulos executivos judiciais. No entanto, a utilização das referidas medidas pelo magistrado deve assumir caráter excepcional ou subsidiário, apenas sendo lícita quando as vias típicas não viabilizarem a satisfação da coisa julgada. A adoção de medidas executivas atípicas será oportuna, adequada e proporcional, especialmente, nas situações em que indícios apurados nos autos revelem que os devedores possuem condições favoráveis à quitação do débito, diante da existência de sinais exteriores de riqueza, dos quais se pode extrair a conclusão de ocultação patrimonial . 4 . Na situação examinada, todavia, das duas decisões censuradas não constam quaisquer indicações de que os devedores venham ocultando bens ou de que o padrão de vida por eles experimentado revele a existência de patrimônio que lhes permita satisfazer a execução. Com efeito, não obstante assinalado, pela autoridade judicial impetrada, o esgotamento das medidas executivas típicas ou tradicionais, inexiste indicação de elementos – de conteúdo probatório ou indiciário – que revelem que os executados ostentam capacidade financeira para adimplir a obrigação contida no título executivo e não o fazem com ardil ou dissimulação, em ordem a justificar a drástica determinação imposta. Muito embora nas razões recursais a Recorrente sustente, a partir de informações extraídas das redes sociais, a existência de evidências de que há ocultação patrimonial pelos executados e de que eles exibem elevado padrão de vida, é preciso ter presente que tais alegações não foram enfrentadas pela autoridade coatora ao determinar a suspensão dos passaportes. Portanto, não observada, pela autoridade judicial, a indispensável adequação e a proporcionalidade na determinação de suspensão dos passaportes dos Pacientes, que não deve ser empregada como mera punição dos devedores, correto o deferimento do habeas corpus pela Corte Regional, para cassação, nesse aspecto, da decisão exarada na primeira instância. Recurso ordinário conhecido e não provido.

Processo: ROT-1021-05.2021.5.09.0000 

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