Herdeiras da Sadia não conseguem indenização por falta de acesso a provas para anular doação de ações

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso de duas filhas do fundador da Sadia, que pediam indenização com base na teoria da perda de uma chance, em razão da dificuldade para obter elementos de prova a tempo de impugnar supostas doações inoficiosas de ações – realizadas décadas atrás – que teriam favorecido seus irmãos unilaterais.

As recorrentes pretendiam responsabilizar a BRF S/A, sucessora da Sadia, por não ter apresentado dois livros societários em prazo hábil para subsidiar o ajuizamento de ação destinada a anular as doações e restabelecer a participação societária de seu pai. Os ministros, porém, entenderam que não foi demonstrado o nexo de causalidade entre o extravio dos documentos e o prejuízo que as recorrentes alegam ter sofrido.

As duas herdeiras ajuizaram ação indenizatória de danos materiais e morais argumentando que receberam participação acionária inferior à que seria efetivamente devida. Pediram reparação de danos causados pela conduta da empresa, que deixou de apresentar dois livros societários em ação de exibição de documentos, os quais comprovariam sua alegação de que o pai doou cotas de participação societária somente aos outros filhos.

Aplicação da teoria da perda de uma chance exige certeza do prejuízo

A sentença julgou a ação improcedente. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) confirmou a decisão, ao entendimento de que “nem toda chance perdida é indenizável, mas somente aquela plausível e provável, à luz das circunstâncias do caso concreto”.

Segundo o relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, na perda de uma chance, há prejuízo certo, e não apenas hipotético, situando-se a certeza na probabilidade de obtenção de um benefício, frustrado por força do evento danoso imputado. “Repara-se a chance perdida, e não o dano final”, acrescentou o magistrado.

No processo analisado – afirmou o ministro –, a alegação central é de que teriam sido realizadas diversas doações pelo dono da Sadia, ao longo da vida, beneficiando os irmãos unilaterais das recorrentes e privando as duas da participação societária a que teriam direito.

Sanseverino entendeu que os pressupostos para o reconhecimento da responsabilidade civil por perda de uma chance foram bem sintetizados pelo acórdão do TJSP, segundo o qual, ainda que a companhia tivesse cumprido a decisão judicial que determinou a exibição dos livros, a situação hereditária das recorrentes dificilmente seria modificada.

Pretensão das herdeiras foi atingida pela prescrição

A corte estadual considerou que as doações foram realizadas há cerca de 60 ou 70 anos e, embora a anulação de doação inoficiosa seja imprescritível, o mesmo não ocorre com a pretensão de restituir a participação social, nem com a possível ação de sonegados – as quais já estariam prescritas, afastando-se a probabilidade segura de sucesso da ação anulatória e de seus efeitos patrimoniais.

Ao negar provimento ao recurso especial das herdeiras, o relator destacou não haver nexo de causalidade entre o extravio dos dois livros da companhia e o insucesso que elas tiveram em sua tentativa de anular as doações.

Conforme Sanseverino, como o TJSP reconheceu a prescrição da pretensão de restabelecer a participação acionária do autor da herança, a revisão dos fundamentos dessa decisão – quanto à ocorrência ou não de causa interruptiva do prazo prescricional – exigiria o reexame das provas do processo, o que é vedado pela Súmula 7.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL POR PERDA DE UMA CHANCE. DOAÇÕES INOFICIOSAS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS.
1. Controvérsia: Polêmica central em torno da responsabilidade civil da empresa demandada por perda de uma chance, especialmente a viabilidade de indenização da chance perdida, em razão da dificuldade de obtenção de elementos probatórios em prazo hábil para impugnação de alegadas doações inoficiosas que teriam diluído a participação social do falecido genitor das recorrentes em favor dos demais filhos.
2. Recurso especial da demandada: Prejudicado o recurso especial da empresa demandada, em face da ausência de impugnação contra a decisão monocrática que negara provimento ao seu recurso especial, tendo a irresignação ficado restrita às demandantes.
3. Negativa de prestação jurisdicional: Todas as questões foram devidamente enfrentadas pelo Tribunal de origem de forma fundamentada, sem omissões, contradições nem erros de fato. O julgador não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos invocados pelas partes, quando encontra motivação satisfatória para dirimir o litígio.
4. Cerceamento de defesa: Não configura cerceamento de defesa, consoante a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o julgamento antecipado da lide quando o Tribunal de origem entender adequadamente instruído o processo, declarando a prescindibilidade de produção probatória, por se tratar de matéria eminentemente de direito ou de fato já provado de forma documental. Além disso, a necessidade de produção de provas deve ser aferida pelo magistrado de origem com base no acervo fático-probatório constante dos autos, não sendo possível a revisão nesta instância especial, à luz do Enunciado n.º 7/STJ.
5. Julgamento “citra petita”: Não é considerado julgamento “citra petita”, conforme a jurisprudência desta Corte, quando o órgão julgador não afronta os limites objetivos da pretensão inicial, tampouco deixa de apreciar providência jurisdicional pleiteada pelo autor da ação, respeitando o princípio da congruência.
6. Decisão surpresa: A proibição da chamada decisão surpresa, também conhecida como decisão de terceira via, visa impedir que o julgador rompa com o modelo de processo cooperativo instituído pelo novo regramento processual civil, ao suscitar fundamentos jurídicos não ventilados pelas partes, o que não ocorreu na presente hipótese.
7. Responsabilidade por perda de uma chance: Reparação da chance perdida de obtenção de um determinado proveito (ou evitar um perda).
Chance é a possibilidade de um benefício futuro provável, consubstanciada em uma esperança para o sujeito, cuja privação caracteriza um dano pela frustração da probabilidade de alcançar esse benefício possível. Reparação da chance perdida, e não do resultado final. Doutrina e jurisprudência.
8. Pressupostos da perda de uma chance no caso concreto: Os pressupostos para o reconhecimento da responsabilidade civil por perda de uma chance foram bem sintetizados no acórdão recorrido: “No caso concreto, para que se possa indenizar a chance perdida do ajuizamento de ação judicial, imprescindível verificar os seguintes pressupostos: (i) a viabilidade e a probabilidade de sucesso de futura ação declaratória de nulidade de doações inoficiosas; (ii) a viabilidade e a probabilidade de sucesso de futura ação de sonegados; (iii) a existência de nexo de causalidade entre o extravio de dois livros e as chances de vitória nas demandas judiciais.”
9. Doação inoficiosa: Doação inoficiosa é aquela que excede a parte disponível do doador, com herdeiros necessários, prejudicando a sua legítima. Nulidade absoluta do excesso da doação (art. 549 do CC). A pretensão de redução da doação inoficiosa deve ser veiculada no prazo prescricional das ações pessoais, tendo por termo inicial a data do negócio jurídico impugnado. Doutrina e jurisprudência do STJ.
10. Prescrição: O Tribunal de Justiça reconheceu a existência da prescrição em relação a pretensão restituitória de participação acionária em decorrência de suposta invalidade das doações por inoficiosas. Rever o entendimento lançado no acórdão recorrido, acerca da ocorrência ou não da causa interruptiva da prescrição, demandaria o revolvimento do suporte fático-probatório dos autos, o que encontra óbice no Enunciado n.º 7/STJ.
11. Chance perdida no caso concreto: Escorreita análise fática feita pelo acórdão recorrido da não demonstração dos pressupostos necessários ao reconhecimento da chance perdida pelas demandantes, ora recorrentes, de ajuizamento de ação judicial. A revisão desses fundamentos do exigiria necessariamente o reexame de provas, o que é vedado nesta fase recursal (Súmula n.º 7/STJ). 12. RECURSO ESPECIAL DA EMPRESA DEMANDADA PREJUDICADO E RECURSOS ESPECIAIS DAS DEMANDANTES DESPROVIDOS.

Leia o acórdão no REsp 1.929.450.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1929450

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