A medida havia sido imposta até a quitação de dívidas trabalhistas
A Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho manteve a nulidade de ato judicial que impedia o Esporte Clube Flamengo, de Teresina (PI), de se inscrever ou de participar de competições esportivas e campeonatos, enquanto não quitasse suas obrigações trabalhistas. Para o colegiado, a medida foi abusiva e atentou contra o direito fundamental ao livre exercício da atividade econômica, além de não ser adequada à satisfação da dívida.
Medida atípica
Em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), o clube havia sido condenado por irregularidades no pagamento do 13º e das férias de seus empregados. Diante da inadimplência e das tentativas frustradas de penhora de bens e valores, o juízo da 2ª Vara do Trabalho de Teresina impediu a participação do clube em competições até a quitação da dívida.
A medida atípica de execução teve como fundamentos a inércia e o descaso com as intimações da Justiça do Trabalho, tanto do Flamengo quanto da Federação Piauiense de Futebol.
Abuso de poder
Contra a restrição, o clube ingressou com mandado de segurança, alegando abuso de poder, por tolher o desenvolvimento de sua atividade. Segundo ele, a medida também o impediria de pagar os débitos trabalhistas, pois sua receita vem da atividade desportiva.
A ação, entretanto, foi considerada incabível pelo Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região, que entendeu que o questionamento deveria ser feito por meio de recurso próprio.
Difícil reparação
O relator do recurso ordinário do clube, ministro Amaury Rodrigues, concedeu a segurança e cassou a determinação do juízo de primeiro grau, e a decisão foi confirmada pela SDI-2 no julgamento de agravo do MPT. Para o colegiado, o ato, manifestamente ilegal, poderia causar prejuízo de difícil reparação, caso o clube aguardasse o prosseguimento da controvérsia pela via ordinária. Ou seja, se o Flamengo recorresse por meio do recurso próprio (agravo de petição), a decisão poderia não atender à urgência que o caso requer.
Medida extrema
Segundo o relator, apesar da inadimplência, não ficou demonstrado que o clube tenha ocultado bens nem que a medida seja eficaz para garantir o pagamento da dívida. Pelo contrário, são justamente esses os meios de que ele dispõe para auferir rendas.
“Além de se tratar de violação ao direito fundamental do livre exercício da atividade econômica, por obstar o exercício da principal atividade do clube, a restrição não se revela medida útil, proporcional e adequada à satisfação do crédito, caracterizando-se, por conseguinte, como abusiva”, concluiu.
O recurso ficou assim ementado:
AGRAVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DECISÃO QUE DEFERIU MEDIDA PROIBITIVA EM FACE DO CLUBE DE FUTEBOL IMPETRANTE A FIM DE IMPEDI-LO DE SE INSCREVER/PARTICIPAR DE COMPETIÇÕES ESPORTIVAS E/OU CAMPEONATOS PROFISSIONAIS. MEDIDAS ATÍPICAS DE EXECUÇÃO PREVISTAS NO ARTIGO 139, IV, DO CPC/2015. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DA NECESSIDADE, PROPORCIONALIDADE E ADEQUAÇÃO.
1. O ato inquinado de ilegal consiste na decisão proferida pelo Juízo da 2ª Vara do Trabalho de Teresina/PI, que deferiu medida proibitiva em face do clube de futebol impetrante a fim de impedi-lo de se inscrever/participar de competições esportivas e/ou campeonatos profissionais, enquanto perdurar o inadimplemento da ordem judicial exarada naqueles autos, tendo como único fundamento para deferimento da medida atípica de execução a observação pelo Magistrado da inércia e descaso com as intimações desta Justiça Especializada pelo impetrante e pela Federação Piauiense de Futebol.
2. Esta Subseção II Especializada em Dissídios Individuais tem mitigado a aplicação da sua Orientação Jurisprudencial nº 92 nos casos em que a manifesta ilegalidade do ato possa resultar prejuízo de difícil reparação caso a parte aguarde o prosseguimento da controvérsia pela via ordinária, como na presente hipótese.
3. As medidas de execução atípicas previstas no art. 139, IV, do Código de Processo Civil devem ser adotadas quando demonstrado previamente o esgotamento das medidas típicas de execução e verificada a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, observadas a necessidade, a adequação e a proporcionalidade.
4. Embora se revele a inadimplência do impetrante, não há demonstração da existência de ocultação de bens, ou da forma como a adoção da medida extrema de se impedir inscrição/participação do clube em competições esportivas irá viabilizar o pagamento do crédito exequendo, notadamente se considerarmos ser esse o meio pelo qual o impetrante poderá auferir renda.
5. Logo, além da decisão impugnada não se revelar medida útil, proporcional e adequada à satisfação do crédito exequendo, ela também viola o direito fundamental do livre exercício da atividade econômica, por obstar o exercício da principal atividade do clube, caracterizando-se, por conseguinte, como medida abusiva a violar direito líquido e certo do impetrante.
Agravo a que se nega provimento.
A decisão foi unânime.
Processo: Ag-ROT-80384-78.2021.5.22.0000