A ausência de prova de restrição orçamentária e a demonstração inequívoca de interesse por parte da administração pública podem justificar a nomeação de candidatos classificados fora das vagas previstas no edital do concurso.
Com base nessas circunstâncias excepcionais, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou a nomeação e posse de cinco candidatos que prestaram concurso para procurador do Banco Central em 2013.
A autoridade apontada como responsável por não nomear os candidatos foi o ministro do Planejamento, apesar de manifestação do presidente do Banco Central apontando a necessidade das nomeações e também da comprovação de dotação orçamentária.
O concurso previu 14 vagas para o cargo em Brasília, e os candidatos que impetraram o mandado de segurança foram classificados fora desse número.
Para o ministro relator do caso no STJ, Og Fernandes, a jurisprudência é pacífica no sentido de que o direito subjetivo à nomeação ocorre quando a aprovação se dá dentro do número de vagas previstas; quando há preterição na nomeação por não observância da ordem de classificação, e quando surgem novas vagas durante a validade do certame e há preterição.
Excepcionalidade
Entretanto, destacou o relator, casos excepcionais também podem configurar direito subjetivo à nomeação, como estabelecido em precedente do Supremo Tribunal Federal (STF).
“Ocorre que o julgado do STF consignou, ao final, outra premissa de direito, a qual, embora tratada como excepcionalidade do caso, igualmente se verifica na situação em exame, que consiste no fato de surgirem novas vagas e houver manifestação inequívoca da administração sobre a necessidade de seu provimento, bem como, por óbvio, inexistir prova de restrição orçamentária ou de qualquer outro obstáculo de ordem financeira, a ser provado pelo poder público, para tal nomeação”, afirmou Og Fernandes.
O magistrado explicou que os impetrantes foram classificados fora do limite das vagas, mas conseguiram reunir provas suficientes para justificar a concessão do mandado de segurança.
Entre os documentos apresentados, ele destacou um pedido escrito enviado pelo Banco Central ao Ministério do Planejamento solicitando a nomeação, consignando que os quadros jurídicos da autarquia estavam muito aquém do necessário.
Foram juntados aos autos prova de disponibilidade orçamentária por parte da autarquia. Além disso, segundo o ministro, o Planejamento não fez prova de restrição orçamentária ou qualquer outro obstáculo financeiro para impedir as nomeações.
“No âmbito deste mandado de segurança, quando poderia fazer a referida prova, nada objetou nesse sentido, como se depreende do teor das informações juntadas aos autos, do que se conclui que inexiste qualquer impedimento orçamentário ou financeiro para atendimento ao pleito de estrito interesse público na nomeação dos impetrantes, formulado pelo ente da administração a quem competia fazê-lo”, disse o relator.
Ilegitimidade
Outro ponto discutido no mandado de segurança foi a legitimidade do ministro do Planejamento para figurar como autoridade coatora, já que, no entendimento da Advocacia-Geral da União, o ministro não teria competência para nomear os candidatos do certame, e não houve omissão ou ato comissivo a justificar a sua responsabilização.
Og Fernandes explicou que, após alteração da jurisprudência do STF sobre o tema, é possível incluir o ministro do Planejamento como autoridade coatora em casos de nomeação de candidatos aprovados em concurso público federal.
No caso analisado, segundo o relator, ficou comprovado nos autos que a nomeação dos aprovados no concurso do Banco Central depende de autorização prévia do Ministério do Planejamento, o que justifica a inclusão do ministro na demanda.
O recurso ficou assim ementado:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PARA PROCURADOR DO BANCO CENTRAL DO BRASIL. ALEGADA ILEGITIMIDADE PASSIVA DO MINISTRO DE ESTADO DO PLANEJAMENTO, DESENVOLVIMENTO E GESTÃO. DESCABIMENTO. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA PROFERIDA E NÃO RECORRIDA. CONFIRMAÇÃO DESSE DECISÓRIO. CANDIDATOS APROVADOS FORA DO LIMITE DE VAGAS. DEMONSTRAÇÃO DE INTERESSE NA SUA NOMEAÇÃO POR PARTE DO BANCO CENTRAL DO BRASIL. OMISSÃO DO MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, DESENVOLVIMENTO E GESTÃO NA RESPOSTA AO PEDIDO DE PROVIMENTO DOS CARGOS FEITO PELO BANCO CENTRAL. AUSÊNCIA DE PROVA DE RESTRIÇÃO FINANCEIRA OU DE QUALQUER OUTRO OBSTÁCULO ORÇAMENTÁRIO PARA A NOMEAÇÃO DOS CANDIDATOS. MANDADO DE SEGURANÇA CONCEDIDO.1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, com fundamento nos arts. 10 e 11 do Decreto 6.944⁄2009 e em editais de certames similares, consignou que “a efetivação de eventual direito subjetivo da parte ora recorrente à sua nomeação depende de autorização prévia do Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão, o que legitima a sua figuração no polo passivo do mandado de segurança em que deduzido o presente recurso ordinário, circunstância essa que fixa a competência do Superior Tribunal de Justiça para processar e julgar o ‘writ’” (STF, RMS 34.044⁄DF, Rel. Ministro Celso de Mello, DJe 14⁄4⁄2016). Nesse mesmo sentido: STF, RMS 34.452 AgR⁄DF, Rel. Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, DJe 28⁄3⁄2017; RMS 34.075 AgR⁄DF, Rel. Ministro Dias Toffoli, Segunda Turma, DJe 2⁄12⁄2016; RMS 34.247 AgR⁄DF, Rel. Ministro Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe 19⁄12⁄2016; STF, RMS 34.153⁄DF, Rel. Ministro Luiz Fux, DJe 1º⁄8⁄2016.2. Dessa forma, foi realinhada a “jurisprudência da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, para acompanhar entendimento firmado por ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal que, dando provimento a recursos ordinários em mandados de segurança, em processos idênticos ao presente, afasta a ilegitimidade passiva do Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão e determina o prosseguimento dos mandados de segurança impetrados perante o STJ” (AgInt no MS 22.165⁄DF, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Primeira Seção, julgado em 24⁄5⁄2017, DJe 13⁄6⁄2017).3. No que concerne à questão de mérito objeto deste mandamus, o Plenário do STF, por ocasião do julgamento do RE 837.311⁄PI, Rel. Min. Luiz Fux, julgado sob a sistemática da repercussão geral, reconheceu que da aprovação em concurso público só decorre direito subjetivo à nomeação, se estiver demonstrada alguma das seguintes situações: a) quando a aprovação ocorrer dentro do número de vagas inserido no edital (RE 598.099); b) quando houver preterição na nomeação por não observância da ordem de classificação (Súmula 15 do STF); c) quando surgirem novas vagas, ou for aberto novo concurso durante a validade do certame anterior, e ocorrer a preterição de candidatos aprovados fora das vagas de forma arbitrária e imotivada por parte da administração, considerando os fundamentos declinados no acórdão.4. Ocorre que o julgado do STF consignou, ao final, outra premissa de direito, a qual, embora tratada como excepcionalidade do caso, igualmente se verifica na situação em exame, que consiste no fato de surgirem novas vagas e houver manifestação inequívoca da administração sobre a necessidade de seu provimento, bem como, por óbvio, inexistir prova de restrição orçamentária ou de qualquer outro obstáculo de ordem financeira, a ser provado pelo poder público, para tal nomeação.5. No caso, os impetrantes foram aprovados fora do limite de vagas conforme previsão editalícia. De sua parte, o Banco Central do Brasil, autarquia a quem interessava o provimento dos cargos, dentro do período de validade do certame, enviou pedido escrito ao Ministério do Planejamento, no qual informava a existência das vagas e da “extrema relevância” quanto à nomeação adicional, uma vez que considerou que os seus quadros jurídicos se encontravam “muito aquém do necessário para que o órgão jurídico bem desempenhe sua missão institucional de garantir a segurança legal dos atos dos gestores da Autarquia, a integridade de seu patrimônio e a plena recuperação de seus créditos”. Assim, no que se refere à manifestação inequívoca da administração quanto à existência de vagas e à necessidade premente do seu provimento, a prova é indene de dúvidas.6. O Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, a quem competia provar a restrição orçamentária ou qualquer outro obstáculo financeiro como óbice ao interesse público no provimento de tais cargos, nos termos estritos como decidido pelo STF no julgamento do RE 837.311⁄PI, Rel. Min. Luiz Fux, ignorou solenemente o pleito do Banco Central do Brasil, nada obstante os fundamentos nele deduzidos. Demais disso, no âmbito deste mandado de segurança, quando poderia fazer a referida prova, nada objetou nesse sentido, como se depreende do teor das informações juntadas aos autos, do que se conclui que inexiste qualquer impedimento orçamentário ou financeiro para atendimento ao pleito de estrito interesse público na nomeação dos impetrantes, formulado pelo ente da administração a quem competia fazê-lo.7. Mandado de segurança concedido.
Leia o acórdão.