Não há litisconsórcio passivo necessário entre rede social e autor de conteúdo ofensivo, decide Terceira Turma

Em demanda que objetiva a remoção de publicação ofensiva em rede social e o fornecimento de registros de acesso e conexão, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende que não há litisconsórcio passivo necessário entre o provedor de aplicação e o autor do conteúdo publicado on-line.

Com esse entendimento, o colegiado deu provimento a recurso especial para determinar a remoção de postagens ofensivas divulgadas no Facebook, envolvendo uma rede de restaurantes.

O recurso se originou de ação ajuizada pelo estabelecimento comercial contra o Facebook, devido à publicação em que um dos seus funcionários acusou a empresa de fornecer refeições a seus colaboradores em sacos plásticos. A publicação se espalhou na rede social e foi compartilhada por diversos usuários.

Além da remoção do conteúdo, a empresa pediu que o Facebook fosse obrigado a fornecer os dados de conexão e acesso da conta do responsável pela mensagem.

TJSP reafirmou necessidade do litisconsórcio passivo

Em decisão interlocutória, o juízo determinou que a rede social removesse as postagens consideradas ofensivas e que o ex-funcionário fosse incluído no polo passivo da ação.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve a decisão de primeiro grau quanto à necessidade de formação de litisconsórcio passivo entre o provedor de aplicação e o suposto autor do conteúdo ofensivo.

No recurso especial apresentado ao STJ, a empresa de restaurantes sustentou que a natureza da relação jurídica não exige a presença do ex-funcionário no polo passivo da ação, pois o que se busca é apenas a remoção de mensagens da rede social.

Fundamentos do litisconsórcio necessário

Segundo a relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, o litisconsórcio – caracterizado pela pluralidade de partes no polo ativo ou passivo da ação – é classificado como necessário ou facultativo.

A magistrada explicou que são dois os fundamentos do litisconsórcio necessário: a existência de determinação legal específica, em razão do juízo de conveniência do legislador; e a incindibilidade das situações jurídicas de dois ou mais sujeitos (artigo 114 do Código de Processo Civil).

De acordo com a relatora, se não forem observadas as regras do litisconsórcio necessário, a sentença de mérito será nula, nos casos em que a decisão deveria ser uniforme para todos os que precisariam ter integrado o processo, ou ineficaz em relação à parte que não foi citada (artigo 115, inciso I e II, do CPC).

Procedência da ação não atingirá esfera jurídica do autor da publicação

No caso analisado, a ministra afirmou que, como não se trata de litisconsórcio determinado legalmente, o ex-funcionário da empresa, suposto autor da mensagem, somente integrará o polo passivo se assim exigir a natureza da relação jurídica controvertida.

“Tratando-se de demanda na qual se busca impor ao provedor de aplicação a obrigação de remover determinadas publicações e de fornecer registros de acesso e conexão, não há litisconsórcio passivo necessário com o autor dos conteúdos. Tais providências incumbem ao provedor, mantenedor da rede social”, afirmou, ao dar provimento ao recurso.

De acordo com a relatora, eventual procedência dos pedidos feitos na ação não atingirá a esfera jurídica do autor das publicações. Por outro lado, o reconhecimento da ilicitude das publicações – que poderá, eventualmente, resultar na responsabilização do seu autor – não acarretará, necessariamente, a responsabilidade do provedor.

Quanto à responsabilidade dos provedores de aplicação por conteúdos gerados por terceiros, Nancy Andrighi assinalou que, conforme a jurisprudência do STJ, ela é subjetiva (AgInt no AREsp 685.720 e REsp 1.501.603); porém, se o provedor, a partir do conhecimento do dano causado pela mensagem, não toma providências para removê-la, pode se tornar responsável solidariamente com quem a gerou.

O recurso ficou assim ementado:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INEXISTÊNCIA. PEDIDO DE REMOÇÃO DE PUBLICAÇÕES ALEGADAMENTE ILÍCITAS E CONCESSÃO DE REGISTROS DE CONEXÃO E ACESSO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO ENTRE O PROVIMENTO DE APLICAÇÃO E O SUPOSTO AUTOR DO CONTEÚDO. AUSÊNCIA.
1. Ação de obrigação de fazer ajuizada em 02⁄12⁄2020, da qual foi extraído o presente recurso especial interposto em 01⁄07⁄2021 e concluso ao gabinete em 25⁄01⁄2022.
2. O propósito recursal consiste em dizer se houve negativa de prestação jurisdicional e se há litisconsórcio passivo necessário entre o provedor de aplicação e o autor do conteúdo publicado on-line.
3.  É de ser afastada a existência de omissão no acórdão recorrido, pois a matéria indicada como não examinada foi enfrentada de forma objetiva e fundamentada no julgamento do recurso.
4. A responsabilidade dos provedores de aplicações por conteúdos gerados por terceiros é subjetiva, tornando-se responsável solidariamente com aquele que gerou o conteúdo ofensivo a partir do conhecimento da lesão que determinada informação causa, se não tomar as providências necessárias para a sua remoção e caso o fato tenha se verificado quando não estava em vigor a Lei nº 12.965⁄14, ou a partir da notificação judicial para remoção do conteúdo, nos termos do art. 19 do MCI.
5. São dois os fundamentos do litisconsórcio necessário: (i) a existência de específica determinação legal, em razão do juízo de conveniência formulado pelo legislador; (ii) a incindibilidade das situações jurídicas de dois ou mais sujeitos (art. 114 do CPC⁄2015). O segundo fundamento refere-se aos casos de litisconsórcio passivo unitário, nos quais não é possível que um sujeito da relação jurídica suporte determinado efeito sem atingir todos os que dela participam.
6. Tratando-se de demanda na qual se busca impor ao provedor de aplicação a obrigação de remover determinadas publicações e de fornecer registros de acesso e conexão, não há litisconsórcio passivo necessário com o autor dos conteúdos. Tais providências incumbem ao provedor, mantenedor da rede social. Ou seja, eventual procedência dos pedidos não atingirá a esfera jurídica do autor das publicações. Ademais, eventual ilicitude do conteúdo da publicação e que poderá, eventualmente, resultar na responsabilização do seu autor, não acarretará, necessariamente, a responsabilidade do provedor.
7. Recurso especial conhecido e provido.

Leia o acórdão no REsp 1.980.014.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1980014

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