Marca famosa sem alto renome não impede registro em segmento distinto com base na proteção contra diluição

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso de uma fabricante de calçados e determinou que o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) reanalise o seu pedido de registro da marca Perdigão, utilizada por ela desde 1990.

Para o colegiado, foi indevido o ato do INPI que indeferiu a solicitação com fundamento na possibilidade de aproveitamento parasitário, decisão posteriormente mantida, em recurso administrativo, em razão do alto renome da marca de produtos alimentícios Perdigão – já que esse status especial ainda não havia sido concedido no momento do pedido de registro pela empresa calçadista.

O recurso teve origem em ação proposta pela fabricante de calçados para anular ato do INPI que indeferiu o registro da marca mista Perdigão, depositada em fevereiro de 1996, sob o argumento de que haveria a possibilidade de aproveitamento parasitário por parte da requerente.

Interposto recurso administrativo, o INPI, quase 11 anos depois, manteve o indeferimento, sob a alegação de que a marca de alimentos Perdigão possuía alto renome, fato que impediria o registro de marcas idênticas, ainda que para produtos distintos.

A empresa argumentou que, desde 1990, a sua marca Perdigão vem sendo utilizada para designar os calçados produzidos na cidade de Perdigão (MG). Ressaltou que os produtos a que se refere sua marca são distintos daqueles comercializados sob a outra marca, cujo status de alto renome foi reconhecido posteriormente.

O juízo de primeiro grau, mesmo entendendo que a marca de produtos alimentícios não detinha, na época do depósito da marca de calçados, o status especial, concluiu que, sendo ela amplamente conhecida, sua proteção, à luz da teoria da diluição, deveria impedir o registro de signos idênticos ou semelhantes também em segmentos distintos. A sentença foi mantida pelo Tribunal Regional Federal da 2º Região.

Reconhecimento de alto renome gera efeitos para o futuro

Para o relator do recurso no STJ, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, houve equívoco na decisão que negou o registro, uma vez que a marca de alimentos Perdigão – embora atualmente tenha o status de alto renome reconhecido pelo INPI – não detinha essa condição na época do depósito, nem no momento do indeferimento administrativo.

“A decisão administrativa de concessão de alto renome tem efeitos meramente prospectivos, não podendo retroagir para atingir marcas já depositadas à época de seu reconhecimento”, apontou.

Segundo Sanseverino, a diluição, no direito de marcas, é a perda gradual da força distintiva de determinado signo, que ocorre pelo uso, por terceiros, de signo idêntico para designar produtos e serviços distintos daqueles inicialmente referidos de forma exclusiva pela marca registrada, ainda que não haja confusão.

Proteção restrita às marcas de alto renome

Ao apresentar um histórico do tema, o magistrado destacou que o Brasil optou, desde 1967, por garantir proteção específica contra a diluição apenas para marcas que tenham alcançado um grau diferenciado de conhecimento pelo seu público-alvo.

“Portanto, a proteção contra a diluição está, no Brasil, umbilicalmente relacionada às marcas de alto renome: apenas a elas e em razão delas foi criada essa proteção especial. Não é por outro motivo que as marcas de alto renome são justamente definidas como aquelas que, em razão de seu alto grau de fama, excepcionam o princípio da especialidade, o que é justamente a característica que lhes confere proteção contra a diluição”, afirmou.

Na avaliação do relator, não faz sentido, na sistemática do ordenamento jurídico brasileiro, a afirmação de que a proteção contra a diluição poderia ser gozada não apenas pelas marcas de alto renome – status conferido exclusivamente pelo INPI –, mas também por outras marcas famosas.

O ministro acrescentou que, diferentemente do afirmado na sentença, a proteção aos titulares de marcas contra sua diluição não se encontra no artigo 130, III, mas sim no artigo 125 da Lei de Propriedade Industrial, o qual prevê a exceção ao princípio da especialidade.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO EMPRESARIAL. DIREITO DA PROPRIEDADE INTELECTUAL. MARCAS. AÇÃO DE NULIDADE DA DECISÃO DO INPI QUE INDEFERIU O REGISTRO DA MARCA PERDIGÃO PARA DESIGNAR ROUPAS E ACESSÓRIOS DO VESTUÁRIO FABRICADOS NA CIDADE DE PERDIGÃO⁄MG. INOPONIBILIDADE DE ALTO RENOME À MARCA JÁ DEPOSITADA QUANDO DE SEU RECONHECIMENTO. SENTENÇA E ACÓRDÃO RECORRIDO QUE ADOTARAM O ENTENDIMENTO DE QUE AS MARCAS FAMOSAS SÃO PROTEGIDAS CONTRA DILUIÇÃO, INDEPENDENTEMENTE DE ALTO RENOME. ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 125 DA LPI. OCORRÊNCIA. PROTEÇÃO ESPECIAL CONTRA A DILUIÇÃO QUE, NO DIREITO BRASILEIRO, SE LIMITA ÀS MARCAS DE ALTO RENOME. ÚNICA EXCEÇÃO EXPRESSA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO AO PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE.
1. Decisão administrativa do INPI de reconhecimento de alto renome a uma marca que tem apenas efeitos prospectivos, conforme entendimento assente deste Superior Tribunal.
2. Alto renome que não tem o condão de atingir marcas já depositadas à época em que publicada a decisão administrativa de seu reconhecimento.
3. Caso concreto em que a controvérsia recursal versa acerca da possibilidade de se reconhecer proteção contra diluição da marca que, embora famosa, não goze de alto renome.
3. A diluição, fenômeno de existência reconhecida no Direito de Marcas, consiste na perda gradual da força distintiva de determinado signo, decorrente do uso, por terceiros, da mesma marca para produtos ou serviços distintos, ainda que não haja confusão, tornando cada vez menos exclusivo o uso do signo, que virtualmente se dilui em meio a tantos outros usos.
4. Proteção contra a diluição que surgiu da verificação de que as marcas, além exercerem a função de identificar a origem comercial de produtos e de serviços, também podem servir de veículo de comunicação ao consumidor, veiculando valores, imagens e sensações, tornando-se agente criador de sua própria fama e reputação.
5. Quando uma marca se torna especialmente famosa, passando a ter mais valor do que o próprio produto ou serviço a que se refere, maior se torna sua exposição a tentativas de aproveitamento parasitário, do que decorre uma necessidade de maior proteção.
6. Proteção especial contra a diluição que, tendo sido disciplinada no plano internacional apenas em 1994 no Acordo TRIPS, já se encontrava garantida no ordenamento jurídico brasileiro desde 1967, para marcas notoriamente conhecidas, isto é, marcas que tivessem atingido um determinado grau de fama e de reconhecimento perante o público consumidor.
7. Proteção contra a diluição que, no Brasil, se encontra umbilicalmente relacionada à marca hoje denominada de alto renome, tendo sido criada apenas a ela e em razão dela.
8. Se uma marca não teve reconhecido esse status, ainda que seja famosa, não pode impedir o registro da mesma marca em segmentos mercadológicos distintos, sem que haja possibilidade de confusão.
9. A regra do art. 125 da LPI, ao prever exceção ao princípio da especialidade, conferindo à marca de alto renome proteção em todos os ramos de atividade, configura a positivação, no ordenamento jurídico brasileiro, da proteção contra a diluição.
10. Caso concreto em que sequer há indício de má-fé por parte dos recorrentes, considerando que a marca “Perdigão” vem sendo utilizada há mais de 30 anos para designar calçados fabricados na cidade de Perdigão, Estado de Minas Gerais.
11. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

Leia o acórdão no REsp 1.787.676.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1787676

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