Mantida obrigação do Estado do Rio Grande do Sul de indenizar sobrevivente da Boate Kiss

A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) não conheceu do recurso do Estado do Rio Grande do Sul que questionava sua condenação a pagar R$ 20 mil como indenização por danos morais a um sobrevivente do incêndio na Boate Kiss, ocorrido em 2013. O estado foi condenado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), de forma solidária, em conjunto com o município de Santa Maria (RS) e a empresa responsável pela casa noturna.

Na ação de indenização, a vítima afirmou que estava na boate no momento do acidente e, como os demais frequentadores, acabou inalando fumaça tóxica oriunda da queima da espuma que revestia o local. Por esse motivo, disse que precisa realizar exames periódicos de saúde. Alegou ainda ter ficado com transtornos psicológicos em razão da tragédia, necessitando de acompanhamento especializado.

Em primeira instância, o juiz condenou a empresa responsável pela casa noturna ao pagamento de indenização, mas afastou a responsabilidade do município de Santa Maria e do Estado do Rio Grande do Sul.

Entretanto, os entes públicos foram incluídos solidariamente na condenação pelo TJRS. Para a corte gaúcha, embora o incêndio tenha sido causado pela utilização de artefato pirotécnico pela banda que tocava naquela noite, houve negligência por parte do estado e do município quanto ao dever de fiscalizar – o que permitiu o funcionamento da casa noturna sem condições mínimas de segurança.

Nexo ​causal

No recurso especial dirigido ao STJ, o Rio Grande do Sul alegou que não havia nexo causal entre o comportamento estatal e o evento danoso. O ente público também alegou que, se houve falha na fiscalização, apenas o município poderia ser responsabilizado.

Segundo o relator do recurso, ministro Francisco Falcão, ao imputar a responsabilização também ao estado, o TJRS entendeu que o Corpo de Bombeiros do Rio Grande do Sul sabia que a Boate Kiss estava funcionando sem alvará de prevenção contra incêndios desde 2012; e que, ao permitir a continuidade das atividades da casa noturna, deixou de cumprir o disposto na Lei Estadual 10.987/1997.

Para o ministro, a eventual revisão do entendimento do tribunal gaúcho exigiria o reexame das provas do processo – o que não é possível em recurso especial, conforme a Súmula 7 do STJ. “E mais, a questão também demandaria debate sobre legislação local, conforme os trechos acima transcritos”, observou Falcão, apontando que também o exame de leis municipais não é possível em recurso especial, nos termos da Súmula 280 do Supremo Tribunal Federal, aplicada por analogia no STJ.

O recurso ficou assim ementado:

ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ACIDENTE. INCÊNDIO NA BOATE KISS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA: EMPRESA, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, MUNICÍPIO DE SANTA MARIA. PRETENSÃO DE AFASTAR A CONDENAÇÃO DO ESTADO. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE COTEJO. DISCUSSÃO QUE ENVOLVE REVOLVIMENTO PROBATÓRIO E LEGISLAÇÃO LOCAL. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS N. 7⁄STJ E 280⁄STF.

I – Na origem, cuida-se de ação ajuizada por particular contra empresa, o Município de Santa Maria e o Estado do Rio Grande do Sul, pretendendo obter indenização por danos morais decorrentes do incêndio ocorrido na Boate Kiss, em 2013.

II – O Tribunal a quo reformou a sentença monocrática de procedência do pedido apenas em relação à empresa, para incluir na condenação, de forma solidária, o Município e o Estado.

III – O recurso especial do Estado do Rio Grande do Sul, pugnando pela exclusão de sua responsabilidade por ausência do nexo de causalidade por fato de terceiro, fundado somente em dissídio jurisprudencial, não merece ser conhecido, pois não realizado o necessário cotejo para fins de comprovação da divergência invocada.

IV – Ademais, ainda que se pudesse ultrapassar tal óbice, eventual debate acerca da responsabilidade estadual, na hipótese, demandaria revolvimento fático-probatório e, ainda, debate acerca de legislação local, que serviram de fundamento para o acórdão recorrido. Incidência dos óbices sumulares n. 7⁄STJ e 280⁄STF.

V – Agravo conhecido para não conhecer do recurso especial do Estado.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): AREsp 1407739

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