Trabalhador reivindica acesso aos valores por necessidades geradas a partir do estado de calamidade
A Oitava Turma do TST entendeu que é competência da Justiça do Trabalho julgar uma reclamação em que um técnico de ensaios elétricos de Blumenau (SC) pede a liberação dos recursos do seu FGTS em razão da pandemia da covid-19. Assim, determinou que a 3ª Vara do Trabalho de Blumenau julgue o caso.
Saque do FGTS
A reclamação foi ajuizada em junho de 2020. Nela, o trabalhador pediu à Justiça do Trabalho alvará para sacar o valor integral do seu FGTS, na época de cerca de R$ 72 mil. Alegou, para isso, as necessidades causadas a partir do estado de calamidade decorrente da pandemia da covid-19, reconhecido por decreto legislativo de 2020. Alternativamente, solicitou a liberação parcial do saldo, em valor a ser determinado pela Justiça.
Desastre natural
Em razão da crise de saúde, a Medida Provisória 946/2020 autorizou o saque de até R$ 1.045. Mas o técnico argumentou que a lei do FGTS (Lei 8.036/1990) autoriza a movimentação da conta do fundo por necessidade pessoal, cuja urgência e gravidade decorra de desastre natural.
Embora reconhecendo que a pandemia não esteja entre as hipóteses de desastre natural previstas no Decreto 5113/1990, ele cita abordagens técnicas e científicas que a consideram como tal, causada por agente biológico.
Finalidade social
Para o juízo de primeiro grau, a demanda não está diretamente vinculada à relação de emprego nem envolve qualquer conduta do empregador. Por isso, considerou a Justiça Trabalhista incompetente para julgar o caso e determinou a remessa dos autos à Justiça Federal.
A decisão ainda destacou que, apesar de ser decorrente da relação de emprego, o FGTS não é apenas direito do trabalhador, mas também tem finalidades social e comunitária. Por isso, há previsão de saque somente em situações específicas.
O Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (SC) manteve a sentença, por entender que não há amparo legal para o pedido.
Alvará
O relator do recurso de revista do técnico, ministro Aloysio Corrêa da Veiga, assinalou que a Emenda Constitucional 45 ampliou a competência da Justiça do Trabalho para abarcar relações de trabalho, e não apenas dissídios entre empregadores e empregados. Lembrou, também, entendimento consolidado do TST de que a Justiça do Trabalho é competente para apreciar pedido de expedição de alvará para saque dos depósitos do FGTS junto à Caixa Econômica Federal, ainda que não haja controvérsia sobre a relação de emprego.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE. LEI 13.467/2017. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ. LIBERAÇÃO DOS VALORES DEPOSITADOS EM CONTA VINCULADA AO FGTS. SITUAÇÃO DE CALAMIDADE DECORRENTE DA PANDEMIA DA COVID-19. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. O eg. Tribunal Regional consignou que a Justiça do Trabalho é incompetente para apreciação do pedido do autor – de expedição de alvará para levantamento dos depósitos do FGTS em decorrência da situação de calamidade pública causada pela pandemia da covid-19 – ao fundamento de o pleito não estar vinculado à decisão proferida sobre relação de emprego. A causa, assim, oferece transcendência política (art. 896-A, §1º, II, da CLT), haja vista a dissonância do entendimento regional com posicionamento desta c. Corte. Isso porque, com as alterações promovidas pela EC nº 45/2004, notadamente no art. 114 da CF, a competência da Justiça do Trabalho não mais está adstrita aos dissídios “entre empregadores e empregados”, como se depreendia da redação anterior, tendo havido o alargamento dos horizontes da atuação desta Especializada, a exemplo da locução “relação de emprego” trazida no inciso I do referido dispositivo. Desse contexto , decorreu o cancelamento da Súmula 176 desta c. Corte, no julgamento do TST- IUJ – RR-619872-16.2000.5.12.5555 (publicação no Diário da Justiça em 26/08/05), a partir do qual se consolidou o entendimento no sentido de que a Justiça do Trabalho é competente para apreciação do pedido de expedição de alvará para saque dos depósitos do FGTS junto à CEF, como órgão gestor do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, ainda que não haja dissídio entre empregado e empregador . E nesse mesmo sentido tem sido o posicionamento adotado quando o pedido de expedição de alvará é relacionado à situação causada pela pandemia da Covid-19, como in casu . Precedentes. Dessa forma, merece reforma a decisão regional, para se declarar a competência desta Justiça do Trabalho para apreciação do pedido do autor e determinar o retorno dos autos à vara de origem, para julgamento do mérito, como entender de direito. Transcendência política reconhecida e recurso de revista conhecido e provido.
O tema foi tratado em 2005, em decisão que levou ao cancelamento da Súmula 176 do TST, e esse entendimento tem sido aplicado, também, aos pedidos de saque relacionados à pandemia.
A decisão foi unânime.
Processo: RR-412-52.2020.5.12.0039