Interrupção da prescrição por ação trabalhista anterior depende da identidade de partes e de causas de pedir

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a interrupção da prescrição em ação cível, por ter havido citação válida em reclamação trabalhista anterior, depende da existência de identidade de partes e de causas de pedir – o que impediria a caracterização da inércia do titular do direito.

O colegiado discutiu, em ação relativa à inexigibilidade de débito por serviços de auditoria, se o processo trabalhista ajuizado anteriormente contra uma empresa florestal, em que foram apontadas as mesmas dívidas, teria o efeito de interromper o prazo prescricional.

A reclamatória trabalhista foi proposta em dezembro de 2012 para a cobrança de verbas remuneratórias supostamente devidas pela empresa florestal. O autor da reclamação relatou ter atuado no cargo de gestor financeiro e administrativo da empresa entre junho de 2003 e março de 2011.

Enquanto ainda tramitava o processo na Justiça do Trabalho, em junho de 2016, um grupo de auditores associados – do qual o autor da reclamação era representante legal – promoveu o protesto de títulos relativos a dois contratos de serviços de auditoria – um firmado em 2001, outro em 2010.

Contra os protestos, a empresa florestal ajuizou a ação de inexigibilidade dos débitos, alegando que eles já estariam prescritos, conforme o artigo 206, parágrafo 5º, inciso I, do Código Civil de 2002, o qual prevê o prazo de cinco anos para a cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento particular. Defendeu, ainda, que os protestos estariam prejudicados, tendo em vista que os débitos já estavam sendo discutidos no processo trabalhista.

A prescrição foi reconhecida em primeiro grau – sentença mantida pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), o qual consignou que a demanda trabalhista não interrompe a prescrição na ação cível.

Interrupção da prescrição pela citação em processo anterior

Em recurso especial, o grupo de auditores associados alegou que o prazo de prescrição só começou a fluir em 2018, data em que transitou em julgado a sentença trabalhista que não reconheceu a relação de emprego entre o gestor financeiro e a empresa florestal.

Segundo a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, a interrupção do prazo prescricional é admitida “quando o titular do direito manifesta, por uma das formas previstas em lei, a intenção de exercê-lo ou quando o devedor manifesta inequivocamente o reconhecimento daquele direito”.

A magistrada destacou que, ao contrário da conclusão do TJPR, a citação válida em processo anterior é capaz de interromper a prescrição na outra ação, posição que pode ser extraída tanto do artigo 202, inciso I, do CC/2002 quanto da jurisprudência do STJ – que, inclusive, já reconheceu o efeito interruptivo de prazo prescricional decorrente de citação ocorrida em reclamação trabalhista anteriormente ajuizada.

Ações têm autores e causas de pedir distintas

No entanto, no caso analisado, a magistrada ponderou que há a peculiaridade de não existir identidade entre as partes nas duas ações, já que a reclamatória trabalhista foi movida, em nome próprio, pelo representante do grupo de auditores, ao passo que o protesto foi feito em nome de pessoa jurídica.

Além disso, apontou, a ação trabalhista visava o reconhecimento de vínculo empregatício com a empresa florestal e o pagamento de remuneração pelo exercício da função. Por sua vez, na ação que originou o recurso especial, a empresa florestal pretendeu a declaração de inexigibilidade dos débitos representados por títulos que foram objeto de protesto pelo grupo de auditores.

“A ausência de inércia, a fim de interromper o curso do lapso prescricional, deve partir do próprio titular do direito em si, não se configurando quando a ação posterior é ajuizada por parte diversa, não obstante baseada em um mesmo débito”, afirmou a ministra.

Nancy Andrighi ressaltou, ainda, que não se poderia admitir que a empresa de auditoria tivesse de aguardar o desfecho da reclamatória trabalhista – posteriormente julgada improcedente – para postular seu suposto direito ao crédito, por meio de protesto dos títulos.

Ao manter o acórdão do TJPR, a relatora concluiu que os protestos dos títulos pelo grupo de auditores associados “não têm lastro na causa de pedir da ação trabalhista, o que justifica a inaplicabilidade das disposições atinentes à interrupção da prescrição”.

O recurso ficou assim ementado:

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO. PROTESTO DOS TÍTULOS. ANTERIOR AJUIZAMENTO DE AÇÃO TRABALHISTA. INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. ERRO MATERIAL. FUNDAMENTAÇÃO. DEFICIÊNCIA. SÚMULA 284⁄STF. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. COTEJO ANALÍTICO NÃO REALIZADO.

1. Ação de reconhecimento de inexigibilidade de débitos fundados em contratos de prestação de serviços firmados entre as partes.

2. Ação ajuizada em 29⁄06⁄2016. Recurso especial concluso ao gabinete em 17⁄09⁄2020. Julgamento: CPC⁄2015.

3. O propósito recursal é definir i) se o ajuizamento de ação trabalhista pelo representante legal da empresa recorrente impõe a interrupção do prazo prescricional relativo à pretensão de cobrança do débito pela prestação de serviços de auditoria; e ii) se há erro material a ser corrigido no tocante ao valor da causa.

4. A ratio essendi do art. 202, I, do CC⁄02 é favorecer o autor que já não mais se encontra na inércia pela proteção de seu direito.

5. A citação válida ocorrida no bojo de ação trabalhista anteriormente ajuizada tem o condão de interromper o prazo prescricional. Precedente.

6. Na espécie, contudo, não se constata a identidade de partes e causas de pedir hábeis a caracterizar a ausência de inércia do titular do direito, o que impede, deste modo, a interrupção da prescrição.

7. Quanto à alegada necessidade de correção de erro material, tem-se que a ausência de fundamentação ou a sua deficiência implica o não conhecimento do recurso quanto ao tema.

8. O dissídio jurisprudencial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico entre acórdãos que versem sobre situações fáticas idênticas.

9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido, com majoração de honorários.

Leia o acórdão do REsp 1.893.497.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1893497

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