Ingresso da União como assistente durante tramitação do processo no STJ impõe mudança de competência para a JF

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concluiu, por maioria, que o ingresso da União no processo como assistente simples faz com que a Justiça Federal passe a ter competência para novo julgamento de embargos de declaração, mesmo que o julgamento anterior tenha ocorrido na Justiça estadual. No caso analisado, o ingresso da União ocorreu quando o processo já estava no STJ.

A decisão foi proferida em embargos de divergência interpostos no âmbito de uma demanda que tem como pano de fundo a condenação da Petrobras Distribuidora S/A (conhecida como BR Distribuidora, hoje privatizada e com outro nome), pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), ao pagamento de indenização bilionária a uma rede de postos de combustíveis, em ação declaratória de extinção contratual combinada com indenizatória. Os valores estimados da condenação vão de R$ 2 bilhões, segundo a União, a R$ 8 bilhões, de acordo com os autores da ação.

Com a decisão dos embargos de divergência, a Corte Especial determinou o envio dos autos ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) para proceder a novo exame dos embargos de declaração da BR Distribuidora, que haviam sido rejeitados pelo TJSP.

O caso chegou ao STJ por meio de recurso especial no qual a BR Distribuidora alegou violação do artigo 535 do Código de Processo Civil de 1973 (artigo 1.022 do CPC/2015) por parte do TJSP. Só após a instauração da competência do STJ foi que a União manifestou interesse em atuar na causa, na qualidade de assistente simples. Levado a julgamento na Quarta Turma, o recurso da BR foi provido, determinando-se o retorno dos autos ao TJSP.

Precedentes reconheceram competência da Justiça Federal

A União, então, opôs embargos declaratórios com o pedido de deslocamento do processo para o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) devido à alegada competência absoluta da Justiça Federal, a partir do momento de sua intervenção nos autos.

Com base na regra da perpetuatio jurisdictionis, a Quarta Turma entendeu ser aplicável o artigo 43 do Código de Processo Civil de 2015 e negou provimento aos embargos de declaração da União. Para o colegiado, se as decisões de mérito foram proferidas pela Justiça estadual, não seria possível submetê-las a uma revisão da Justiça Federal.

Nos embargos de divergência apresentados à Corte Especial, a União sustentou que a decisão da QuartaTurma divergiu de posição adotada pela Segunda (REsp 556.382) e pela Terceira Turma (REsp 843.924), as quais, em situação semelhante, remeteram os autos à Justiça Federal em razão da admissão da União como assistente simples.

Em determinação monocrática, o relator dos embargos de divergência, ministro Francisco Falcão, autorizou o processamento do recurso apenas em relação ao paradigma da Segunda Turma, por não integrar a mesma seção que a Quarta Turma, autora do acórdão confrontado.

Constituição prevê competência federal diante de interesse jurídico da União

No julgamento da Corte Especial, Francisco Falcão afirmou que a competência absoluta da Justiça Federal nas causas em que a União for interessada como autora, ré, assistente ou oponente tem previsão expressa no artigo 109, I, da Constituição Federal.

Em seu voto, ele explicou que a participação da União como assistente simples difere da modalidade de intervenção anômala no processo – prevista no artigo 5º, parágrafo único, da Lei 9.469/1997 –, hipótese que não configura causa para o deslocamento da competência para a Justiça Federal, segundo o entendimento do STJ, por não exigir a presença de interesse jurídico.

Por outro lado, continuou o relator, a assistência simples exige o interesse jurídico da União na causa, o qual ficou demonstrado diante do risco que a confirmação da condenação poderia representar para a continuidade do abastecimento de combustíveis no país, “considerado de utilidade pública, conforme o parágrafo 1º do artigo 1º da Lei 9.847/1999“. Para Falcão, a recente privatização da empresa “não tem o condão de desconstituir tal interesse”.

Além disso, observou o magistrado, a competência absoluta da Justiça Federal se impõe mesmo diante da natureza integrativa dos embargos de declaração. “Não há vedação a que a integração se dê por órgão diverso, vez que não se está a conferir qualquer competência revisional à Justiça Federal em relação à Justiça estadual”, declarou.

O recurso ficou assim ementado:

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO QUE DÁ PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL POR VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. HABILITAÇÃO DA UNIÃO NO FEITO NA QUALIDADE DE ASSISTENTE SIMPLES. INTERESSE JURÍDICO ESPECÍFICO DEMONSTRADO. INTERVENÇÃO ANÔMALA NÃO CONFIGURADA. DESLOCAMENTO DA COMPETÊNCIA PARA A JUSTIÇA FEDERAL. BAIXA DOS AUTOS PARA O TRF COMPETENTE.
I – Cuida-se de embargos de divergência em recurso especial interpostos pela União, que litiga com Forte Comércio Importação, Exportação e Administração Ltda. e Outros, discorrendo que ingressou no processo na qualidade de assistente da Petrobras Distribuidora S.A., deferido à fl. 4.933, logo após a interposição de agravo interno pela assistida, contra decisão que, monocraticamente, negou provimento ao seu recurso especial, tudo em demanda de rescisão contratual cumulada com indenização a envolver valores ainda não liquidados, mas estimados pelas partes entre R$ 2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais), segundo a União, e R$ 8.000.000.000,00 (oito bilhões de reais), segundo os Autores/Embargados.
II – A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do agravo interno interposto por BR Distribuidora, deu provimento ao recurso especial, acolhendo a alegação de violação do art. 535 do CPC/1973 (atual art. 1.022 do CPC/2015), determinando o retorno dos autos ao Tribunal de origem – Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Opostos embargos de declaração pela União, alegando unicamente “sanar o vício processual, indicando a necessidade de remessa dos autos ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região, vez que, a partir do momento da intervenção da União no feito, a Justiça Federal tornou-se absolutamente competente para a análise da questão”.
III – Rejeitados os embargos de declaração, entendendo o e. relator que se aplica ao caso o art. 43 do CPC (regra da perpetuatio jurisdictionis em favor do TJ/SP), “pontuando ainda que, tendo sido as decisões de mérito proferidas pela Justiça Estadual, tanto no 1º como no 2º grau de jurisdição, não há falar em possibilidade revisional pela Justiça Federal”.
IV – Nos embargos de divergência, sustenta-se que, ao adotar tal entendimento, a Quarta Turma divergiu de posicionamento da Segunda e Terceira Turmas, indicando, da Terceira Turma, como paradigma, o REsp n. 843.924/RS e, da Segunda Turma, indicou o REsp n. 556.382/DF. Pugnou pelo provimento dos embargos de divergência para reparo de ordem processual no que tange à determinação de retorno dos autos ao Tribunal de origem, uma vez que, ao reconhecer a União como assistente simples da BR Distribuidora, a remessa dos autos deveria ser determinada ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
V – O art. 5º, parágrafo único, da Lei n. 9.469/1997 traz em sua redação a previsão legal da modalidade da intervenção anômala – intervenção promovida pelas pessoas jurídicas de direito público – ao dispor nos seguintes termos: “Art. 5º A União poderá intervir nas causas em que figurarem, como autoras ou rés, autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas federais. Parágrafo único. As pessoas jurídicas de direito público poderão, nas causas cuja decisão possa ter reflexos, ainda que indiretos, de natureza econômica, intervir, independentemente da demonstração de interesse jurídico, para esclarecer questões de fato e de direito, podendo juntar documentos e memoriais reputados úteis ao exame da matéria e, se for o caso, recorrer, hipótese em que, para fins de deslocamento de competência, serão consideradas partes.
” VI – Referida norma legal possibilita que, nas demandas que figurarem como parte – na qualidade de autoras ou rés – autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas, a União e demais pessoas jurídicas de direito público intervenham de maneira ampla, não sendo necessária a demonstração de interesse jurídico, bastando que os atos realizados no processo possam lhes gerar algum reflexo, ainda que meramente econômico.
VII – Outrossim, no que diz respeito à competência por ocasião da ocorrência da intervenção anômala, conforme entendimento desta Corte Superior, a intervenção anômala da União no processo não é causa para o deslocamento da competência para a Justiça Federal. Nesse sentido: (AgInt no CC 152.972/DF, relator Ministro Francisco Falcão, Primeira Seção, julgado em 11/4/2018, DJe 19/4/2018); (AgInt no REsp 1.535.789/PE, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 9/3/2020, DJe 11/3/2020); (AgInt no CC 150.843/DF, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Seção, julgado em 3/12/2019, DJe 6/12/2019.) VIII – A assistência simples, por seu turno, encontra previsão nos arts. 119 a 123 do Código de Processo Civil/2015. Nos termos do referido código, o assistente simples deve atuar como auxiliar da parte principal, na qual exercerá os mesmos poderes e sujeitar-se-á aos mesmos ônus processuais que o assistido, sendo ainda que do art. 119 extraem-se pressupostos de admissibilidade da assistência, quais sejam: i) a existência de uma relação jurídica entre uma das partes do processo e o terceiro e; ii) a possibilidade de a sentença influir na relação jurídica.
IX – Em outras palavras, a assistência é admissível quanto for viável o auxílio e enquanto não houver trânsito em julgado da sentença, em qualquer tempo ou grau de jurisdição. Ainda, para intervir no processo, o assistente simples precisa, necessariamente, demonstrar presente interesse jurídico em sentença favorável ao assistido.
X – Dessa forma, verifica-se que, na assistência simples, pela própria dicção do Código de Processo Civil, o terceiro interessado necessita ter interesse jurídico na causa, diferentemente do que ocorre na intervenção anômala, na qual basta, tão somente, o interesse meramente de natureza econômica.
XI – No caso dos autos, no momento da admissão da habilitação da União na demanda, esta foi realizada na qualidade de assistente simples e em decisão que passou irrecorrida, sendo que, conforme anteriormente citado, nesses casos de intervenção, o interesse jurídico na causa deve estar presente e assim o fora reconhecido.
XII – O interesse jurídico específico da União a ser tutelado encontra-se presente, tendo em conta que reflete em evidente interesse público demonstrado na petição de fls. 4.751-4.754 – consubstanciado no abastecimento nacional de combustíveis, considerado de utilidade pública, conforme § 1º do art. 1º da Lei n. 9.847/1999, uma vez que, com a condenação da BR Distribuidora, ora assistida, poderá ser afetada a continuidade das atividades desta e, consequentemente a atividade de distribuição de combustíveis no âmbito nacional, sendo que a alienação de participação societária noticiada não tem o condão de desconstituir tal interesse.
XIII – Com efeito, o art. 109, I, da Constituição Federal dispõe que compete à Justiça Federal processar e julgar as causas em que a União for interessada na condição de autora, ré, assistente ou oponente, fato que implicaria a remessa dos autos ao Juízo federal.
Assim, existindo o interesse da União no feito, na condição de assistente simples, a competência afigura-se como da Justiça Federal, conforme prevê o art. 109, I, da Constituição Federal, motivo pelo qual devem ser acolhidos os embargos de declaração opostos pela União para determinar a baixa não mais ao Tribunal de origem, mas ao Tribunal Regional Federal competente para a análise do feito, para o que desinfluente o fato de que o acórdão a ser integrado fora proferido no Juízo estadual, uma vez que se trata de matéria atinente à competência absoluta, não sujeita à perpetuatio jurisdictionis, consoante expresso no art. 43 do CPC, parte final, tudo nos termos do paradigma.
XIV – Embargos de divergência providos para, prevalecendo o entendimento dado pela Segunda Turma do STJ, reconhecer a competência da Justiça Federal, determinando a baixa dos autos ao Tribunal Regional Federal competente para novo julgamento dos embargos de declaração.

Lei mais:
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): EREsp 1265625

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