Frigorífico indenizará auxiliar de produção obrigada a usar chuveiros em boxes sem porta

A empresa usava a chamada barreira sanitária como justificativa

A Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou a BRF Brasil Foods S/A ao pagamento de indenização a uma auxiliar de produção por não ter instalado portas nos boxes dos chuveiros do setor de aves na chamada barreira sanitária da fábrica de Rio Verde (GO). Segundo a Turma, a prática configura exposição excessiva e injustificada da intimidade dos empregados.

Barreira sanitária

Os procedimentos conhecidos como barreira sanitária para quem trabalha no corte de aves estão previstos na Portaria 210/1988 do Ministério da Agricultura. Nos frigoríficos, o setor “sujo” é o de acesso dos empregados vindos da rua, com roupas comuns, e o setor “limpo” é o local de contato com as aves, que só pode ser acessado com trajes específicos, a fim de evitar contaminações.

Segundo o texto, as duas áreas devem ser separadas daquelas destinadas às instalações sanitárias com vasos e chuveiros.  Os vestiários de ambos os setores serão independentes e para cada sexo.

Roupas íntimas

Na reclamação trabalhista, a auxiliar de produção relatou que entrava na fábrica com suas próprias roupas e ia direto para o setor sujo, onde as retirava, e era obrigada a passar para o setor limpo trajando apenas roupas íntimas para vestir o uniforme e iniciar o trabalho. Segundo ela, as cabines dos chuveiros não tinham portas, e os empregados eram obrigados a tomar banho nus na frente dos demais colegas.

Intimidade

Para a juíza da 1ª Vara do Trabalho de Rio Verde, “não há qualquer exigência sanitária de permanência de trabalhadores desnudos dentro dos vestiários”. Conforme a sentença, a empresa obrigada a manter barreiras sanitárias “deve fazê-lo sempre de forma a proporcionar o direito à intimidade e à privacidade dos trabalhadores”. Assim, condenou a BRF a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 3,3 mil.

Conduta culposa

O Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (GO), no entanto, afastou a conduta culposa da empresa. “A ausência de portas nos chuveiros não é indicativo de que a intenção da empresa fosse expor os empregados perante os colegas de trabalho”, concluiu o TRT, ao excluir da condenação a indenização.

Exposição excessiva

O relator do recurso de revista da empregada, ministro Alexandre Luiz Ramos, observou que o TST não tem acolhido pedidos de dano moral quando os empregados são submetidos ao procedimento conhecido como barreira sanitária. No entanto, citou diversos precedentes e destacou que a ausência de portas nos boxes dos chuveiros não está prevista nas normas de segurança e higiene editadas pelo Ministério da Agricultura e configura exposição excessiva e injustificada da intimidade do empregado.

O recurso ficou assim ementado:

A) AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMADA (BRF S.A.). ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014.

HORAS IN ITINERE . SUPRESSÃO. ESTIPULAÇÃO POR NORMA COLETIVA. TEORIA DO CONGLOBAMENTO. FLEXIBILIZAÇÃO. VALIDADE. APLICAÇÃO DO ART. 7º, XXVI, DA CF E DO ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (RE 590.415 E RE 895.759). PROVIMENTO.

I. A Corte Regional entendeu pela invalidade da norma coletiva em que se estipulou a supressão do direito relativo ao tempo de deslocamento de ida e volta do empregado de sua residência até o local de trabalho. II. O entendimento adotado pela Corte de origem parece divergir daquele fixado pelo Supremo Tribunal Federal em matéria de repercussão geral (RE 590.415, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 29/5/2015, Tema nº 152) e, sob esse enfoque, viola o disposto no art. 7º, XXVI, da CF, razão pela qual o processamento do recurso de revista é medida que se impõe. III. Agravo de instrumento de que se conhece e a que se dá provimento , para determinar o processamento do recurso de revista, observando-se o disposto na Resolução Administrativa nº 928/2003 do TST.

B) RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMADA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014.

1. HORAS IN ITINERE . SUPRESSÃO. ESTIPULAÇÃO POR NORMA COLETIVA. TEORIA DO CONGLOBAMENTO. FLEXIBILIZAÇÃO. VALIDADE. APLICAÇÃO DO ART. 7º, XXVI, DA CF E DO ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (RE 590.415 E RE 895.759). CONHECIMENTO E PROVIMENTO.

I. Conforme estabelecido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 590.415 (Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 29/5/2015, Tema 152), (a)a Constituição reconheceu as convenções e os acordos coletivos como instrumentos legítimos de prevenção e de autocomposição de conflitos trabalhistas; tornou explícita a possibilidade de utilização desses instrumentos, inclusive para a redução de direitos trabalhistas; atribuiu ao sindicato a representação da categoria; impôs a participação dos sindicatos nas negociações coletivas; e assegurou, em alguma medida, a liberdade sindical “; (b)a Constituição de 1988 […] prestigiou a autonomia coletiva da vontade como mecanismo pelo qual o trabalhador contribuirá para a formulação das normas que regerão a sua própria vida, inclusive no trabalho (art. 7º, XXVI, CF) “; (c)no âmbito do direito coletivo, não se verifica […] a mesma assimetria de poder presente nas relações individuais de trabalho. Por consequência, a autonomia coletiva da vontade não se encontra sujeita aos mesmos limites que a autonomia individual “; (d)não deve ser vista com bons olhos a sistemática invalidação dos acordos coletivos de trabalho com base em uma lógica de limitação da autonomia da vontade exclusivamente aplicável às relações individuais de trabalho “. II. Por sua vez, no julgamento do RE 895.759, a 2ª Turma do STF firmou entendimento de que ” é válida norma coletiva por meio da qual categoria de trabalhadores transaciona o direito ao cômputo das horas in itinere na jornada diária de trabalho em troca da concessão de vantagens de natureza pecuniária e de outras utilidades ” (STF, 2ª Turma, Ag. Reg.RE 895.759, Rel. Min. Teori Zavascki, DJe de 23.05.2017). III. No âmbito deste Tribunal Superior do Trabalho, a jurisprudência que se consolidou é no sentido de que a teoria do conglobamento deve ser adotada para dirimir conflito entre normas coletivas de trabalho, daí resultando que cada instrumento deve ser visto de forma global. O processo de negociação consiste em concessões recíprocas, de forma que o resultado do instrumento constitui condição benéfica às partes. Tendo presente esta premissa, as cláusulas decorrentes da negociação coletiva não podem ser analisadas de forma atomizada, pois cada uma se vincula ao equilíbrio da negociação coletiva. A vantagem compensatória é inerente à negociação coletiva, sendo desnecessária sua identificação pormenorizada. IV. No caso , a Corte Regional decidiu pela invalidade da norma coletiva em que se estipulou a supressão do direito relativo ao tempo de deslocamento de ida e volta do empregado de sua residência até o local de trabalho, sob o fundamento de se tratar de direito indisponível do trabalhador, infenso à negociação coletiva. V. O entendimento adotado pela Corte de origem diverge daquele fixado pelo Supremo Tribunal Federal em matéria de repercussão geral (RE 590.415, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 29/5/2015, Tema nº 152) e, sob esse enfoque, viola o disposto no art. 7º, XXVI, da CF. Logo, o provimento ao recurso de revista é medida que se impõe. VI. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento .

2. INTERVALO PREVISTO NO ART. 253 DA CLT. DECISÃO REGIONAL EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA ATUAL E NOTÓRIA DESTA CORTE SUPERIOR. INCIDÊNCIA DO ÓBICE DO ART. 896, § 7º, DA CLT E DA SÚMULA Nº 333 DO TST. NÃO CONHECIMENTO.

I. O Tribunal Regional decidiu que, para a concessão do intervalo de recuperação térmica, não é necessário que o trabalho seja realizado exclusivamente em câmaras frigoríficas, podendo ser executado em locais que apresentem situações similares. II. A decisão recorrida está em conformidade com a jurisprudência atual e notória desta Corte Superior, sedimentada na Súmula nº 438 do TST. III. Assim, uma vez uniformizada a jurisprudência pelo Tribunal Superior do Trabalho, não há mais razão para o recebimento de novos recursos de revista sobre a matéria, quer por divergência jurisprudencial, quer por violação de lei federal ou da Constituição da República, a teor do art. 896, § 7º, da CLT e da Súmula nº 333 do TST. IV. Recurso de revista de que não se conhece.

3. DOENÇA OCUPACIONAL. INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL. MATÉRIA FÁTICA. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME EM GRAU DE RECURSO DE REVISTA. SÚMULA Nº 126 DO TST. NÃO CONHECIMENTO.

I. Nos termos da Súmula nº 126 do TST, é incabível o recurso de revista para reexame de fatos e provas. II. No caso, a parte pretende o processamento do seu recurso de revista a partir de premissa fática não consignada no acórdão recorrido. Logo, para se concluir pela violação de preceito de lei, contrariedade a verbete sumular ou existência de dissenso jurisprudencial na forma como defendida pela parte Recorrente, faz-se necessário o revolvimento de matéria fático-probatória dos autos, o que é vedado na presente fase recursal. III. Recurso de revista de que não se conhece.

4. DOENÇA OCUPACIONAL. VALOR ARBITRADO A TÍTULO DE DANO MORAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. NÃO CONHECIMENTO.

I. A revisão do valor fixado a título de indenização por dano moral em recurso de revista é possível apenas nas hipóteses em que o montante arbitrado for irrisório ou exorbitante, demonstrando o desatendimento dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. II. No presente caso, a Corte de origem fixou o montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais), levando em conta a gravidade da lesão, o porte financeiro do agente ofensor, a situação econômica e social da vítima, além do caráter pedagógico da sanção aplicada, o que não revela afronta aos arts. 5º, X, da CF. III. Recurso de revista de que não se conhece .

5. PENSÃO MENSAL. CUMULAÇÃO COM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. BASE DE CÁLCULO. RECURSO DESFUNDAMENTADO. NÃO INDICAÇÃO DE NENHUMA DAS HIPÓTESES DO ART. 896 DA CLT. NÃO CONHECIMENTO.

I. O recurso de revista está desfundamentado à luz do disposto no art. 896 da CLT, porque, nas razões recursais, a parte Recorrente não apontou violação de dispositivo de lei ou da Constituição Federal, nem indicou contrariedade a verbete sumular ou divergência jurisprudencial acerca da matéria. II. Recurso de revista de que não se conhece.

6. RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO DE TRABALHO. ÔNUS DA PROVA. MATÉRIA FÁTICA. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME EM GRAU DE RECURSO DE REVISTA. SÚMULA Nº 126 DO TST. NÃO CONHECIMENTO.

I. Os arts. 818 da CLT e 373 do CPC/2015 (art. 333 do CPC/73) disciplinam a distribuição do encargo probatório entre as partes no processo. Caracteriza-se a afronta aos referidos dispositivos legais se o juiz decidir mediante atribuição equivocada desse ônus probatório, o que não ocorreu na hipótese dos autos. II . No caso, o julgador regional não proferiu julgamento com base no critério do ônus da prova, mas decidiu a controvérsia mediante a valoração da prova, expondo os motivos de seu convencimento. III . Na realidade, o que a parte Recorrente pretende discutir é a valoração da prova e não quem detinha o encargo de produzi-la, alegando que a parte contrária não se desincumbiu do ônus de provar o que alegou. IV . No entanto, isso é matéria de fato, cuja discussão se encerrou com o julgamento do recurso ordinário, sendo vedado o reexame de fatos e provas em grau de recurso de revista, nos termos da Súmula nº 126 desta Corte. V. Recurso de revista de que não se conhece.

7. VALOR ARBITRADO A TÍTULO DE HONORÁRIOS PERICIAIS. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA. NÃO CONHECIMENTO.

I. Inviável o processamento do recurso de revista por divergência jurisprudencial, uma vez que o único aresto transcrito para confronto de teses é proveniente de decisão do mesmo órgão prolator da decisão recorrida, hipótese não prevista no art. 896, a , da CLT. II. Recurso de revista de que não se conhece.

B) RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMANTE. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014.

1. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. BARREIRA SANITÁRIA. AUSÊNCIA DE PORTAS NOS BOXES DOS CHUVEIROS. CONHECIMENTO E PROVIMENTO.

I. A jurisprudência desta Corte Superior se firmou no sentido de que a mera submissão do empregado ao procedimento denominado “barreira sanitária” não tem o condão de ensejar compensação por dano moral, mas que a ausência de portas nos boxes dos chuveiros, por se tratar de exigência não prevista nas normas de segurança e higiene editadas pelo Ministério da Agricultura, configura exposição excessiva e injustificada da intimidade do empregado (precedentes da SBDI-1 do TST). II. Nesse contexto, a decisão regional, em que se entendeu que não configura ato ilícito, a ensejar compensação por dano moral, o procedimento higienização e descontaminação, denominado “barreira sanitária”, ainda que não existissem portas nos boxes dos chuveiros, violou o art. 5º, X, da CF. III. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento.

Por unanimidade, a Turma deu provimento ao recurso e restabeleceu a sentença.

Processo: ARR-1556-82.2012.5.18.0101

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