Não havia câmeras de monitoramento em locais impróprios, como banheiros e refeitório.
A Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho isentou a empresa gaúcha Liq Corp S.A. da obrigação de desativar e retirar as câmeras de vigilância instaladas no interior das suas dependências e afastou o pagamento de indenização por dano moral coletivo. Para a Turma, o monitoramento no ambiente de trabalho, sem qualquer notícia a respeito de excessos, como a utilização de câmeras espiãs ou a instalação em recintos destinados ao repouso ou que pudessem expor a intimidade dos empregados, como banheiros ou vestiários, insere-se no poder fiscalizatório do empregador.
Vigilância
A demanda teve início com ação civil pública em que o Ministério Público do Trabalho sustentava que a empresa estaria cometendo irregularidades relativas à vigilância constante de seus empregados, por meio de câmeras de vigilância, com exceção dos banheiros.
Comunidade
A empresa foi condenada no primeiro grau ao pagamento de indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 5 milhões e a desativar os equipamentos nos locais onde não existisse a possibilidade de acesso por terceiros invasores. O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) manteve a condenação, por entender que a empresa havia praticado ato ilícito, com lesão à esfera moral de uma comunidade.
Dados sigilosos
No recurso de revista, a Liq Corp sustentou que o monitoramento ambiental era feito com o conhecimento do trabalhador e sem que houvesse qualquer abuso pela existência de câmeras em locais impróprios. A empresa argumentou que presta serviços de teleatendimento e lida com dados pessoais e sigilosos de milhões de pessoas, clientes de bancos, empresas de telefonia, operadoras de TV a cabo, de cartões de crédito e de planos de saúde, entre outros. Por isso, considera razoável a utilização de meios apropriados e lícitos para evitar danos.
Fiscalização
O relator do recurso, ministro Hugo Scheuermann, assinalou que a legislação autoriza a adoção, pelos empregadores, de medidas de controle e fiscalização da prestação de serviços, desde que não ofendam direitos de personalidade do trabalhador. Ele lembrou que o TST tem, reiteradamente, reconhecido a ilicitude da instalação de câmeras em locais da empresa onde possa haver exposição da intimidade.
No entanto, o ministro citou precedentes de que, em circunstâncias como as verificadas no caso, a exposição dos trabalhadores às câmeras permite ao empregador o melhor controle da atividade laboral, sem afetar o núcleo essencial do direito de intimidade dos trabalhadores. “Nessa medida, não é possível exigir que a empregadora desative as câmeras de vigilância”, destacou.
Valores fundamentais
Para o relator, o procedimento empresarial não ocasiona significativo constrangimento aos empregados nem revela tratamento abusivo do empregador, uma vez que o monitoramento é feito indistintamente. Dessa forma, não afeta valores e interesses coletivos fundamentais de ordem moral. “O caso dos autos difere de casos reiteradamente analisados pelo TST em que se reconhece a ofensa à dignidade dos empregados diante da instalação de câmeras em vestiários e banheiros, pela possível exposição de partes do corpo dos empregados”, concluiu.
O recurso ficou assim ementado:
AGRAVO DE INSTRUMENTO DA RECLAMADA. RECURSO DE REVISTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. TUTELA RESSARCITÓRIA. MONITORAMENTO DAS ATIVIDADES DOS EMPREGADOS POR MEIO DE CÂMERA. PRETENSÃO DE PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO. PODER FISCALIZATÓRIO DO EMPREGADOR. AUSÊNCIA DE ILICITUDE DA CONDUTA. Decisão Regional em que adotado o entendimento de que o monitoramento dos trabalhadores por meio de câmera acarreta dano moral coletivo. Aparente violação do art. 5º, X, da CF, nos moldes do art. 896 da CLT, a ensejar o provimento do agravo de instrumento, nos termos do artigo 3º da Resolução Administrativa nº 928/2003.
Agravo de instrumento conhecido e provido.
RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. TUTELA INIBITÓRIA. MONITORAMENTO DAS ATIVIDADES DOS EMPREGADOS POR MEIO DE CÂMERA. PODER FISCALIZATÓRIO DO EMPREGADOR. AUSÊNCIA DE ILICITUDE DA CONDUTA. 1. Trata-se de Ação Civil Pública em que o Ministério Público do Trabalho denuncia irregularidades praticadas pela reclamada, relativas à vigilância constante de seus empregados por meio de câmeras instaladas em suas dependências, com exceção dos banheiros. 2. Constata-se do acórdão do Tribunal Regional o seguinte: resta incontroverso, na hipótese vertente, que a demandada mantém câmeras de monitoramento nos locais em que seus empregados executam suas tarefas laborais; é incontroverso que não havia câmeras em vestiários e banheiros, conforme, inclusive, deixou claro a inicial. 3. Em primeira instância, a reclamada foi condenada a desativar e retirar as câmeras de filmagem instaladas no interior de suas dependências onde houvesse execução de atividades por empregados e onde não existisse a possibilidade de acesso por terceiros invasores, sob pena de multa diária. O Tribunal Regional manteve a condenação sob o fundamento de que “O monitoramento permanente das atividades dos empregados gera indiscutível desconforto a estes, incita a desconfiança mútua, bem como desrespeita o critério da confiança recíproca que deve informar as relações contratuais entre empregados e empregadores, disso resultando grave ofensa à dignidade dos trabalhadores, inclusive porque parte do princípio de que o empregado pode ser desonesto”. 4. Contudo, o monitoramento dos empregados no ambiente de trabalho por meio de câmera, sem qualquer notícia no acórdão do Tribunal Regional a respeito de excessos pelo empregador, tais como a utilização de câmeras espiãs ou a instalação de câmeras em recintos que fossem destinados ao repouso dos funcionários ou que pudessem expor partes íntimas dos empregados, como banheiros ou vestiários, não configura ato ilícito, inserindo-se dentro do poder fiscalizatório do empregador. 5. Nessa medida, não é possível exigir que a empregadora desative as câmeras de vigilância. 6. Configurada a ofensa ao art. 2º da CLT.
Recurso de revista conhecido e provido.
RECURSO DE REVISTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. TUTELA RESSARCITÓRIA. MONITORAMENTO DAS ATIVIDADES DOS EMPREGADOS POR MEIO DE CÂMERA. PRETENSÃO DE PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO. PODER FISCALIZATÓRIO DO EMPREGADOR. AUSÊNCIA DE ILICITUDE DA CONDUTA. AUSÊNCIA DE DANO. 1. Trata-se de Ação Civil Pública em que o Ministério Público do Trabalho denuncia irregularidades praticadas pela reclamada, relativas à vigilância constante de seus empregados por meio de câmeras instaladas em suas dependências, com exceção dos banheiros. 2. Constata-se do acórdão do Tribunal Regional o seguinte: resta incontroverso, na hipótese vertente, que a demandada mantém câmeras de monitoramento nos locais em que seus empregados executam suas tarefas laborais; é incontroverso que não havia câmaras em vestiários e banheiros, conforme, inclusive, deixou claro a inicial. 3. Em primeira instância, a reclamada foi condenada ao pagamento de indenização por danos morais coletivos fixada em cinco milhões de reais. O Tribunal Regional manteve a condenação sob o fundamento de que “a reclamada causou lesão à esfera moral de uma determinada comunidade, sendo nítida a prática de ato ilícito de sua parte, traduzindo dano principalmente à dignidade dos trabalhadores envolvidos, ensejando a reparação civil deduzida pelo Ministério Público”. 4. Contudo, o monitoramento dos empregados no ambiente de trabalho por meio de câmera, sem qualquer notícia no acórdão do Tribunal Regional a respeito de excessos pelo empregador, tais como a utilização de câmeras espiãs ou a instalação de câmeras em recintos que fossem destinados ao repouso dos funcionários ou que pudessem expor partes íntimas dos empregados, como banheiros ou vestiários, não configura ato ilícito, inserindo-se dentro do poder fiscalizatório do empregador. Ainda, o procedimento não ocasiona significativo constrangimento aos funcionários, nem revela tratamento abusivo do empregador quanto aos seus funcionários, já que o monitoramento por câmera, a rigor, é feito indistintamente. Portanto, não afeta sobremaneira valores e interesses coletivos fundamentais de ordem moral. 5. Nessa medida, não é possível impor indenização por dano moral coletivo, pois ausente à ilicitude da conduta e o dano. 6. Configurada a ofensa ao art. 5º, X, da CF.
Recurso de revista conhecido e provido.
A decisão foi unânime.
Processo: RR-21162-51.2015.5.04.0014