Exigência genérica de certidão de antecedentes criminais por supermercado é ilícita

A necessidade deveria estar limitada a cargos específicos do estabelecimento.

A Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) condenou a Mateus Supermercados S.A., de São Luís (MA), a pagar R$ 100 mil de indenização por danos morais coletivos pela exigência de antecedentes criminais para seleção de empregados. A empresa afirmou que a exigência era feita a todos os empregados, não só para aqueles em funções de confiança. O critério, segundo o colegiado, é discriminatório.

MPT

O caso tem origem em ação do Ministério Público do Trabalho (MPT) que pediu a condenação da empresa em R$ 600 mil por danos morais coletivos, uma vez que a exigência era direcionada a todos os empregados. “Não estava limitada a cargos específicos que poderiam justificar a apresentação de antecedentes criminais”.

Sem distinção

Em contestação, a empresa assumiu que exige certidão de antecedentes criminais como condição para a admissão de qualquer funcionário, mas defendeu a legalidade da conduta. Lembrou que a certidão é um documento que também é exigido pela administração pública na contratação de servidores e que o pedido foi feito a todos os candidatos, sem distinção.

Caixas e açougueiros

A 2ª Vara do Trabalho de São Luís e o Tribunal Regional do Trabalho da 16ª Região (MA) entenderam que não ficou comprovado, na ação do MPT, o intuito discriminatório. A exigência, segundo o TRT, foi irrestrita, para qualquer empregado interessado na contratação, e não configurou lesão moral. O Regional ponderou ainda que existem funções na empresa (caixas e açougueiros) que exigem grau elevado de confiança.

“Poder-se-ia falar em discriminação aos candidatos ao emprego, em tese, caso a Mateus exigisse a certidão de apenas um ou alguns aspirantes ao cargo, injustificadamente, o que não ficou demonstrado nos autos”, apontou a decisão.

Coletividade

Contudo, o argumento foi rechaçado pela ministra Delaíde Miranda Arantes, relatora do recurso de revista do MPT ao TST. Ela destacou que, tratando-se de empresa de grande porte do ramo de supermercados, a coletividade de candidatos aos empregos abrange tanto os que serão alocados em funções de caixa ou no manuseio de objetos perfurocortantes, quanto em outra variedade de vagas que não necessitam fidúcia especial.

Em seu voto, a relatora cita o Incidente de Recursos Repetitivos (IRR 24300-58.2013.5.13.0023), julgado pela SDI-1 do TST, que fixou a tese de que a exigência de certidão só é legítima se for justificada por lei, natureza do ofício ou grau especial de fidúcia exigido. “Quando ausentes as justificativas, fica configurado o dano moral passível de condenação”, explicou.

A ministra assinalou que a caracterização do dano moral coletivo dispensa prova do efetivo prejuízo financeiro ou do dano psíquico decorrente. Isso porque a lesão decorre da conduta ilícita da empresa – no caso, o pedido de antecedentes criminais para seleção e contratação de trabalhadores de forma irrestrita.

Valor

Quanto ao valor do dano, a ministra ressaltou que a empresa está inserida em um grupo com dezenas de milhares de empregados e tem receita anual de bilhões de reais, “informações facilmente extraídas do site da empresa”. Dados que, segundo ela, demonstram ser razoável e proporcional o valor aplicado a título de condenação por danos morais coletivos no valor de R$ 100 mil. (A quantia será revertida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT).

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO DE REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. TRANSCENDÊNCIA RECONHECIDA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EXIGÊNCIA DE ANTECEDENTES CRIMINAIS PARA SELEÇÃO E CONTRATAÇÃO DE EMPREGADOS. DANO MORAL COLETIVO . O Tribunal Regional entendeu que a exigência de antecedentes criminais de todos os candidatos ao emprego, de forma irrestrita, não configura lesão moral, e que, no caso dos autos, haveria contratação para funções que pressupõem fidúcia especial, sem que tenha sido comprovada discriminação pela empresa. Entretanto, tratando-se de uma empresa de grande porte do ramo de supermercados, a coletividade de candidatos aos empregos abrange tanto os que serão alocados em funções de caixa e manuseando objetos perfurocortantes, quanto em outra variedade de vagas que não necessitam fidúcia especial. Assim, a Corte Regional ao consignar que “não é difícil associar que das muitas funções desempenhadas pelos trabalhadores da empresa reclamada exigem grau elevado de fidúcia, especialmente por trabalharem diretamente com numerário ou com objetos perfurocortantes (ex. caixas, açougueiros e etc) “, atribuiu de forma genérica uma exceção a todos os candidatos que serão contratados pela ré e alocados nas mais diversas funções, o que não se coaduna com a tese firmada por esta Corte Superior, no IRR 24300-58.2013.5.13.0023, pela SDI-1. E nem se fale da necessidade de comprovação de dano moral, tendo em vista o reconhecimento do seu caráter in re ipsa , segundo o item III da respectiva tese. Violado o art. 5.º, X, da Constituição Federal, impõe-se o reconhecimento do dano moral coletivo e respectiva indenização no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), consideradas a extensão e repercussão do dano, a culpa da reclamada, seu porte e capacidade econômica, o caráter pedagógico e preventivo da condenação e os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Recurso de revista conhecido e provido.

Por unanimidade, a Oitava Turma acompanhou o voto da relatora. No entanto, foram apresentados embargos de declaração ainda não julgados pelo colegiado.

 

Processo:  TST-RR-17302-16.2013.5.16.0002

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