O colegiado levou em conta as dificuldades financeiras dos sindicatos.
A Seção Especializada em Dissídios Coletivos (SDC) do Tribunal Superior do Trabalho reduziu de R$ 100 mil para R$ 20 mil a multa devida pelo Sindicato dos Condutores de Veículos Rodoviários e Trabalhadores em Transporte Urbano de Passageiros e Cargas Secas e Molhadas de Guarulhos e Região (Sincoverg). O motivo da multa é o descumprimento das determinações judiciais durante a paralisação da categoria, ocorrida no dia 14/6/2020, contra a emenda constitucional de reforma da previdência social em tramitação, na época, no Congresso Nacional.
Embora o sindicato não tenha mantido em funcionamento o transporte coletivo urbano com o percentual mínimo de trabalhadores fixado na decisão, o TST entendeu que o valor da multa estava elevado e desproporcional em relação à finalidade pedagógica da penalidade. A intenção é desestimular o descumprimento das determinações judiciais nos contextos de greve, considerando a precariedade financeira dos sindicatos após a perda da contribuição sindical compulsória.
Greve abusiva
No dia 11/6/2019, o Sindicato das Empresas de Transportes Urbanos e Metropolitanos de Passageiros de Guarulhos e Arujá – GUARUSET ingressou com dissídio coletivo de greve contra o Sincoverg no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP).
O Sindicato das empresas pediu que a paralisação, marcada para acontecer no dia 14 de junho, fosse declarada abusiva pelo seu caráter político e que o Sindicato dos Trabalhadores mantivesse, nos horários de grande movimentação de passageiros, 80% do pessoal em serviço e, nos demais horários, 60% da categoria em atividade, sob pena do pagamento de multa diária de R$ 500 mil.
Multa de R$ 100 mil
O vice-presidente do TRT determinou que as partes mantivessem o transporte público na região com o mínimo de 70% dos trabalhadores nos horários de pico (das 6h às 9h e das 17h às 20h) e de 50% nos demais horários de funcionamento do serviço. A multa diária foi fixada em R$ 100 mil em caso de descumprimento das orientações. No dia da greve, o oficial de justiça avaliou que a determinação judicial não fora cumprida, logo, a multa era devida.
O sindicato dos trabalhadores, por sua vez, argumentou que teria havido adesão espontânea de 100% da categoria à greve contra a retirada de direitos sociais, motivo pelo qual não podia ser responsabilizado pelo descumprimento da decisão judicial. Contudo, o Regional declarou a abusividade da paralisação, pois ela não ocorrera por melhores condições de trabalho, e sim contra as reformas na área da previdência social propostas pelo governo federal. A multa foi aplicada.
Valor elevado
O Sincoverg tentou reformar o entendimento do Tribunal Regional de que a greve fora abusiva, com a exclusão da multa aplicada, ou pelo menos, a sua redução no recurso ordinário apresentado ao TST.
No que diz respeito à abusividade do movimento, o relator do apelo, ministro Mauricio Godinho Delgado, embora tenha compreensão diferente sobre a matéria, esclareceu que a SDC considera abusiva a greve deflagrada como forma de protesto contra as reformas trabalhista e previdenciária, tendo em vista que os interesses reivindicados se dirigem ao Poder Público e não podem ser atendidos pelo empregador. Nesse aspecto, portanto, foi mantido o entendimento do TRT, inclusive com a aplicação da multa.
Quanto ao valor da multa diária de R$ 100 mil, o relator destacou que a greve ocorrera apenas no dia 14/06/2019 e que não havia dúvidas sobre o descumprimento da determinação judicial. Entretanto, o ministro Godinho considerou elevado o valor da multa diante do “atual contexto de precariedade financeira por que passam os entes sindicais brasileiros, com a perda da sua principal receita, a contribuição sindical compulsória”. Ela passou a ser voluntária com a entrada em vigor da Lei 13.467/2017 (Lei da Reforma Trabalhista).
Desse modo, o relator votou no sentido de reduzir a multa para R$ 20 mil para ficar proporcional à capacidade econômica do sindicato dos trabalhadores.
O recurso ficou assim ementado:
DISSÍDIO COLETIVO DE GREVE. RECURSO ORDINÁRIO DO SINDICATO OBREIRO. 1) GREVE GERAL COMO PROTESTO CONTRA AS REFORMAS TRABALHISTA E PREVIDENCIÁRIA. ABUSIVIDADE, SEGUNDO A MAIORIA DOS MEMBROS DESTA SEÇÃO. O atual entendimento desta Seção Especializada é de que a greve deflagrada como forma de protesto contra as Reformas Trabalhista e Previdenciária tem conotação política, porquanto dirigida contra o Poder Público e com objetivos direcionados à proteção de interesses que não podem ser atendidos pelo empregador. Por essa razão, a maioria dos membros desta SDC considera que a greve, nessa situação, deve ser declarada abusiva. Assim, por disciplina judiciária, mantém-se a declaração de abusividade da greve deflagrada pelo Sindicato Suscitado no dia 14/6/2020. Ressalva de entendimento do Relator , o qual entende que a Constituição não considera inválidos os movimentos paredistas que defendam interesses que não sejam estritamente contratuais, desde que ostentem também dimensão e impacto profissionais e contratuais importantes – o que seria o caso dos autos, já que as reformas trabalhista e previdenciária, cerne da deflagração da greve, são eventos com alto potencial de repercussão nas condições de trabalho, pois podem promover modificações prejudiciais para os trabalhadores no contexto do contrato de trabalho. Nessa linha de raciocínio, não haveria abusividade no movimento paredista ora analisado, sob o ponto de vista material, ou seja, dos interesses defendidos. Recurso ordinário desprovido, no aspecto. 2) MULTA FIXADA PELO DESCUMPRIMENTO DE DECISÃO LIMINAR. REDUÇÃO DO VALOR, EM OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. A Constituição apresenta limitações ao direito de exercício de greve, como a que diz respeito à noção de serviços ou atividades essenciais. Nesse segmento destacado, cujo rol compete à lei definir, caberá a esta também dispor sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade (art. 9º, § 1º da CF). Planejada a greve em setor primordial, seus condutores deverão atentar para o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade (art. 11, Lei n. 7.783/89), podendo o Poder Judiciário, se instado a se pronunciar, definir uma justa proporção atinente ao percentual de trabalhadores que devam se manter em atividade durante a greve. A decisão judicial, evidentemente, deve se pautar pelo equilíbrio entre a proteção ao interesse público envolvido (direitos da população diretamente afetada) e a proteção ao direito individual e coletivo fundamental de greve assegurado aos trabalhadores. Tal ponderação deve possibilitar o menor impacto negativo da greve perante a sociedade, assim como permitir que o movimento represente efetiva forma de pressão perante a categoria econômica – afinal, a greve é o meio legítimo conferido aos trabalhadores para reivindicarem direitos e melhores condições de trabalho. Na hipótese , a atividade desempenhada pelos trabalhadores representados pelo Sindicato Suscitado – transporte coletivo – é essencial (art. 10 da Lei 7783/89), devendo, portanto, ser garantida, durante a greve, a prestação dos serviços. A decisão liminar expedida pelo Tribunal de origem foi no sentido de que as Partes (empresas e trabalhadores) mantivessem o transporte público, em toda área de regular atendimento, com o mínimo de 70% (setenta por cento) dos trabalhadores nos horários de pico (considerando-se como tal das 06h00 às 09h00 e das 17h00 às 20h00) e 50% (cinquenta por cento) dos trabalhadores nos demais horários de funcionamento do serviço, sob pena de multa diária de R$100.00,00 (cem mil reais). Não havendo controvérsia sobre o descumprimento da liminar por parte dos trabalhadores no único dia de greve (a teor da conclusão do Tribunal Regional, das próprias razões recursais, bem como do parecer do MPT), bem como qualquer indício de que as Empresas foram responsáveis pelo descumprimento da decisão liminar, o Sindicato obreiro deve arcar com as consequências jurídicas do desrespeito à determinação judicial. Cabe ponderar, todavia, que o valor fixado pelo TRT se mostra excessivo, devendo ser adequado ao montante diário de R$20.000,00 (vinte mil reais), quantia que não onera de forma desproporcional o Sindicato e, ao mesmo tempo, reforça a finalidade pedagógica da penalidade no desestímulo ao descumprimento das decisões judiciais nos contextos de greve. Registre-se que o referido montante diário de cominação se encontra harmônico a parâmetros jurisprudenciais desta SDC-TST para casos congêneres. Considere-se, também, o atual contexto de precariedade financeira por que passam os entes sindicais brasileiros, com a perda da sua principal receita, a contribuição sindical compulsória, convolada em contribuição sindical voluntária pela Lei nº 13.467/2017, e o entendimento de que o valor das astreintes deve ser compatível com a obrigação e proporcional à capacidade econômica do infrator – sob pena de ser infrutífero para estimular o cumprimento da obrigação. Recurso ordinário provido parcialmente.
Por unanimidade, a SDC acompanhou o voto do relator.
Processo: ROT-1001600-96.2019.5.02.0000