A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que, nos termos da Lei 5.764/1971, a cooperativa só pode ratear entre seus sócios os prejuízos apurados no decorrer do exercício, e desde que o fundo de reserva não seja suficiente. Para o colegiado, não é possível incluir o provisionamento de dívidas no rateio proporcional de prejuízos – muito menos no caso de cooperado que deixou a sociedade, o qual só está obrigado em relação a prejuízos verificados no exercício em que se deu a retirada.
Com esse entendimento, ao dar provimento ao recurso especial de uma ex-cooperada, o colegiado concluiu que a Unimed de Foz do Iguaçu Cooperativa de Trabalho Médico Ltda. não poderia ter imposto o rateio, entre os cooperados, de R$ 5,8 milhões que foram incluídos no balanço de 2006 a título de provisão para contingências fiscais, trabalhistas e cíveis, pois não se tratava de prejuízo verificado naquele exercício.
Segundo o relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, os documentos do processo indicam que o prejuízo do exercício foi de aproximadamente R$ 229 mil, possível de ser coberto pelo fundo de reserva da cooperativa, no valor de mais de R$ 455 mil.
TJPR considerou que o rateio entre os cooperados seria justo e lícito
Na origem do caso, após se desligar da sociedade, uma médica ajuizou ação contra a cooperativa para receber sua cota-capital e valores descontados a título de fundo de construção. Ela também requereu a declaração de inexigibilidade do débito que lhe estava sendo imputado.
O juiz condenou a ré a restituir o valor da cota-capital e do fundo de construção, ambos devidamente corrigidos. O Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) reformou a sentença, sob o fundamento, entre outros, de que seria justo e lícito o rateio entre os cooperados que faziam parte da entidade quando os débitos foram assumidos.
Assembleia tem de respeitar os limites legais e estatutários
No julgamento do recurso da médica, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva observou que a decisão sobre o rateio foi tomada pela assembleia geral dos associados e que esta é a instância máxima da cooperativa, “mas deve agir dentro dos limites legais e estatutários”. Ele destacou que o artigo 89 da Lei 5.764/1971 estabelece que “os prejuízos verificados no decorrer do exercício serão cobertos com recursos provenientes do fundo de reserva e, se insuficiente este, mediante rateio, entre os associados”.
Quanto ao estatuto, o ministro assinalou que é prevista a obrigação do cooperado pelo pagamento de sua parte nas perdas apuradas em balanço, “na proporção das operações que houver realizado com a cooperativa, se o fundo de reserva legal não for suficiente para cobri-las”. Cueva acrescentou que, no caso de cooperado que se demite, essa responsabilidade persiste até a data da aprovação, pela assembleia geral, do balanço e das contas do exercício em que ocorreu a demissão.
Para o relator, ainda que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e as normas de contabilidade exijam o registro de provisões no balanço patrimonial de cooperativas de serviços médicos, não é possível incluir tais valores no rateio entre os cooperados.
Cueva esclareceu que a assembleia geral poderia decidir pela formação de um fundo para saldar as obrigações que deram ensejo às provisões realizadas, mas só seria possível exigir a participação financeira dos cooperados que permanecessem vinculados à sociedade.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO SOCIETÁRIO. COOPERATIVA DE SERVIÇOS MÉDICOS. AÇÃO DE COBRANÇA CONJUGADA COM INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO. SÓCIO RETIRANTE. RATEIO DE PREJUÍZOS. ARTS. 80 E 89 DA LEI Nº 5.764/1971. POSSIBILIDADE. VALORES PROVISIONADOS. IMPOSSIBILIDADE.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. Cinge-se a controvérsia a saber se o provisionamento de dívidas, mesmo que legitimamente incluído no balanço patrimonial de determinado exercício, pode ser considerado no rateio proporcional de prejuízos e cobrado do cooperado que se demite da sociedade cooperativa.
3. A Lei nº 5.764/1971 admite o rateio, entre cooperados, apenas dos prejuízos verificados no decorrer do exercício, ou seja, das perdas apuradas em balanço relativo ao exercício findo, e somente na hipótese de insuficiência dos recursos provenientes do Fundo de Reserva.
4. Hipótese em que, por deliberação assemblear, pretendeu-se ratear entre os cooperados quantia provisionada para saldar obrigações que, embora derivadas de eventos passados, dependiam de uma condição ainda não implementada e que não correspondia aos prejuízos verificados no decorrer do exercício.
5. A Assembleia Geral dos associados, nos termos do art. 38 da Lei nº 5.764/1971, é o órgão supremo da sociedade, tendo poderes para decidir os negócios relativos ao objeto da sociedade e tomar as resoluções convenientes ao desenvolvimento e defesa desta, mas deve agir dentro dos limites legais e estatutários. Precedentes.
6. Ainda que seja obrigatório o registro de provisões no balanço patrimonial de sociedades cooperativas de serviços médicos, não apenas por determinação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), mas também para fins de adequação às normas de contabilidade, não é possível incluir no rateio entre cooperados, sobretudo daqueles que se demitiram da sociedade, valores que não digam respeito a prejuízos verificados no decorrer do exercício em que se dá a retirada.
7. Recurso especial provido.
Leia o acórdão no REsp 1.751.631.