Para a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), entidades fechadas de previdência privada não se equiparam a instituições financeiras; por isso, caso concedam empréstimos a seus beneficiários, não podem cobrar juros capitalizados – a não ser na periodicidade anual e desde que a capitalização tenha sido expressamente pactuada entre as partes após a entrada em vigor do Código Civil de 2002.
O colegiado, por maioria, firmou esse entendimento ao dar provimento ao recurso especial interposto por um beneficiário que, após tomar empréstimos com uma entidade de previdência complementar fechada, ajuizou ação para a revisão dos contratos, alegando que a entidade promoveu a capitalização de juros mensalmente, de maneira velada – o que não teria sido contratado.
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) considerou que as entidades fechadas de previdência privada seriam equiparadas às instituições financeiras para celebrar contratos de mútuo com seus participantes, e, assim, seria admitida a incidência da capitalização mensal de juros quando pactuada.
No recurso submetido ao STJ, o autor da ação alegou que a Lei Complementar 109/2001, que distinguiu as espécies de entidades de previdência complementar aberta e fechada, derrogou o artigo 29 da Lei 8.177/1991 na parte em que igualava as entidades fechadas a instituições financeiras, de modo que essa equiparação foi mantida apenas para as abertas.
Entidades fechadas de previdência não integram o Sistema Financeiro Nacional
O ministro Marco Buzzi, cujo voto prevaleceu no julgamento, lembrou que a Súmula 563 do STJ dispõe que o Código de Defesa do Consumidor não é aplicável à relação entre a entidade fechada de previdência e seus participantes, pois seu patrimônio e seus rendimentos revertem-se integralmente no pagamento de benefícios, caracterizando-se pelo associativismo e pelo mutualismo – o que afasta o intuito lucrativo e a natureza comercial.
Por isso, afirmou, é “inviável equiparar as entidades fechadas de previdência complementar a instituições financeiras, pois, em virtude de não integrarem o Sistema Financeiro Nacional, têm a destinação precípua de dar proteção previdenciária aos seus participantes”.
Na avaliação do magistrado, eventuais empréstimos de dinheiro concedidos pela instituição aos beneficiários não podem ser admitidos nos moldes daqueles realizados pelos bancos, já que os valores alocados ao fundo comum, na verdade, pertencem aos participantes do plano, existindo explícito mecanismo de solidariedade, de modo que todo excedente do fundo de pensão é aproveitado em favor de seus integrantes.
Se contratada, capitalização de juros deve ser anual
Marco Buzzi afirmou que, nesses empréstimos, é ilegítima a cobrança de juros remuneratórios acima do limite legal, e que as entidades fechadas apenas estão autorizadas a capitalizar os juros na periodicidade anual, desde que o encargo tenha sido pactuado na vigência do Código Civil de 2002, pois são legalmente proibidas de ter fins lucrativos (artigo 31, parágrafo 1º, da LC 109/2001).
O magistrado explicou que, segundo o Código Civil, os juros remuneratórios, quando não convencionados entre as partes, deverão ser fixados nos termos da taxa que estiver em vigor para o pagamento de impostos da Fazenda Nacional (artigo 406), permitindo-se, contudo, a capitalização anual (artigo 591). Nesse sentido, observou, o artigo 161, parágrafo 1º, da Lei 5.172/1966 estabeleceu a taxa de 1% ao mês.
O ministro também ressaltou que, em razão de não serem instituições financeiras, essas entidades se submetem à Lei de Usura (Decreto 22.626/1933), a qual veda a estipulação de taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal (artigo 1º), bem como a contagem de juros sobre juros (artigo 4º), salvo a anual, se expressamente pactuada.
No caso em julgamento, ele concluiu que, como as instâncias ordinárias não constataram a expressa contratação da capitalização de juros, é inviável a sua cobrança pela entidade de previdência fechada.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL – AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO FIRMADO COM ENTIDADE FECHADA DE PREVIDÊNCIA – INSTÂNCIA ORDINÁRIA QUE AFIRMOU SER A RÉ EQUIPARADA A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE MODO A VIABILIZAR A COBRANÇA DE CAPITALIZAÇÃO DE JUROS PELA TESE DO DUODÉCUPLO. IRRESIGNAÇÃO DO AUTOR.Hipótese: Controvérsia principal atinente à possibilidade ou não de entidade fechada de previdência privada atuar como instituição financeira e, consequentemente, cobrar juros capitalizados, em qualquer periodicidade, nas relações creditícias mantidas com seus beneficiários.1. Afasta-se a preliminar de violação aos artigos 489, § 1º, incs. IV e VI, 1.022 e 1.025 do Código de Processo Civil de 2015, pois se depreende do acórdão recorrido que a Corte local analisou detidamente todos os aspectos necessários ao deslinde da controvérsia, não podendo se admitir eventual negativa de prestação jurisdicional apenas em razão de não ter sido acolhida a pretensão veiculada pela parte recorrente.2. Nos termos do enunciado sumular nº 563⁄STJ, o Código de Defesa do Consumidor não é aplicável à relação jurídica mantida entre a entidade fechada de previdência privada e seus participantes porquanto o patrimônio da instituição e os respectivos rendimentos revertem-se integralmente na concessão e manutenção do pagamento de benefícios, prevalecendo o associativismo e o mutualismo, o que afasta o intuito lucrativo e a natureza comercial da atividade.2.1 Por isso, inviável equiparar as entidades fechadas de previdência complementar a instituições financeiras, pois em virtude de não integrarem o sistema financeiro nacional, têm a destinação precípua de conferir proteção previdenciária aos seus participantes.2.2 Tendo em vista que tais entidades não estão inseridas no sistema financeiro nacional, inviável a cobrança de capitalização de juros dos seus participantes nos contratos de crédito entabulados com base no artigo 5º da MP nº 1963-17⁄2000, posterior MP nº 2.170-36 de 2001, haja vista que, por expressa disposição legal, tais normativos somente se aplicam às operações realizadas pelas instituições integrantes do referido Sistema Financeiro Nacional.2.3 Assim, nos contratos de mútuo celebrados pelas entidades fechadas de previdência complementar com seus participantes⁄beneficiários, é ilegítima a cobrança de juros remuneratórios acima do limite legal e apenas estão autorizados a arrecadar capitalização de juros na periodicidade anual, desde que pactuado o encargo, após a entrada em vigor do Código Civil de 2002, ou seja, há expressa proibição legal à obtenção de lucro pelas entidades fechadas (art. 31, § 1º da LC 109⁄2001 e art. 9º, parágrafo único da LC 108⁄2001), e, também, evidente vedação para a cobrança de juros remuneratórios acima da taxa legal e capitalização em periodicidade diversa da anual (art. 1º do Decreto nº 22.626⁄33, arts. 406 e 591 do CC⁄2002 e art. 161, § 1º do CTN), já que as entidades fechadas de previdência complementar não são equiparadas ou equiparáveis a instituições financeiras.3. No caso concreto, tendo em vista que, pelo regramento legal, somente poderia a entidade de previdência fechada cobrar juros remuneratórios à taxa legal (12% ao ano) e capitalização anual sobre esse montante, não se pode admitir a incidência deste último encargo na modalidade contratada, pois a “tese do duodécuplo” diz respeito à formação da taxa de juros e não à existência de pactuação de capitalização, que pressupõe juros vencidos e não pagos, incorporados ao capital.3.1 A súmula nº 541⁄STJ, segundo a qual “a previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada” foi elaborada com base no entendimento sedimentado no recurso repetitivo nº 973.827⁄RS, rel. p⁄ acórdão a e. Ministra Maria Isabel Gallotti, julgado em 08⁄08⁄2012, DJe 24⁄09⁄2012, no qual expressamente delineado que a mera circunstância de estarem pactuadas taxas efetiva e nominal de juros não implica capitalização, mas apenas processo de formação da taxa de juros pelo método composto”.4. Recurso especial parcialmente provido para afastar eventual cobrança de capitalização.
Leia o acórdão no REsp 1.854.818.