É possível usar crédito de IPI resultante da entrada de insumo tributado na saída de produto não tributado

O saldo de crédito do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) decorrente das aquisições de insumos e matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem tributados pode ser aproveitado na saída de produtos industrializados não tributados no período posterior à vigência do artigo 11 da Lei 9.779/1999.

Com base nesse entendimento, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, negou provimento a embargos de divergência opostos pela Fazenda Nacional contra decisão da Primeira Turma. No recurso, a Fazenda pediu que prevalecesse o entendimento da Segunda Turma, que vedou o creditamento de IPI relativamente à aquisição de insumos tributados utilizados na industrialização de produto cuja saída é não tributada, admitindo-o apenas em relação aos produtos isentos ou com alíquota zero.

Desvinculação da regra da não cumulatividade

Para a ministra Regina Helena Costa, cujo voto prevaleceu no julgamento, a Constituição Federal contempla o creditamento de IPI em três hipóteses distintas: em decorrência da regra da não cumulatividade; como exceção constitucionalmente justificável à não cumulatividade, alcançada por meio de interpretação sistemática; e mediante outorga diretamente concedida por lei específica.

Em seu voto, a magistrada afirmou que a Lei 9.779/1999 instituiu o aproveitamento de créditos de IPI como benefício fiscal autônomo, uma vez que não traduz mera explicitação da regra da não cumulatividade.

Por se tratar de aproveitamento dos créditos de IPI como benefício autônomo, outorgado em lei para a saída desonerada, Regina Helena Costa observou que a discussão dos embargos da Fazenda Nacional “distancia-se do núcleo da polêmica envolvendo a não cumulatividade desse tributo – necessidade de distinguishing –, cuidando-se, inclusive, de matéria eminentemente infraconstitucional”.

Compensação na saída de outros produtos

De acordo com a ministra, o artigo 11 da Lei 9.779/1999 confere o crédito de IPI quando for inviável ao contribuinte a compensação desse montante com o tributo incidente na saída de outros produtos.

“A evolução jurisprudencial, no sentido da não vulneração ao princípio da não cumulatividade em relação aos créditos de IPI na entrada desonerada, mostra-se incapaz de afastar o creditamento conferido diretamente pela Lei 9.779/1999 para a hipótese de entrada onerada”, declarou.

Na impossibilidade de utilização da soma decorrente da entrada onerada, ressaltou a magistrada, a legislação oportuniza a via dos artigos 73 e 74 da Lei 9.430/1996, o que autoriza o emprego do valor lançado na escrita fiscal, justamente com a saída “de outros produtos”, que, nesse contexto, podem ser isentos, sujeitos à alíquota zero ou não tributados.

A ministra lembrou que, em duas oportunidades, o fisco, por ato infralegal, reduziu o alcance do benefício fiscal direcionado aos produtos assinalados como “não tributados” na tabela de incidência do IPI.

“É inaceitável restringir, por ato infralegal, o benefício fiscal conferido ao setor produtivo, mormente quando as três situações – isento, sujeito à alíquota zero e não tributado – são equivalentes quanto ao resultado prático delineado pela lei do benefício”, acrescentou.

Ao negar provimento aos embargos de divergência, Regina Helena Costa concluiu que a decisão representa a correta interpretação do aproveitamento do saldo de IPI à luz dos múltiplos níveis normativos do creditamento admitidos pela Constituição, além de uma prestação jurisdicional alinhada com os recentes pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal quanto ao tema.

O recurso ficou assim ementado:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS – IPI. OUTORGA DE CRÉDITO POR MEIO DO ART. 11 DA LEI N. 9.779⁄1999. CREDITAMENTO AUTÔNOMO. DESVINCULAÇÃO DA REGRA DA NÃO CUMULATIVIDADE – distinguishing. UTILIZAÇÃO DO SALDO CREDOR DE IPI NA INVIABILIDADE DA COMPENSAÇÃO COM O MENCIONADO TRIBUTO INCIDENTE NA SAÍDA. HIPÓTESE DE PRODUTO NÃO TRIBUTADO. POSSIBILIDADE.
I – Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte, na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Aplica-se, in casu, o Código de Processo Civil de 2015.
II – A Constituição da República contempla o creditamento de Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI em três hipóteses distintas: (i) em decorrência da regra da não cumulatividade (art. 153, § 3º, II); (ii) como exceção constitucionalmente justificável à não cumulatividade, alcançada por meio de interpretação sistemática (arts. 43, § 1º, II, e § 2º, III; 153, § 3º, II; e 40 do ADCT); e (iii) mediante outorga diretamente concedida por lei específica (art. 150, § 6º).
III – A Lei n. 9.779⁄1999 instituiu o aproveitamento de créditos de IPI como benefício fiscal autônomo, uma vez que não traduz mera explicitação da regra da não cumulatividade.
IV – Por tratar-se do aproveitamento de créditos de IPI como benefício autônomo, diretamente outorgado por lei para a saída desonerada, a discussão devolvida pelos Embargos de Divergência distancia-se do núcleo da polêmica envolvendo a não cumulatividade desse tributo – necessidade de distinguishing –, cuidando-se, inclusive, de matéria eminentemente infraconstitucional.
V – O art. 11 da Lei n. 9.779⁄1999 confere o crédito de IPI quando se revelar inviável ao contribuinte a compensação desse montante com o mencionado tributo incidente na saída de outros produtos. Na impossibilidade da utilização da soma decorrente da entrada onerada, o apontado artigo oportuniza a consolidada via dos arts. 73 e 74 da Lei n. 9.430⁄1996. Autorizado, portanto, o emprego do valor lançado na escrita fiscal, justamente com a saída “de outros produtos”. Reitere-se que os produtos outros, nesse contexto, podem ser isentos, sujeitos à alíquota zero ou não tributados.
VI – Inaceitável restringir, por ato infralegal, o benefício fiscal conferido ao setor produtivo, mormente quando as três situações – isento, sujeito à alíquota zero e não tributado –, são equivalentes quanto ao resultado prático delineado pela Lei do benefício.
VII – Encontra, portanto, abrigo legal o aproveitamento do saldo de IPI decorrente das aquisições de matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem tributados, nas saídas de produtos não tributados no período posterior à vigência do art. 11 da Lei n. 9.779⁄1999.
VIII – A manutenção do acórdão embargado representa: (i) a observância da disciplina legal específica; (ii) a escorreita interpretação sistemática do aproveitamento de saldo de IPI à luz dos múltiplos níveis normativos do creditamento admitidos pela Constituição da República; e (iii) uma prestação jurisdicional alinhada com os recentes pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal quanto à temática (e.g. PLENO, RE n. 596.614⁄SP, Rel. p⁄ o acórdão Ministro EDSON FACHIN, julgado em 25.04.2019; PLENO, Projeto de Súmula Vinculante n. 26⁄DF, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, DJe 07.05.2020 – Ata n. 340⁄2020; e 2ª TURMA, AgR no AgR no RE n. 379.843⁄PR, Rel. Ministro EDSON FACHIN, julgado em 07.03.2017).
IX – Embargos de Divergência improvidos.

Leia o acórdão no EREsp 1.213.143.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): EREsp 1213143

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