A Bancorbrás tem legitimidade para figurar no polo passivo de ação de indenização por danos morais movida por cliente insatisfeita com serviço prestado em hotel da rede conveniada. O entendimento é da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que determinou o retorno dos autos ao juízo de primeiro grau para o prosseguimento da ação.
Narram os autos que a cliente, por meio do clube de turismo da Bancorbrás, reservou hospedagem em um hotel no Ceará. A cliente viajava com o marido e a filha de quatro meses de idade. Ao chegarem ao hotel, diz ela, a reserva não havia sido feita, e o quarto que conseguiram tinha forte cheiro de veneno utilizado na dedetização da véspera.
Ela alegou que o ambiente era insalubre, tinha insetos, e as piscinas estavam sujas. Além disso, relatou que o local era isolado, parecia abandonado, e que não havia nenhum tipo de segurança. Afirmou que a Bancorbrás havia sido negligente em não efetuar as reservas, além de ter faltado com o dever de vigilância sobre a qualidade do hotel.
Responsabilidade objetiva
O juiz de primeiro grau julgou extinta a ação sem resolução de mérito, pois entendeu que não havia relação jurídica de prestação de serviços da cliente com a Bancorbrás, já que a reserva contratada teria sido concretizada. “Não sendo, portanto, a operadora responsável pelos serviços prestados pelo resort, não se configura a legitimidade passiva para fins de ser responsabilizada”, concluiu, em decisão mantida pelo Tribunal de Justiça da Paraíba.
No STJ, contudo, o ministro Luis Felipe Salomão explicou que o Código de Defesa do Consumidor (CDC), em seu artigo 14, estabelece que o fornecedor de serviços responde, “independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços”, sendo esta uma hipótese de responsabilidade civil objetiva.
Expectativa do consumidor
De acordo com o ministro, a própria campanha publicitária da Bancorbrás gera uma expectativa da segurança e conforto para aqueles que se hospedarem em sua rede conveniada.
Salomão afirmou que a Bancorbrás não funciona como mera intermediadora entre aqueles que adquirem seus títulos e os hotéis. “Isso porque a escolha do adquirente do título fica limitada aos estabelecimentos previamente credenciados e contratados pela Bancorbrás, que, em seu próprio regimento interno, prevê a necessidade de um padrão de atendimento e de qualidade dos serviços prestados”, disse.
Segundo o ministro, “evidencia-se que os prestadores de serviço de hospedagem credenciados funcionam como verdadeiros prepostos ou representantes autônomos da Bancorbrás, o que atrai a incidência do artigo 34 do CDC”.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS AJUIZADA EM FACE DA BANCORBRÁS. DEFEITO DE SERVIÇO PRESTADO POR HOTEL CONVENIADO. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM.
1. O “Clube de Turismo Bancorbrás” funciona mediante a oferta de títulos aos consumidores, que, após o pagamento de taxas de adesão e de manutenção mensal, bem como a observância de prazo de carência, adquirem o direito não cumulativo de utilizar 7 (sete) diárias, no período de um ano, em qualquer um dos hotéis pré-selecionados pela Bancorbrás no Brasil e no exterior (“rede conveniada”).
2. Em se tratando de relações consumeristas, o fato do produto ou do serviço (ou acidente de consumo) configura-se quando o defeito ultrapassar a esfera meramente econômica do consumidor, atingindo-lhe a incolumidade física ou moral, como é o caso dos autos, em que a autora, no período de lazer programado, fora – juntamente com seus familiares (marido e filha de quatro meses) – submetida a desconforto e aborrecimentos desarrazoados, em virtude de alojamento em quarto insalubre em resort integrante da rede conveniada da Bancorbrás.
3. Nos termos do caput do artigo 14 do CDC, o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços. Cuida-se, portanto, de hipótese de responsabilidade civil objetiva, baseada na teoria do risco da atividade, que alcança todos os agentes econômicos que participaram do colocação do serviço no mercado de consumo, ressalvados os profissionais liberais, dos quais se exige a verificação da culpa.
4. Sob essa ótica e tendo em vista o disposto no parágrafo único do artigo 7º e no § 1º do artigo 25 do CDC, sobressai a solidariedade entre todos os integrantes da cadeia de fornecimento de serviços, cabendo direito de regresso (na medida da participação na causação do evento lesivo) àquele que reparar os danos suportados pelo consumidor.
5. Nada obstante, é consabido que a responsabilidade civil objetiva do fornecedor de serviços pode ser elidida se demonstrada: (i) a ocorrência de força maior ou caso fortuito externo (artigo 393 do Código Civil); (ii) que, uma vez prestado o serviço, o defeito inexiste (inciso I do § 3º do artigo 14 do CDC); e (iii) a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro (inciso II do § 3º do retrocitado dispositivo consumerista).
6. Extrai-se do contexto fático delineado pelas instâncias ordinárias que a Bancorbrás não funciona como mera intermediadora entre os hotéis e os adquirentes do título do clube de turismo. Isso porque a escolha do adquirente do título fica limitada aos estabelecimentos previamente credenciados e contratados pela Bancorbrás, que, em seu próprio regimento interno, prevê a necessidade de um padrão de atendimento e de qualidade dos serviços prestados. Ademais, na campanha publicitária da demandada, consta a promessa da segurança e conforto daqueles que se hospedarem em sua rede conveniada.
7. Desse modo, evidencia-se que os prestadores de serviço de hospedagem credenciados funcionam como verdadeiros prepostos ou representantes autônomos da Bancorbrás, o que atrai a incidência do artigo 34 do CDC. Mutatis mutandis: REsp 1.209.633⁄RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 14.04.2015, DJe 04.05.2015.
8. O caso, portanto, não pode ser tratado como culpa exclusiva de terceiro, pois o hotel conveniado integra a cadeia de consumo referente ao serviço introduzido no mercado pela Bancorbrás. Em verdade, sobressai a indissociabilidade entre as obrigações de fazer assumidas pela Bancorbrás e o hotel credenciado. A oferta do titulo de clube de turismo com direito à diárias de hospedagem com padrão de qualidade vincula-se à atuação do estabelecimento previamente admitido como parceiro pela Bancorbrás. Assim, a responsabilidade objetiva e solidária não pode ser afastada.
9. De outra parte, a hipótese em exame não se identifica com a tese esposada em precedentes desta Corte que afastam a responsabilidade solidária das agências de turismo pela má prestação dos serviços na hipótese de simples intermediação. Ao contrário, o presente caso assemelha-se aos julgados que reconhecem a solidariedade das agências que comercializam pacotes turísticos, respondendo, em tese, pelos defeitos ocorridos por atos dos parceiros contratados.
10. Recurso especial provido.