A demissão do empregado com deficiência física foi efetuada sem a devida contratação de outro na mesma condição.
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou à Suzano Papel e Celulose S.A. reintegrar ao emprego um operador de rádio com deficiência física que foi dispensando sem a contratação de substituto em condição semelhante, conforme estabelece o sistema de cotas e condicionamento à dispensa (art. 93 da Lei 8.213/91). No processo, a empresa ainda foi condenada a pagar R$ 5 mil como indenização por danos morais ao trabalhador.
Discriminação
Na inicial, o operador relatou que foi contratado em 2010 na condição de pessoa com deficiência física conforme avaliação médica e que foi dispensado sem justa causa em 2014. À Justiça pediu a nulidade da dispensa, sob o argumento de que a empresa não providenciou a contratação imediata de outro trabalhador reabilitado ou com deficiência física de forma que sua demissão teria sido efetuada de forma discriminatória.
Garantia
A sentença de primeiro grau lhe foi favorável. O juízo anulou a dispensa, considerando que a empresa não cumpriu a exigência legal prevista no artigo 93 da Lei 8.213/1991. Porém, o Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (BA), ao julgar recurso, decidiu pela regularidade da dispensa e reformou a decisão, por entender que a previsão legal não confere garantia individual de emprego ao empregado reabilitado ou deficiente. O trabalhador recorreu ao TST.
Reintegração
Ao examinar o recurso, o ministro Mauricio Godinho Delgado, relator, afirmou, entre outros fundamentos, que a legislação previdenciária, visando garantir a máxima efetividade à cota de inclusão social, determinou que o empregado na condição de deficiente ou beneficiário reabilitado somente poderia ser dispensado mediante a correlata contratação de outro trabalhador em situação semelhante.
Segundo o ministro, trata-se de norma auto aplicável, que limita o poder potestativo do empregador, de modo que, se a exigência legal não for cumprida, é devida a reintegração no emprego, “sob pena de se esvaziar o conteúdo constitucional a que visa dar efetividade”.
Dignidade
Ele ressaltou que a “conquista e a afirmação da dignidade da pessoa humana não mais podem se restringir à liberdade e à intangibilidade física e psíquica, envolvendo, naturalmente, também a conquista e a afirmação de sua individualidade no meio econômico e social, com repercussões positivas conexas no plano cultural – o que se faz, de maneira geral, considerado o conjunto mais amplo e diversificado das pessoas, mediante o trabalho e, particularmente, o emprego”.
Indenização
Assim, levando-se em consideração a gravidade do dano, o caráter pedagógico da medida, o grau de culpa do ofensor e a sua condição econômica, o ministro manteve a sentença que condenou a empresa ao pagamento de R$ 5 mil a título de indenização por danos morais. O relator observou que o empregado não questionou o valor indenizatório fixado no primeiro grau, no momento oportuno, motivo por que não comporta adequações.
O recurso ficou assim ementado:
A) AGRAVO DE INSTRUMENTO . RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017 . PESSOA COM DEFICIÊNCIA. PROTEÇÃO LEGAL AO EMPREGADO. LIMITAÇÃO AO DIREITO POTESTATIVO DO EMPREGADOR DE RESILIR UNILATERALMENTE O CONTRATO DE TRABALHO. ART. 93 DA LEI 8.213/91. SISTEMA DECOTASE CONDICIONAMENTO DA DISPENSA À CONTRATAÇÃO DE SUBSTITUTO EM CONDIÇÃO SEMELHANTE. REINTEGRAÇÃO DEVIDA. Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do art. 896 da CLT, dá-se provimento ao agravo de instrumento, para melhor análise da arguição de violação do art. 93, § 1º da Lei 8.213/1991, suscitada no recurso de revista. Agravo de instrumento provido.
B) RECURSO DE REVISTA . PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017 . 1. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. PROTEÇÃO LEGAL AO EMPREGADO. LIMITAÇÃO AO DIREITO POTESTATIVO DO EMPREGADOR DE RESILIR UNILATERALMENTE O CONTRATO DE TRABALHO. ART. 93 DA LEI 8.213/91. SISTEMA DECOTASE CONDICIONAMENTO DA DISPENSA À CONTRATAÇÃO DE SUBSTITUTO EM CONDIÇÃO SEMELHANTE. REINTEGRAÇÃO DEVIDA. A Constituição Federal de 1988, em seus princípios e regras essenciais, estabelece enfática direção normativa antidiscriminatória. Ao fixar como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), o Texto Máximo destaca, entre os objetivos da República, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV). A situação jurídica do obreiro com deficiência encontrou, também, expressa e significativa matiz constitucional no artigo 7º, XXXI, da CF, que estabelece a ” proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência “. Logo a seguir ao advento da então nova Constituição Federal, o Brasil ratificou a Convenção n. 159 da OIT (Decreto Legislativo n. 129/91), que estipulou, em seu art. 1º, item 2, que ” todo país membro deverá considerar que a finalidade da reabilitação profissional é a de permitir que a pessoa deficienteo btenha e conserve um emprego e progrida no mesmo, e que se promova, assim, a integração ou a reintegração dessa pessoa na sociedade “. A legislação previdenciária (Lei nº 8.213/91), no intuito de dar efetividade a tais preceitos, agregou restrição indireta à dispensa de empregados com necessidades especiais ou que estejam em reabilitação funcional: estipulou um sistema imperativo de cotas, entre 2% e 5%, no caput do art. 93, e, visando a garantir a máxima efetividade à cota de inclusão social, determinou que o obreiro portador de deficiência ou beneficiário reabilitado somente poderia ser dispensado mediante a correlata contratação de outro trabalhador em situação semelhante (art. 93, § 1º, da Lei 8.213/91). Trata-se, portanto, de norma autoaplicável, que traz uma limitação ao poder potestativo do empregador, de modo que, uma vez não cumprida a exigência legal, devida é a reintegração no emprego, sob pena de se esvaziar o conteúdo constitucional a que visa dar efetividade. Com efeito, o caput do art. 93 da Lei n.º 8.213/91 tem por finalidade promover a inclusão da pessoa humana com deficiência e/ou reabilitada. Esta é a norma geral, que realiza a teleologia da Constituição e dos diplomas internacionais ratificados. Já o disposto no § 1º do mesmo artigo estabelece, sim, uma forma indireta de se criar uma garantia provisória de emprego aos trabalhadores com necessidades especiais já contratados , ao impor ao empregador a contratação de empregado substituto em condição semelhante, na hipótese de dispensa de trabalhador reabilitado ou deficiente, sempre objetivando ser mantido o percentual estabelecido no caput do artigo . Nessa lógica, conclui-se que o cumprimento da exigência estabelecida no § 1º do art. 93 da Lei 8.213/1991 não afasta a obrigação de observância da regra geral disposta no caput do referido artigo. Aliás, a implementação da contratação substitutiva tem como objetivo justamente a manutenção permanente da reserva de vagas para os trabalhadores com deficiência, conteúdo substancial da norma em comento . A propósito, a jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a dispensa de trabalhador portador de deficiência e/ou reabilitado está condicionada ao preenchimento dos requisitos dispostos no caput e § 1º do art. 93 da Lei 8.213/1991. No caso dos autos , o Tribunal Regional reformou a sentença por entender que a previsão legal contida no art. 93, § 1º, da Lei 8.213/1991, não confere garantia individual ao trabalhador reabilitado ou com deficiência, concluindo que, ” ocorrendo a despedida imotivada sem que providencie a empresa o preenchimento da cota de deficiente nos termos fixados por lei, não tem o empregado direito a ser reintegrado no emprego, justamente pela total ausência de suporte no ordenamento jurídico vigente”. Todavia, extrai-se da decisão recorrida que a Reclamada não comprovou que, com a dispensa do Reclamante, houve a contratação de outro empregado em condição semelhante, tampouco que a cota imposta pelo art. 93, § 1º da Lei 8.212/1991 estava preenchida. Portanto não pode prevalecer a interpretação da Corte de origem atribuída ao caso, de modo que a nulidade da dispensa sem juta causa do Reclamante, pessoa com deficiência, consoante fundamentação supra, é medida que se impõe. Recurso de revista conhecido e provido quanto ao tema. 2.DISPENSA INDEVIDA DO EMPREGADO REABILITADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. A conquista e afirmação da dignidade da pessoa humana não mais podem se restringir à sua liberdade e intangibilidade física e psíquica, envolvendo, naturalmente, também a conquista e afirmação de sua individualidade no meio econômico e social, com repercussões positivas conexas no plano cultural – o que se faz, de maneira geral, considerado o conjunto mais amplo e diversificado das pessoas, mediante o trabalho e, particularmente, o emprego. O direito à indenização por dano moral encontra amparo no art. 5º, V e X, da Constituição da República, e no art. 186 do CCB/2002, bem como nos princípios basilares da nova ordem constitucional, mormente naqueles que dizem respeito à proteção da dignidade humana, da inviolabilidade (física e psíquica) do direito à vida, do bem-estar individual (e social), da segurança física e psíquica do indivíduo, além da valorização do trabalho humano. O patrimônio moral da pessoa humana envolve todos esses bens imateriais, consubstanciados, pela Constituição, em princípios fundamentais. Afrontado esse patrimônio moral, em seu conjunto ou em parte relevante, cabe a indenização por dano moral, deflagrada pela Constituição de 1988. Na hipótese , depreende-se, do acórdão regional, o descumprimento pela Requerida do percentual mínimo previsto no caput do artigo 93 da Lei 8.213/1991, bem como a dispensa de empregado portador de deficiência sem a contratação de outro na mesma condição. Verifica-se, portanto, que a conduta da Reclamada é considerada ilícita (art. 186 do CCB), pois contraria a ordem jurídica nacional, consubstanciada nos fundamentos (art. 1º, caput , III) e também objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 3º, caput , IV), consoante decisões desta Corte Superior que perfilham da mesma diretriz. Recurso de revista conhecido e provido quanto ao tema .
Contra a decisão, a Suzano apresentou embargos de declaração, aos quais a Terceira Turma negou provimento.
Processo: RR-221-20.2016.5.05.0531