Direito ao silêncio não se aplica a depoente na qualidade de testemunha contra quem não há investigação

Não pode a testemunha se calar perante a autoridade policial, sem justificativa cabível, sob pena de incidir no crime de falso testemunho descrito no art. 342 do Código Penal (CP).

Com esse entendimento, a Quarta Turma de Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), denegou a ordem de habeas corpus (HC) a dois impetrantes, também pacientes, que objetivavam o trancamento da ação penal.

O primeiro paciente alegou que se recusou a responder as perguntas da autoridade policial, em inquérito policial, por ter sido orientado pelo advogado no sentido de que a testemunha teria o direito de ficar em silêncio para não se autoincriminar. O segundo paciente é o advogado, que alegou que teria o direito de orientar seu cliente para essa finalidade. Ambos alegaram desconhecer o processo para o qual o depoimento seria colhido.

O relator, desembargador federal Cândido Ribeiro, assinalou que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconhece como excepcional o trancamento da ação penal pela via do habeas corpus, não sendo este o caso, porque as informações prestadas pela autoridade coatora contêm “a exposição do fato criminoso e suas circunstâncias, bem como a qualificação do acusado e a classificação do crime de falso testemunho (art. 342, CP)”.

Destacou ainda que há prova documental em que o réu calou-se ao ser inquirido como testemunha no âmbito de investigação criminal por orientação do advogado, também paciente nesse HC.

Concluindo, o magistrado constatou que somente na hipótese em que estivessem sendo investigados os impetrantes poderiam valer-se do direito ao silêncio assegurado no art. 5º, LXIII, da Constituição Federal, e art. 186 do Código de Processo Penal (CPP).

O recurso ficou assim ementado:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. ATIPICIDADE DA CONDUTA. INOCORRÊNCIA. DIREITO AO SILÊNCIO. TESTEMUNHA CONTRA QUEM NÃO HÁ INVESTIGAÇÃO. INAPLICABILIDADE.

I – Não há de se falar em trancamento da ação penal instaurada a partir de denúncia que preencheu os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, na medida em que contém a exposição do fato criminoso e suas circunstâncias, bem como a qualificação do acusado e a classificação do crime de falso testemunho (art. 342, CP), amparada em prova documental demonstrativa de que o paciente, orientado pelo seu advogado, também paciente e suposto coautor (art. 29, CP), calou-se ao ser inquirido como testemunha no âmbito de investigação criminal.

II – O direito ao silêncio é garantido ao preso ou acusado pelos arts. 8º, 2, “g”, do Pacto de São José da Costa Rica, 5º, LXIII, da Constituição Federal, e 186 do Código de Processo Penal. Além disso, é estendido aos demais agentes pela doutrina e pela jurisprudência, devendo ser franqueado a testemunha em relação a questões com as quais possa se autoincriminar. Noutras palavras, “O direito ao silêncio – enquanto poder jurídico reconhecido a qualquer pessoa relativamente a perguntas cujas respostas possam incriminá-la (nemo tenetur se detegere) – impede, quando concretamente exercido, que aquele que o invocou venha, por tal específica razão, a ser preso, ou ameaçado de prisão, pelos agentes ou pelas autoridades do Estado” (STF: HC 79.812/SP).

III – O direito ao silêncio não socorre a hipótese na qual o depoente é informado de que não é alvo de investigação e de que seu depoimento será tomado na qualidade de testemunha em procedimento de investigação sigilosa. Assim, não poderia calar-se ante a ausência de fato incriminador contra sua pessoa. Se eventual questionamento pudesse conduzir à hipótese de autoincriminação, ainda que em face de desdobramento dos fatos, caberia invocar o direito ao silêncio. Todavia, não pode a testemunha simplesmente calar-se perante a autoridade policial, sem justificativa cabível, sob pena de incidir no suposto crime descrito no art. 342 do Código Penal.

IV – A irresignação acerca do indeferimento do pedido de acesso aos autos da investigação presidido pelo Delegado de Polícia, invocado com esteio no art. 7º, XIV, da Lei nº 8.906/94 e na Súmula Vinculante nº 14 do Supremo Tribunal Federal, deve ser arguida à autoridade competente, e não diretamente ao Tribunal, sob pena de indevida supressão de instância.

V – Denegada a ordem de habeas corpus.

A decisão do Colegiado foi unânime, nos termos do voto do relator.

Processo 1011042-29.2021.4.01.0000

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