Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o direito ao esquecimento –incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro – não pode servir de justificativa para impor exclusão de matéria de site jornalístico.
Com base nesse entendimento, por unanimidade, o colegiado deu provimento a recurso especial da Editora Globo para negar o pedido de exclusão de notícia sobre um homem que foi acusado de se passar por policial para entrar em festa particular.
Segundo os autos, ele foi preso por dirigir embriagado e apresentar documento falso. Condenado em primeiro grau, o réu foi absolvido pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT).
Para pedir a exclusão das notícias sobre os supostos crimes na internet, ele entrou com ação de obrigação de fazer contra três empresas de comunicação.
A sentença julgou o pedido procedente. O TJMT confirmou a decisão, ao argumento de que o tempo transcorrido – as notícias foram publicadas em 2009 – não justifica a manutenção da informação ao alcance do público.
No recurso especial, a Editora Globo alegou que o direito ao esquecimento não está alinhado à legislação brasileira e representa um retrocesso. Defendeu não haver irregularidade na matéria, já que apenas informou a prisão do envolvido, e não a existência de condenação, não sendo cabível a sua exclusão.
Conteúdo de interesse público
Para a relatora, ministra Nancy Andrighi, o direito à liberdade de imprensa não é absoluto, devendo sempre ser alicerçado na ética e na boa-fé, sob pena de ser caracterizado como abusivo.
“O exercício do direito à liberdade de imprensa será considerado legítimo se o conteúdo transmitido for verdadeiro, de interesse público e não violar os direitos da personalidade do indivíduo noticiado”, afirmou a magistrada, com base na jurisprudência da corte.
A ministra acrescentou que não há necessidade de que os fatos divulgados sejam absolutamente incontroversos, mas a liberdade de informação não pode ser exercida com o intuito de difamar, injuriar ou caluniar.
Direito ao esquecimento incompatível com a Constituição
Nancy Andrighi lembrou que, em algumas oportunidades, a Quarta e a Sexta Turmas do STJ se pronunciaram favoravelmente acerca da existência do direito ao esquecimento (HC 256.210, REsp 1.335.153 e REsp 1.334.097).
Nesses julgamentos, explicou a relatora, o direito ao esquecimento foi definido como o direito de não ser lembrado contra a própria vontade, especificamente em fatos de natureza criminal. “Considerando os efeitos jurídicos da passagem do tempo, ponderou-se que o direito estabiliza o passado e confere previsibilidade ao futuro por meio de diversos institutos”, disse ela.
Todavia, a ministra observou que, em fevereiro de 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu que o direito ao esquecimento é incompatível com a Constituição Federal (Tema 786), o que modificou o entendimento firmado pelo STJ.
Ao analisar o caso em julgamento, a magistrada destacou que, mesmo tendo o acórdão do TJMT reconhecido o direito do apelado ao esquecimento, por causa da absolvição e do tempo transcorrido desde a publicação da notícia, a nova orientação do STF deve prevalecer.
Dessa forma, Nancy Andrighi concluiu que o direito ao esquecimento, “porque incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro”, não é capaz de justificar a atribuição da obrigação de excluir a publicação jornalística relativa a fatos verídicos, devendo ser afastada a exigência de exclusão da notícia imposta à Editora Globo.
O recurso ficou assim ementado:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. MATÉRIA JORNALÍSTICA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. EXCLUSÃO DA NOTÍCIA. DIREITO AO ESQUECIMENTO. NÃO CABIMENTO.1. Ação de obrigação de fazer ajuizada em 29⁄06⁄2015, da qual foi extraído o presente recurso especial interposto em 13⁄10⁄2020 e concluso ao gabinete em 19⁄08⁄2021.2. O propósito recursal é definir se a) houve negativa de prestação jurisdicional e b) o direito ao esquecimento é capaz de justificar a imposição da obrigação de excluir matéria jornalística.3. Não há ofensa ao art. 1.022 do CPC⁄2015 quando o Tribunal de origem, aplicando o direito que entende cabível à hipótese, soluciona integralmente a controvérsia submetida à sua apreciação, ainda que de forma diversa daquela pretendida pela parte.4. O direito à liberdade de imprensa não é absoluto, devendo sempre ser alicerçado na ética e na boa-fé, sob pena de caracterizar-se abusivo. A esse respeito, a jurisprudência desta Corte Superior é consolidada no sentido de que a atividade da imprensa deve pautar-se em três pilares, a saber: (i) dever de veracidade, (ii) dever de pertinência e (iii) dever geral de cuidado. Ou seja, o exercício do direito à liberdade de imprensa será considerado legítimo se o conteúdo transmitido for verdadeiro, de interesse público e não violar os direitos da personalidade do indivíduo noticiado.5. Em algumas oportunidades, a Quarta e a Sexta Turmas desta Corte Superior se pronunciaram favoravelmente acerca da existência do direito ao esquecimento. Considerando os efeitos jurídicos da passagem do tempo, ponderou-se que o Direito estabiliza o passado e confere previsibilidade ao futuro por meio de diversos institutos (prescrição, decadência, perdão, anistia, irretroatividade da lei, respeito ao direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada). Ocorre que, em fevereiro deste ano, o Supremo Tribunal Federal definiu que o direito ao esquecimento é incompatível com a Constituição Federal (Tema 786). Assim, o direito ao esquecimento, porque incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro, não é capaz de justificar a atribuição da obrigação de excluir a publicação relativa a fatos verídicos.6. Recurso especial conhecido e provido.
Leia o acórdão do REsp 1.961.581.