A 3a Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal manteve a sentença proferida pela juíza titular do Juizado Especial Cível do Guará, que negou os pedidos de retirada de publicação e indenização por danos morais movidos por delegado federal contra a empresa Folha da Manhã.
O autor conta que a ré divulgou matéria jornalística atribuindo a ele e outros delegados federais a prática criminosa de manipular escutas telefônicas. Sustenta que matéria foi abusiva e tendenciosa, pois à época da publicação os fatos já haviam sido apreciados pelo Poder Judiciário, bem como na esfera administrativa pela Polícia Federal e Ministério Público Federal, que não identificaram nenhuma ilegalidade cometida pelo autor. Diante do abuso, requereu que a publicação fosse removida do site, que a ré fosse condenada a lhe indenizar pelos danos morais causados, e que a matéria fosse complementada com o esclarecimento de que o autor não cometeu nenhum tipo de crime.
Por sua vez, a ré defende que não cometeu nenhum tipo de abuso, pois a matéria apenas reproduziu informações públicas decorrentes de investigações e processos judiciais. Alega que na data da publicação ainda não havia o trânsito em julgado da sentença que rejeitou a denúncia e concordou com o pedido do autor para complementar o conteúdo da matéria, conforme os andamentos mais recentes do processo criminal.
Na sentença de 1a instãncia a juíza explicou que “a reportagem mencionada na inicial foi lastreada na liberdade de informação e de expressão, e sua manutenção em seu arquivo eletrônico consubstancia-se na garantia ao direito à memória de toda a sociedade em relação à conduta de agente público ocupante de cargo federal da carreira policial”. Assim, negou os pedidos de retirara e condenação em dano moral, contudo, verificando que houve concordância da ré, condenou-a “à obrigação de atualizar o conteúdo da matéria jornalística, acrescentando o trânsito em julgado da sentença de rejeição da denúncia proposta em face do autor, nos autos nº 0002539-57.2017.4.03.6002, que tramitou perante a 1ª Vara da Justiça Federal de Dourados/MS, no prazo de 10 dias a contar de sua intimação desta sentença, sob pena de pagamento de multa a ser oportunamente quantificada”.
O autor recorreu argumentando pela procedência de seus pedidos (retirada da publicação e danos morais), mas não obteve êxito. Os magistrados esclareceram que não restou demonstrado nenhum tipo de ilegalidade ou abuso na publicação e concluíram: “A matéria jornalística se limitou a noticiar o que de fato ocorreu no caso então examinado, transcrevendo parte da escuta judicialmente autorizada, cuja supressão ensejou a apuração administrativa e denúncia criminal, com a informação de que, ‘após perder em primeira instância, MPF recorre ao TRF-3 contra a extinção do processo em que acusa três delegados e um agente da PF supostamente envolvidos na manipulação. Investigação interna da PF, contudo, não aponta irregularidades de conduta’. É de se concluir, portanto, que a matéria jornalística consignou que aquela época a denúncia já tinha sido rejeitada em primeira instância, assim como o resultado da investigação interna da Polícia Federal, o que de fato se dera”.
O recurso ficou assim ementado:
CONSTITUCIONAL E CIVIL. IMPRENSA – PRETENSÃO À EXCLUSÃO DE MATÉRIA JORNALÍSTICA DE SÍTIO ELETRÔNICO E DANOS MORAIS – DIREITO AO ESQUECIMENTO. NOTÍCIA DE FATO VERDADEIRO – AUSENTE ABUSO DO DIREITO DE INFORMAR. PRETENSÃO À EXCLUSÃO IMPROCEDENTE – DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.
1. Recurso do autor em que pretende a reforma da sentença com a procedência dos pedidos e condenação da ré em indenização por danos morais e exclusão da matéria do site eletrônico, tudo em razão da veiculação de matéria jornalística em sítio eletrônico em que, supostamente, constariam informações inverídicas e desvirtuadas a seu respeito, cuja divulgação lhe teria abalado a reputação. Fundamentem as pretensões inicial e recursal o direito à honra, à imagem e ao esquecimento.
2. A análise cuidadosa dos autos leva à conclusão de que a sentença, que examinou com esmero o conjunto probatório e julgou parcialmente procedente o pedido inicial, deve ser mantida na íntegra.
3. Afirma o autor que a matéria jornalística intitulada “Delegados da PF são acusados de manipular escuta telefônica em MS”, veiculada em 03/04/2019 (https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/04/delegados-da-pf-sao-acusados-de-manipular-escuta-telefonica-em-ms.shtml), induz a compreensão sobre supostas condutas criminosas praticadas pelo autor, as quais já teriam sido objeto de apreciação pelo Judiciário, assim como pela Polícia Federal no âmbito administrativo, e pelo Ministério Público Federal, não se tendo identificada qualquer ilegalidade.
4. Acresce que a matéria extrapolou o direito de informar, com violação do art. 12 do Código de Ética dos Jornalistas quanto à necessidade de prévia oitiva do autor sobre os fatos, tendo sido incluída sua versão sobre o caso tão somente às 17h11 do dia da publicação, que teria se dado às 7h57 do mesmo dia.
5. Da leitura das provas juntadas pelo próprio autor sobressai a convicção de que não lhe assiste razão. A matéria jornalística se limitou a noticiar o que de fato ocorreu no caso então examinado, transcrevendo parte da escuta judicialmente autorizada, cuja supressão ensejou a apuração administrativa e denúncia criminal, com a informação de que, “após perder em primeira instância, MPF recorre ao TRF-3 contra a extinção do processo em que acusa três delegados e um agente da PF supostamente envolvidos na manipulação. Investigação interna da PF, contudo, não aponta irregularidades de conduta”. É de se concluir, portanto, que a matéria jornalística consignou que aquela época a denúncia já tinha sido rejeitada em primeira instância, assim como o resultado da investigação interna da Polícia Federal, o que de fato se dera.
6. Pelo que dos autos consta, a atualização realizada na matéria jornalística às 17h11 (ID Num. 26114014) do mesmo dia da publicação teria incluído o posicionamento instituição policial a que pertence o autor (Polícia Federal) sobre o caso (ID Num. 26114042 – Pág. 6/8), além da versão do próprio autor que também foi incluída sob o título “outro lado” (ID Num. 26114014 – Pág. 8). Traz ainda registro de que o jornalista tentou entrevistar o autor antes da publicação da notícia, consoante mensagem via WhatsApp no ID Num. 26114042 – Pág. 2, preferindo a Polícia Federal enviar “nota à imprensa” que foi incluída, como já relatado, o que demonstra alinhamento aos preceitos do art. 12, do Código de Ética Jornalística.
7. À vista disso, a notícia jornalística veiculada se limitou a trazer a público os fatos, tais como ocorreram. O jornalista, à evidência, não extrapolou os limites do dever de informar, pois há simples exposição do fato da investigação que estava em curso, sendo, ao final, explicitado que estava pendente de julgamento pelo TRF-3. Não se identifica parcialidade ou mesmo omissão deliberada de informações por parte do jornalista, pois inclusive há trecho destinado a trazer a público, também, a versão do autor sobre os fatos.
8. Como bem salientado pela juíza de origem: “quando da publicação da matéria, os fatos narrados na reportagem eram de interesse público e ainda o são, uma vez que se trata de investigação criminal na qual se apurou conduta de Delegado Federal, o qual ainda exerce esse cargo público. […] Cabe esclarecer que não restou demonstrado nos autos que as informações veiculadas pela requerida foram obtidas de forma ilícita ou que houve abuso no exercício do direito de informar. Pela simples leitura da reportagem […], verifica-se que houve a informação dos fatos de que se tinham notícia ao tempo da publicação, incluindo resposta do Superintendente de que não foram encontrados indícios de crime ou prática de ato de transgressão disciplinar, o que foi corroborado pela decisão de primeira instância da Justiça Federal”.
9. Com este enquadramento, não há espaço para a acolhida do pretendido direito ao esquecimento, como formulado pelo autor. Com respeito a este tema, o Egrégio Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do RE 1.010.606/RJ, Tema 786, Relator o Ministro Dias Toffoli, fixou a seguinte tese jurídica: “É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais – especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral – e das expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível”.
10. E, não verificado excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e informação, também não há espaço para a condenação da requerida e recorrida em danos morais, como pretendido pelo autor e recorrente.
11. Portanto, a confirmação da sentença é medida que se impõe.
12. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.
13. Sentença mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos, com súmula de julgamento servindo de acórdão, na forma do art. 46 da Lei n° 9.099/95.
14. Diante da sucumbência, nos termos do art. 55 da Lei dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099/95), condeno o recorrente ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios que fixo em R$ 10% (dez por cento) do valor corrigido da causa.
A decisão foi unânime.
Pje2: 0707547-41.2020.8.07.0014