O contrato de trabalho teve início antes da entrada em vigor reforma trabalhista
O Município de Santa Bárbara D’Oeste, no Estado de São Paulo, terá de pagar os reflexos da integração do auxílio alimentação ao salário de uma cirurgiã dentista no período em que já estava em vigor a Lei 13.467/2017 (Reforma Trabalhista). A lei alterou a natureza jurídica do benefício, tornando-o indenizatório, mas o contrato de trabalho foi firmado antes da mudança legislativa. Para a Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, se a alteração impactasse a parcela recebida pela dentista, haveria desrespeito às garantias constitucionais da irredutibilidade salarial e do direito adquirido.
Natureza salarial do benefício
Na reclamação trabalhista, a autora disse que fora contratada pelo Município de Santa Bárbara D’Oeste, em 17/4/2001, para exercer a função de cirurgiã dentista e que seu contrato de trabalho ainda está vigente. Ela pleiteou, judicialmente, o reconhecimento da natureza salarial do auxílio alimentação recebido desde 2005, e, por consequência, o pagamento dos reflexos nas demais verbas contratuais da integração do benefício ao seu salário.
Reforma Trabalhista
A Vara do Trabalho de Santa Bárbara D’Oeste (SP) declarou a natureza salarial do auxílio alimentação pago pela prefeitura até a entrada em vigor da Lei nº 13.467/2017 (Lei da Reforma Trabalhista), em 11/11/2017, quando a natureza indenizatória do benefício foi estabelecida. Por essa razão, o município foi condenado a pagar os reflexos oriundos da integração da parcela no salário da dentista somente até essa data.
O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região considerou correta a decisão de limitar a integração do auxílio alimentação com repercussão nas demais verbas salariais apenas para o período anterior à vigência da Reforma Trabalhista. De acordo com o TRT, a mudança na natureza salarial da parcela, promovida pela Lei 13.467/2017, não significou ofensa ao direito adquirido da autora, tampouco feriu o princípio da irredutibilidade salarial.
Garantia constitucional
No recurso de revista apresentado ao TST, a dentista argumentou que a integração do auxílio alimentação ao salário limitada à entrada em vigor da Lei 13.467/2017 implica redução salarial, o que lhe causa prejuízo econômico.
Alegou que o artigo 458 da CLT dispõe que a alimentação habitualmente fornecida ao empregado compõe o seu salário. Por fim, sustentou que a irredutibilidade salarial do trabalhador está garantida no artigo 7º, inciso VI, da Constituição Federal.
Contratação anterior à mudança A ministra Kátia Arruda, relatora do recurso na Sexta Turma, esclareceu que o artigo 457, § 2º, da CLT, com a alteração trazida pela Lei nº 13.467/17, estabelecera que parcelas pagas, ainda que com habitualidade, a exemplo do auxílio alimentação, não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho nem constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista ou previdenciário.
Contudo, no caso, a relatora ressaltou que, em respeito ao princípio da irretroatividade das leis, “a alteração legislativa que suprimiu ou alterou o direito à parcela não alcança os contratos daqueles trabalhadores que já possuíam o direito a seu pagamento, tampouco atinge efeitos futuros de contrato iniciado antes da sua vigência”.
Do contrário, observou a ministra, a Justiça estaria autorizando a redução salarial da trabalhadora e desrespeitando o seu direito adquirido. Por essas razões, foi deferido o pagamento dos reflexos do auxílio alimentação também no período posterior à entrada em vigor da Lei da Reforma Trabalhista.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO DE REVISTA. RECLAMANTE. LEI Nº 13.467/2017.
NATUREZA SALARIAL DO AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO. DIREITO MATERIAL. REFORMA TRABALHISTA. PRINCÍPIO DO TEMPUS REGIT ACTUM. DISCUSSÃO ACERCA DA APLICAÇÃO DA NOVA REDAÇÃO DO § 2º DO ART. 457 AOS CONTRATOS DE TRABALHO VIGENTES À EPOCA DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI Nº 13.467/2017.
1 – Há transcendência jurídica quando se constata em exame preliminar a controvérsia sobre questão nova em torno da interpretação da legislação trabalhista.
2 – Preenchidos os requisitos do art. 896, § 1º-A, da CLT.
3 – A controvérsia dos autos limita-se em saber se é aplicável a nova redação do art. 457, § 2º, da CLT, que afasta a natureza salarial do auxílio-alimentação, no período posterior à Reforma Trabalhista, uma vez que o contrato de trabalho fora firmado antes da vigência da Lei nº 13.467/2017.
4 – Extrai-se da decisão recorrida que o Tribunal Regional considerou devida a aplicação da nova redação do art. 457, § 2º, da CLT a partir de 11/11/2017, resguardando a natureza salarial do auxílio-alimentação para o período anterior à referida data.
5 – Consta da nova redação do § 2º do art. 457, inserida pela Lei nº 13.467/17, com vigência a partir de 11/11/2017, que “ As importâncias, ainda que habituais, pagas a título de ajuda de custo, auxílio-alimentação , vedado seu pagamento em dinheiro, diárias para viagem, prêmios e abonos não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário ” (grifos nossos).
6 – Sob a ótica do direito intertemporal, aplicam-se as normas de Direito Material do Trabalho do tempo dos fatos, em respeito ao princípio da irretroatividade da lei ” tempus regit actum ” (art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal).
7 – Acerca da aplicação da Lei nº 13.467/17 aos contratos em curso, tratando-se de direito material, notadamente parcela salarial (devida se configuradas determinadas circunstâncias), a alteração legislativa que suprimiu ou alterou o direito à parcela não alcança os contratos daqueles trabalhadores que já possuíam o direito a seu pagamento, tampouco atinge efeitos futuros de contrato iniciado antes da sua vigência. Do contrário, estaríamos albergando a redução da remuneração do trabalhador, embora não alterada a situação de fato que a amparava, e admitindo violação de direito adquirido.
8 – A questão já foi apreciada por essa Turma, no julgamento do RR-1556-35.2017.5.12.0017, com acórdão publicado no DEJT em 21/02/2020. Este também é o entendimento de outras Turmas do Tribunal Superior do Trabalho. Julgados.
9 – Recurso de revista a que se dá provimento.
A decisão foi unânime.
Processo: RR-11643-82.2019.5.15.0086