O Pleno do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (GO) concedeu habeas corpus (HC) para um empresário do ramo de alimentação, de Goiânia (GO), e liberou o passaporte retido em uma execução trabalhista movida contra a empresa. Segundo a decisão, a retenção do documento restringe o direito de locomoção do sócio executado. O desembargador Platon Teixeira Filho abriu divergência da relatora, desembargadora Kathia Albuquerque, e foi acompanhado pela maioria do colegiado. Assim, ele foi o redator do acórdão.
Habeas Corpus
O empresário, com 75 anos, relatou que estaria impedido de emitir e utilizar novo passaporte, fato que limita sua liberdade de locomoção ao território nacional. Afirmou que sua família, duas filhas, moram no exterior. Narrou que nas duas vezes em que deixou o país, após o fim das atividades empresariais, não se tratou de luxo, lazer ou hobby, foi para reencontrar com as filhas e por meio do patrocínio delas.
Explicou que a restrição à liberdade de locomoção, forma de coerção ao pagamento de débito trabalhista, no caso concreto, não se afigura adequada, proporcional e razoável. Afirmou que sobrevive de rendimentos de aposentadoria oficial, “após uma longa vida de trabalho e geração de emprego, tributos e renda, nos empreendimentos que desenvolveu no estado de Goiás”.
Liberdade de locomoção
A relatora, desembargadora Kathia Albuquerque, votou pela manutenção da retenção do passaporte. Na sua avaliação, é cabível a apreensão do passaporte nos termos do art. 139, IV, do CPC. Para ela, no caso, nem sequer foi anexada aos autos cópia do passaporte do paciente e, além disso, a realização de viagens para o exterior implicaria gastos que poderiam ser usados para quitação da dívida.
Contudo, prevaleceu no julgamento a divergência aberta pelo desembargador Platon Azevedo Filho, para quem as restrições previstas no CPC devem ser interpretadas sistematicamente. O desembargador explicou que o dispositivo não se destina à restrição de liberdades individuais que extrapolam a esfera patrimonial da pessoa, sob pena de ofensa ao princípio da dignidade e às garantias asseguradas pelo artigo 5º da Constituição Federal.
Segundo Platon Filho, nesse contexto, a apreensão de passaporte geraria sério constrangimento e representaria grave infração ao direito fundamental de ir e vir, não devendo ser utilizado como meio coercitivo para a execução da dívida. O desembargador observou, ainda, o posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho (TST) quanto à possibilidade de se utilizar a apreensão de passaporte para este fim, pois não haveria notícia de que o empresário agiria de forma maliciosa.
Antes de conceder o HC, Platon Filho pontuou que a Justiça do Trabalho utilizou todos os convênios que dispõe para buscar o patrimônio do executado, mas as tentativas foram infrutíferas. Para o desembargador, o fato de não ter sido juntado aos autos o passaporte do empresário no momento da impetração é irrelevante, porque a decisão questionada no HC é expressa em proibir que o empresário se ausente do país até o pagamento da dívida. “O que significa que se ele possui passaporte válido atualmente, o documento poderá ser apreendido e, se não possui, não conseguirá emiti-lo”, afirmou.
Com esses fundamentos, Platon Filho votou pela concessão da ordem para tornar sem efeito a restrição relativa à apreensão do passaporte, devendo a Polícia Federal ser comunicada da decisão. Ficaram vencidos, além da relatora, os desembargadores Elvecio Moura dos Santos, Paulo Pimenta e Silene Coelho.
O recurso ficou assim ementado:
HABEAS CORPUS . APREENSÃO DE PASSAPORTE COM FULCRO NO ART. 139, IV, DO CPC. CONSTRANGIMENTO ILEGAL DO DIREITO DE IR E VIR. ORDEM CONCEDIDA. O disposto no art. 139, IV, do CPC deve ser interpretado sistematicamente, não se destinando à restrição de liberdades individuais que extrapolam a esfera patrimonial da pessoa, sob pena de ofensa ao princípio da dignidade e às garantias asseguradas pelo artigo 5º da Constituição Federal. Nesse contexto, a apreensão de passaporte do executado gera sério constrangimento e representa grave infração ao direito fundamental de ir e vir, não devendo ser utilizado como meio coercitivo para a execução de dívida. No caso, sequer há notícia de que o executado age de forma maliciosa, a fim de ocultar seu patrimônio, de forma que ainda que em tese seja possível a apreensão do passaporte em situações excepcionais em que se demonstre o intuito fraudulento do paciente, não é a situação que se extrai dos autos. Ordem concedida.
Processo: 0010230-12.2022.5.18.0000