Para a 4ª Turma, ele não exercia atividade de risco especial
A Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou o recurso de um auxiliar de produção de frigorífico contra decisão que isentou a Bugio Agropecuária Ltda., de Chapecó (SC), da responsabilidade por sua contaminação por covid-19. Conforme a decisão, a atividade em frigorífico não se enquadra entre as que apresentam exposição habitual a risco maior de contaminação.
Ambiente insalubre
Na ação, o auxiliar alegou que contraíra covid-19 em maio de 2020 e requereu indenização por danos morais em razão da contaminação, que, segundo ele, teria ocorrido no ambiente de trabalho. Argumentou que estava exposto a ambiente insalubre, porque a dinâmica de trabalho no frigorífico não havia sofrido ajustes para adequar a produção às medidas de contenção do vírus.
Risco de contágio
O juízo da 2ª Vara do Trabalho de Chapecó julgou que a infecção caracterizava acidente de trabalho e condenou a Bugio ao pagamento de indenização de R$ 3,9 mil. Conforme a sentença, a atividade tinha risco de contágio acentuado, o que permitiria a responsabilização da empregadora pela reparação do dano, independentemente de culpa (artigo 927 do Código Civil).
Sem provas
Ao examinar recurso ordinário do frigorífico, contudo, o Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (SC) afastou o nexo de causalidade entre o trabalho e a infecção e isentou a empresa do pagamento de indenização. A decisão levou em conta que não fora produzida prova pericial capaz de confirmar que a exposição ou o contato direto com a causa da doença seria decorrente da natureza do trabalho.
Nexo causal
A relatora do recurso de revista do trabalhador, ministra Maria Cristina Peduzzi, explicou que o que está em questão não é a culpa do empregador pela contaminação do trabalhador, mas a verificação do nexo causal entre a atividade desempenhada e o adoecimento. Este se dá em duas hipóteses: previsão expressa em lei ou atividade que, por natureza, apresente exposição habitual maior ao risco.
Em relação à primeira, a ministra assinalou que a Lei 14.128/2021 pressupõe o nexo causal apenas para profissionais da área de saúde que atuam de forma direta no atendimento de pacientes com covid-19 e inclui serviços administrativos, de copa, de lavanderia, de limpeza, de segurança e de condução de ambulâncias, entre outros, além de necrotérios e cemitérios. Não há menção, portanto, a empregados de frigoríficos.
Quanto à hipótese de exposição ao risco, é necessário identificar e comprovar que o tipo de serviço realizado expõe o trabalhador a um perigo acentuado de contaminação.
Transmissão comunitária
Nesse ponto, a ministra ressaltou que é possível que haja causas concorrentes que venham a eximir ou minimizar a responsabilidade do empregador. “A transmissão comunitária da doença funciona, em parte, como risco concorrente e até excludente da causalidade”, ressaltou.
Segundo ela, é difícil aferir, de forma exata, as circunstâncias da infecção e, assim, determinar a responsabilidade de forma justa. No caso específico da covid-19, com o agente infeccioso disseminado no país e no mundo, “não há como determinar o local e o momento exatos em que cada indivíduo entra em contato com o vírus e adquire a doença, exceto em casos bastante específicos”, frisou.
Conclusão
Com esses fundamentos, a relatora concluiu que, mesmo com base na teoria da responsabilidade objetiva, inclusive com suas exceções, o ofício do auxiliar de produção em frigorífico não se enquadra na hipótese de caso especificado em lei nem se configura como atividade cuja natureza exponha as pessoas a risco maior de contaminação. Nesse sentido, ela destacou o registro do TRT de que não fora produzida prova pericial para confirmar a situação de causalidade e de que as provas documentais e testemunhais não eram robustas o suficiente para comprovar o risco especial.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.467/2017 – DANO MORAIS – CONTAMINAÇÃO POR COVID-19 – AMBIENTE DE TRABALHO – FRIGORÍFICO – RESPONSABILIDADE OBJETIVA – AUSÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE – TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA
I – O reconhecimento do nexo de causalidade entre a COVID-19 e o trabalho desempenhado se dará de forma objetiva justamente em duas hipóteses: a) previsão expressa em lei ; ou b) atividade que por natureza apresente exposição habitual a risco especial maior .
II – Para tratar da primeira hipótese de aplicação da responsabilidade objetiva (previsão legal), foi editada a Lei nº 14.128, de 26 de março de 2021, para amparar os trabalhadores da área de saúde que atuaram de forma direta no atendimento de pacientes acometidos por COVID-19.
III – Quanto à segunda hipótese (natureza da atividade apresentar exposição habitual a risco especial maior), é necessário identificar e comprovar que o tipo de serviço realizado expõe o trabalhador a um perigo acentuado de contaminação pelo novo coronavírus a ponto de gerar a responsabilidade objetiva do empregador.
IV – Procedendo a uma análise cuidadosa das contingências que envolvem a pandemia de COVID-19, iniciada em 2020, é fundamental constatar que a transmissão comunitária da doença funciona em parte como risco concorrente e até excludente da causalidade entre o desempenho do trabalho e a infecção do empregado. Isso ocorre, pois é difícil aferir de forma exata as circunstâncias da infecção, o que aproxima bastante os conceitos de pandemia e endemia para fins de reconhecimento de doença do trabalho.
V – Assim, aplicando a teoria objetiva, inclusive com suas exceções, é possível constatar que o ofício do Reclamante – auxiliar de produção em frigorífico – não se enquadra na hipótese de caso especificado em lei, tampouco se configura como atividade cuja natureza apresenta exposição habitual a risco especial maior à contaminação pelo novo coronavírus. Assim, resta ausente o nexo de causalidade , elemento essencial para a responsabilização da Reclamada. Súmula nº 126 do TST.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA – BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA – SUSPENSÃO DE EXIGIBILIDADE – ART. 791-A, § 4º, PARTE FINAL, DO CPC – ADI Nº 5766 – TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA
1. Trata-se de questão nova acerca da aplicação de precedente vinculante do E. STF, publicado em 3/5/2022, sobre legislação trabalhista. Está presente, portanto, a transcendência jurídica, nos termos do art. 896-A, § 1º, IV, da CLT.
2. Ao julgar a ADI nº 5766, o E. Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da expressão ” desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa “, constante do parágrafo 4º do artigo 791-A da CLT.
3. A declaração parcial de inconstitucionalidade decorreu do entendimento de que, para se exigir o pagamento de honorários advocatícios de sucumbência da parte que recebeu o benefício da justiça gratuita, deve-se provar que houve modificação de sua situação econômica, demonstrando-se que adquiriu capacidade de arcar com as despesas do processo. A E. Corte considerou que o mero fato de alguém ser vencedor em pleito judicial não é prova suficiente de que passou a ter condições de arcar com as despesas respectivas.
4. Preservou-se, assim, a parte final do dispositivo, remanescendo a possibilidade de condenação do beneficiário de justiça gratuita ao pagamento de honorários de sucumbência, com suspensão da exigibilidade do crédito, que poderá ser executado se, no período de dois anos, provar-se o afastamento da hipossuficiência econômica.
5. Ao determinar a suspensão de exigibilidade dos honorários advocatícios de sucumbência devidos pelo beneficiário de justiça gratuita, admitindo a execução do crédito, se provado o afastamento da condição de miserabilidade jurídica no período de dois anos, o acórdão regional amolda-se à decisão vinculante do E. STF na ADI nº 5766.
Recurso de Revista não conhecido .
A decisão foi unânime.
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Processo: RR-491-34.2020.5.12.0038