Prestadora de serviços de portaria e vigilância é condenada por não contratar aprendizes

A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou a Solidez Recursos Humanos Ltda., do Rio de Janeiro, em razão da não contratação de aprendizes, e afastou a limitação da multa por descumprimento, que havia sido fixada em R$ 50 mil a cada 12 meses. Para o colegiado, decisões que reiteram o cumprimento das cotas por meio de sanções inibitórias são comandos que contribuem para modificações sociais mais amplas, que vão além da reparação do dano.

Vulnerabilidade social

Na ação civil pública, o Ministério Público do Trabalho (MPT)  pleiteou a condenação da empresa a cumprir a cota legal de aprendizes, com a aplicação de multa por descumprimento da obrigação de fazer (astreintes) e reparação por dano moral coletivo de RS 200 mil. Para o MPT, a omissão contribuía para a não inclusão de adolescentes e jovens no mercado de trabalho de forma regular, expondo os potenciais trabalhadores a situação de maior risco de vulnerabilidade social.

Sem qualificação profissional

Em sua defesa, a empresa alegou que, de 650 empregados, cerca de 630 atuavam como porteiros e vigias, funções que, segundo ela, não demandam nenhum tipo de qualificação profissional ou aprendizagem para justificar a atuação de aprendizes.

Limitação da multa

O juízo da 50ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro condenou a Solidez a contratar 33 aprendizes e fixou multa diária de R$ 500 para cada descumprimento, até o limite de R$ 50 mil. Porém, julgou improcedente o pedido de indenização, por entender que não foi provado “um significativo dano moral à coletividade”.

O Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ) manteve a sentença, mas estabeleceu que o limite de R$ 50 mil da multa dizia respeito a períodos de 12 meses.

Ciclo de pobreza

Ao analisar o recurso de revista do MPT, o ministro Alberto Balazeiro destacou que, de acordo com a jurisprudência do TST, a situação caracteriza dano moral coletivo, pois o ato ilícito atinge todos os trabalhadores que poderiam se capacitar e ingressar no mercado de trabalho por meio da aprendizagem. Seguindo o voto do relator, o colegiado condenou a empresa a pagar indenização de R$50 mil, a serem revertidos ao Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Para Balazeiro, esse fundo tem relação com a natureza do bem lesado (qualificação e acesso ao mercado de trabalho), pois, apesar de não contemplar apenas crianças e adolescentes, o instituto da aprendizagem tem grande relevo para esse público, de extrema vulnerabilidade, “como elemento educacional de rompimento do denominado ciclo intergeracional da pobreza”.

Processos estruturais

Também seguindo o relator, a Turma afastou a limitação da multa, concluindo que ela deve incidir até o efetivo cumprimento da obrigação. Sobre esse aspecto, o ministro Balazeiro enfatizou a relevância da tutela preventiva do ilícito no campo de ações coletivas, em azão de seu papel na implementação de direitos fundamentais.

Segundo ele, a aprendizagem foi a forma escolhida pelo legislador para qualificar novos profissionais que desejam ou necessitam ingressar no mercado de trabalho a partir de uma base educacional. “Decisões que fortalecem e compelem, por meio da tutela inibitória, ao cumprimento de cotas de contratação de aprendizes são comandos que estruturam modificações sociais de ampla repercussão, por aliarem acesso à educação e formação profissional, capacitação de mão de obra para o crescimento econômico e combate a chagas tais como o trabalho infantil e o trabalho escravo”, afirmou.

Nesse sentido, o ministro explicou que os denominados processos estruturais, inspirados em doutrina norte-americana, envolvem decisões judiciais que visam modificar condutas sociais que vão além da mera definição de êxito ou derrota judicial. A doutrina sobre a matéria teve origem em decisões sequenciadas no caso Brown x Board of Education of Topeka, em 1954, que inaugurou o movimento de transformação do sistema educacional com a erradicação da segregação racial.

O recurso ficou assim ementado:

I – AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA PRIMEIRA RECLAMADA – REGÊNCIA PELAS LEIS Nº 13.015/2014 E 13.467/2017 – AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EXCLUSÃO DE FUNÇÕES DE BASE DE CÁLCULO DE COTAS DE APRENDIZAGEM. VEDAÇÃO A REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 126 DESTE TST. A jurisdição de natureza extraordinária exercida por esta Corte de uniformização e aplicação de direito objetivo não admite o reexame de fatos e provas do feito de origem.

Agravo de instrumento a que nega provimento .

II – AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO – REGÊNCIA PELAS LEIS NºS 13.015/2014 E 13.467/2017 – AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESCUMPRIMENTO DE COTA PARA CONTRATAÇÃO DE APRENDIZES. DANO MORAL COLETIVO. JURISPRUDÊNCIA ASSENTE NO TST SOBRE O TEMA. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA DEMONSTRADA. POSSÍVEL VIOLAÇÃO AO ARTIGO 5º, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL DEMONSTRADA. Dá-se provimento a agravo de instrumento para destrancar recurso de revista quando demonstrada possível violação ao artigo 5º, V, da Carta Magna e a entendimento consolidado no Tribunal Superior do Trabalho, e, ainda, dissenso jurisprudencial. Agravo de instrumento a que se dá provimento .

III – RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. CONTRATAÇÃO DE APRENDIZES. DANO MORAL COLETIVO. INDENIZAÇÃO. DESTINAÇÃO AO FUNDO MUNICIPAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. TUTELA INIBITÓRIA. PROCESSO ESTRUTURAL. DECISÃO ESTRUTURAL. ASTREINTES. LIMITAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA.

1. Dano moral coletivo. “A lesão a interesses coletivos, à vista do nosso ordenamento jurídico, enseja reação e resposta equivalente a uma reparação adequada à tutela almejada, traduzida essencialmente por uma condenação pecuniária, a ser arbitrada pelo juiz – orientado pela função sancionatória e pedagógica dessa responsabilização- ,a qual terá destinação específica em prol da coletividade.” (Xisto Tiago de Medeiros Neto. Rev. TST, Brasília, vol. 78, no 4, out/dez 2012, p.297).

2. A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, através da sua Subseção 1 de Dissídios Individuais é assente no sentido de que o desrespeito à cota fixada em lei para a contratação de aprendizes enseja reparação em decorrência de dano moral causado à coletividade. (E-RR-612-17.2011.5.23.0056, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 17/12/2021).

3. “A Doutrina da Proteção Integral nada mais é do que a base valorativa que fundamenta os direitos da infância e da juventude. Parte do reconhecimento normativo de uma condição especial, ou peculiar, das pessoas desse grupo etário (zero a 18 anos) que devem ser respeitados como sujeitos de direitos. Assim, crianças e adolescentes, ainda que no texto normativo, são reconhecidos em sua dignidade, pessoas em desenvolvimento, que necessitam de especial proteção e garantia dos seus direitos, por parte dos adultos: Estado, família e sociedade.” ANA PAULA MOTTA COSTA (Direitos Fundamentais no Supremo Tribunal Federal: Balanço e Crítica. Lumen Juris. Rio de Janeiro. 2011. A Perspectiva Constitucional Brasileira da Proteção Integral de Crianças e Adolescentes e o Posicionamento do Supremo Tribunal Federal. p.856).

4. Indenização por dano moral coletivo. Destinação. Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescentes. A indicação da destinação do quantum da indenização pleiteada ao Fundo Municipal da Criança e do Adolescente, para além de não discrepar do escopo do artigo 13 da Lei n.° 7.347/85, guarda pertinência com a natureza do bem lesado (qualificação e acesso ao mercado de trabalho), já que, apesar de não contemplar apenas crianças e adolescentes, o instituto da aprendizagem possui grande relevo para esse público de extrema vulnerabilidade como elemento educacional de rompimento do denominado ciclo intergeracional da pobreza. Precedentes.

5. Tutela inibitória.

“O direito à adequada tutela jurisdicional corresponde, no caso de direito não patrimonial, ao direito a uma tutela capaz de impedir a violação do direito. A tutela inibitória, portanto, é absolutamente indispensável em um ordenamento que se funda na dignidade da pessoa humana e que se empenha em realmente garantir, e não apenas proclamar, a inviolabilidade dos direitos da personalidade.”

(Luiz Guilherme Marinoni, Tutela Inibitória: individual e coletiva, 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 298).

6. Processo estrutural. Decisão Estrutural. Contratação de aprendizes. Forma de ingresso no mercado de trabalho. Capacitação. Avanço Intergeracional.

“Decisões estruturantes, ou ainda decisões em cascata (structural injuction), objetivam efetivar, ou melhor, dar verdadeira concretude a um direito fundamental, através das chamadas reformas estruturais (structural reform), seja em entes, organizações ou instituições, com o fito de deslindar litígios que envolvam múltiplos interesses sociais divergentes, ou mesmo para dar cumprimento a uma política pública…” (DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. 13ª ed. Salvador: Juspodivm, 2019, vol. 4. p.455.

7. Astreintes. Limitação .

A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho tem entendido que as astreintes têm natureza diversa da cláusula penal não se podendo impor limitação temporal. Precedentes.

Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento.

A decisão foi unânime.

Processo: RRAg-100315-38.2017.5.01.0050 

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