Fazendo uma distinção em relação ao Tema 261 do Supremo Tribunal Federal (STF), a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou que as concessionárias de serviço público podem cobrar pela utilização da faixa de domínio de rodovia, mesmo que de outras concessionárias, como estabelecido no artigo 11 da Lei 8.987/1995.
Por unanimidade, os ministros mantiveram o provimento do recurso especial em que reconheceram a possibilidade dessa cobrança, desde que o edital e o contrato tragam a previsão de outras fontes de receita, além da tarifa, para a concessionária administradora da rodovia. A faixa de domínio é a área formada por pistas, canteiros, acostamentos e pela faixa lateral de segurança ao longo das rodovias.
De acordo com a relatora do recurso, ministra Regina Helena Costa, o STF definiu no Tema 261 que os entes da Federação não podem cobrar taxa pelo uso de espaços públicos por concessionárias de serviço público. Porém, segundo a magistrada, o precedente não tratou da hipótese em que a cobrança é feita pela concessionária que administra a rodovia.
Recurso extraordinário
No caso dos autos, as instâncias inferiores julgaram procedente o pedido da Companhia Piratininga de Força e Luz (CPFL) para construir linha de transmissão de energia elétrica em faixa de domínio de rodovia sem ter de arcar com o preço cobrado pela Concessionária Ecovias dos Imigrantes S/A.
No STJ, a Ecovias alegou violação ao artigo 11 da Lei 8.987/1995. Ao dar provimento ao recurso, a corte reiterou seu entendimento de que as concessionárias de rodovia podem cobrar de outras concessionárias de serviço público pela passagem de cabos e dutos em faixa de domínio, desde que previsto no contrato de concessão.
A CPFL interpôs recurso extraordinário, alegando que a interpretação da Primeira Turma estaria em desacordo com o Tema 261, e o STF determinou o retorno dos autos ao STJ para eventual retratação.
Distinção entre a orientação do STF e o caso julgado
Ao rejulgar o caso – como manda o artigo 1.040, II, do Código de Processo Civil –, a ministra Regina Helena Costa observou que o STF e o STJ têm jurisprudência consolidada segundo a qual é ilegal que a administração pública cobre de concessionária de serviço público pelo uso de solo, subsolo ou espaço aéreo. Isso porque, explicou a magistrada, a utilização se reverte em favor da sociedade, bem como não há prestação de serviço público ou exercício de poder de polícia que justifiquem a cobrança de taxa.
Contudo – ressaltou a relatora –, ocorre situação distinta quando o poder concedente autoriza concessionária de serviço público a efetuar cobrança pela utilização de faixas de domínio de rodovia, com base no artigo 11 da Lei 8.987/1995.
Para a ministra, essa situação é semelhante à do caso julgado, pois a cobrança não envolveu ente da Federação, mas conflito entre concessionárias de serviço público, com previsão editalícia e contratual da cobrança de remuneração pelo uso das faixas de domínio.
Precedente do STF não se aplica a concessionárias
Com essas considerações, Regina Helena Costa apontou que o entendimento fixado pelo STF “não impede que concessionárias de rodovias realizem tal exigência pela utilização das faixas de domínio, nos termos do artigo 11 da Lei 8.987/1995, desde que tal exação seja autorizada pelo poder concedente e esteja expressamente prevista no contrato de concessão, porquanto não houve discussão sobre essa hipótese”.
A relatora também lembrou que a Primeira Seção realizou essa mesma distinção no julgamento do EREsp 985.695, e que tal orientação vem sendo replicada em inúmeras decisões do STJ (AREsp 1.171.948, AgInt no AREsp 1.079.824).
Ao manter o entendimento consolidado do STJ, Regina Helena Costa destacou que, conforme precedente da corte (AREsp 977.205), a cobrança pelo uso da faixa de domínio, por parte da administradora da rodovia, é conveniente ao interesse público, pois a previsão de outras fontes de receita para a concessionária pode contribuir para tarifas menores cobradas dos usuários (princípio da modicidade das tarifas).
O recurso ficou assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. JUÍZO DE ADEQUAÇÃO. ART. 1.040, II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DIREITO ADMINISTRATIVO. COBRANÇA PELO ENTE FEDERADO PELO USO DA FAIXA DE DOMÍNIO POR CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. NÃO CABIMENTO. RE N. 581.947. DISTINGUISHING. ART. 11 DA LEI N. 8.987⁄1995. CONFLITO ENTRE CONCESSIONÁRIAS. EXIGÊNCIA DE CONTRAPRESTAÇÃO. POSSIBILIDADE. PREVISÃO NO CONTRATO DE CONCESSÃO. IMPRESCINDIBILIDADE. ERESP N. 985.695⁄RJ. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.I – Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 1973II – Retorno dos autos ao colegiado para eventual juízo de adequação, a teor do art. 1.040, II, do Código de Processo Civil de 2015.III – O Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência firme e consolidada de que a cobrança pelo ente federado em face de concessionária de serviço público pelo uso de solo, subsolo ou espaço aéreo é ilegal, uma vez que: a) a utilização, nesse caso, se reverte em favor da sociedade – razão pela qual não cabe a fixação de preço público; e b) a natureza do valor cobrado não é de taxa, pois não há serviço público prestado ou poder de polícia exercido. Precedentes do Supremo Tribunal Federal.IV – O entendimento do Supremo Tribunal Federal segundo o qual os entes da federação não podem cobrar retribuição pecuniária pela utilização de vias públicas, inclusive solo, subsolo e espaço aéreo para a instalação de equipamentos destinados à prestação de serviço público, não impede que as concessionárias de rodovias realizem a cobrança pela utilização das faixas de domínio, nos termos do art. 11 da Lei 8.987⁄95, desde que tal exação seja autorizada pelo poder concedente e esteja expressamente prevista no contrato de concessão, porquanto não houve discussão sobre esta hipótese no RE 581.497. Distinguishing.V – Em juízo de adequação, mantido o acórdão.
Leia o acórdão no REsp 1.677.414.