Ele não utilizou a energia nem havia prioridade de se pagar as contas com o valor da venda.
A Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho não admitiu recurso da Companhia Energética do Piauí (Cepisa) que pretendia responsabilizar o comprador de imóvel em leilão judicial pelos débitos com energia anteriores à arrematação. Segundo os ministros, o valor da dívida recai sobre o preço da venda do imóvel, mas é observada a ordem de preferência dos débitos que devem ser cobertos (os créditos trabalhistas são prioritários). Mesmo assim, se faltar quantia para a tarifa de energia, ela não é repassada ao arrematante, pois ele não aproveitou o serviço prestado no período anterior.
Arrematação
No caso, uma pessoa física arrematou, em abril de 2014, durante hasta pública, imóvel das Indústrias Coelho. O bem não era utilizado desde 2012 e, até então, estava sob administração judicial. Em 2016, o novo proprietário recebeu cobrança da Cepisa, inclusive sobre os meses anteriores à arrematação, quando a instalação estava vazia. Ele, então, acionou a Justiça do Trabalho com o intuito de afastar sua responsabilidade pelo débito.
Responsabilidade tributária
O juízo da Vara do Trabalho de Picos (PI) julgou procedente a ação. A Cepisa, em seguida, apresentou mandado de segurança contra a decisão, rejeitado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região com fundamento no artigo 130, caput e parágrafo único, do Código Tributário Nacional (CTN). Conforme esse dispositivo, em caso de hasta pública, o adquirente fica desvinculado de qualquer responsabilidade tributária anterior cujo fato gerador seja a propriedade e/ou as taxas decorrentes de prestação de serviços referentes ao bem. Nessa circunstância, o valor do tributo ou da taxa é incorporado ao preço do bem.
Efeitos da arrematação
O relator do processo na SDI-2, ministro Luiz Dezena da Silva, votou pelo não provimento do recurso por outro fundamento. Ele explicou que a arrematação judicial não transfere ao adquirente todo e qualquer débito do bem imóvel arrematado. Essa conclusão se extrai do parágrafo 1º do artigo 908 do Código de Processo Civil (CPC). “Em regra, as dívidas do bem alienado recaem sobre o valor do preço pago pelo adquirente, observando-se, sempre, a ordem de preferência dos credores”, observou. “Essa disposição se aplica, inclusive, aos débitos relativos à tarifa devida à empresa concessionária de energia elétrica”.
No caso da tarifa de energia elétrica, o relator ressaltou que, mesmo que não haja crédito suficiente para a quitação, em razão da ordem de preferência, o débito não pode ser transferido ao comprador, pois está vinculados apenas a quem efetivamente usufruiu o serviço prestado pela concessionária.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. O ato coator impugnado no presente mandamus contém três determinações, quais sejam: a) vedação de cobrança das tarifas decorrentes do fornecimento de energia elétrica do adquirente do imóvel em relação ao período anterior à arrematação judicial; b) cancelamento dos débitos decorrentes do fornecimento de energia elétrica no período em que o imóvel esteve sob administração judicial (setembro/2012 a março/2014); c) determinação feita ao arrematante para que promovesse a quitação dos débitos relativos ao fornecimento de energia elétrica no período posterior à arrematação e a alteração da titularidade do consumidor nos cadastros da concessionária do serviço público, vedando, pelo prazo de 30 dias, que a empresa concessionária promova o corte de energia elétrica por inadimplemento. No que toca à vedação de cobrança ao arrematante dos débitos pertinentes à tarifa de serviço de fornecimento de energia elétrica, no período anterior à arrematação judicial, é indiscutível a competência desta Justiça Especializada, visto que a disputa decorre dos efeitos da arrematação judicial, ou seja, cuida-se de um incidente da fase executiva trabalhista. Todavia, as demais determinações exorbitam a esfera de competência da Justiça do Trabalho, uma vez que não têm conexão com o incidente da fase executiva, pois se trata de questões afetas à própria administração da empresa concessionária de serviço público, afetas, pois, à Justiça Comum. Recurso Ordinário conhecido e parcialmente provido, no tópico. ARREMATAÇÃO JUDICIAL. DÉBITOS RELATIVOS AO SERVIÇO DE FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. IMPOSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO DO ADQUIRENTE QUANTO À DÍVIDA DO PERÍODO ANTERIOR À ARREMATAÇÃO JUDICIAL. A arrematação judicial, conquanto seja um modo derivado de aquisição da propriedade, não tem o condão de transferir todo e qualquer débito para o adquirente do bem imóvel arrematado. Tal conclusão decorre, inclusive, da regra inserta no § 1.º do art. 908 do CPC/2015, que dispõe que “no caso de adjudicação ou alienação, os créditos que recaem sobre o bem, inclusive os de natureza propter rem, sub-rogam-se sobre o respectivo preço, observada a ordem de preferência”. Assim, as dívidas do bem alienado judicialmente recaem sobre o valor do preço pago pelo adquirente, observando-se, sempre, a ordem de preferência. Essa disposição se aplica, inclusive, aos débitos relativos à tarifa devida à empresa concessionária de energia elétrica e, caso não haja crédito suficiente para a sua quitação, por tratar-se de obrigação pessoal e não propter rem, não se transfere ao adquirente do bem arrematado, visto que os débitos estão vinculados apenas àquele que efetivamente usufruiu do serviço prestado. Precedentes do STJ e do TST. Recurso Ordinário conhecido e não provido, no tópico.
A decisão foi unânime.
Processo: RO-80251-12.2016.5.22.0000