Colegitimado pode assumir ação coletiva se autor originário desistir de recurso por ter feito acordo reconhecendo improcedência do pedido

Em ação coletiva de consumo, é possível a assunção do polo ativo por outro colegitimado, na hipótese de reconhecimento da improcedência do pedido em decorrência de acordo firmado entre as partes originárias. Para os ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o acordo não tem efeito de transação, já que os substitutos processuais não são titulares do direito material discutido, não podendo dispensar direitos ou obrigações, nem renunciar direitos.

A autora coletiva originária, Associação Nacional de Defesa da Cidadania e do Consumidor (Anadec), desistiu do recurso especial interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que manteve a sentença de improcedência do pedido em ação coletiva de consumo. O pedido era para que se declarasse a ilegalidade da cobrança de ponto extra no serviço de televisão por assinatura. A desistência do recurso foi formalizada com a celebração de acordo com a empresa Claro, no qual a Anadec reconhecia a improcedência do pedido inicial.

Após o acordo, os autos regressaram à origem, mas o juízo do primeiro grau deixou de homologar a transação e autorizou o Ministério Público de São Paulo (MPSP) a assumir o polo ativo da ação coletiva. O TJSP, no entanto, deu provimento ao agravo de instrumento interposto pela Claro para homologar o acordo e impedir a assunção do polo ativo da ação pelo MPSP.

No recurso especial contra essa última decisão do TJSP, o MPSP argumentou que a Anadec não poderia abrir mão do direito material discutido, pois nenhum legitimado pode fazê-lo na demanda coletiva. Para o órgão ministerial, na hipótese de desistência do recurso que acarrete a improcedência do pedido, caberia a aplicação analógica do artigo 5°, parágrafo 3°, da Lei da Ação Civil Pública, permitindo-se a assunção da titularidade ativa por qualquer outro legitimado.

Disponibilidade restrita

Para a relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi, o processo coletivo se caracteriza pelo fato de a tutela jurisdicional ocorrer por meio de legitimação extraordinária, na qual os substitutos processuais agem na defesa de interesse alheio e em nome alheio. Dessa forma, os legitimados não são titulares do direito material discutido em juízo, que pertence às pessoas substituídas.

Por esse motivo, o acordo celebrado não configura uma transação, a qual pressupõe concessões mútuas. “Assim, a disponibilidade que o legitimado coletivo possui e exercita por meio do acordo é restrita ao aspecto processual do procedimento judicial, não alcançando o conteúdo material da lide”, disse a ministra.

Coisa julgada

No entanto, Nancy Andrighi explicou que, com a homologação, o acordo receberia a imutabilidade da coisa julgada material. Segundo ela, nas ações coletivas, os efeitos da coisa julgada em relação aos colegitimados ativos operam-se de forma plena, ressalvado apenas o julgamento de improcedência por falta de provas.

“Se não fundada na falta de provas, os efeitos da coisa julgada da sentença de improcedência impedem os demais colegitimados de propor novo debate do mesmo direito com base em diversos fundamentos fáticos ou jurídicos, trancando a via célere e equânime da ação coletiva”, afirmou.

Dessa forma, a ministra explicou que, com a desistência do recurso especial, prevaleceria o acórdão recorrido, o que impediria o exame da questão por iniciativa de outro colegitimado em nova ação, uma vez que se manteria a sentença de improcedência não baseada em ausência de provas.

Para ela, a decisão homologatória pelo TJSP efetivamente violou a Lei da Ação Civil Pública, ao não admitir a assunção do polo ativo pelo MPSP diante de acordo firmado pela autora originária. Como consequência desse entendimento, os autos originários (REsp 1.442.555) foram avocados ao STJ, para que a Terceira Turma, por prevenção, decida sobre a existência ou não de prejuízo ao consumidor em razão da cobrança de ponto extra no serviço de televisão por assinatura.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO. PONTO EXTRA. TELEVISÃO POR ASSINATURA. COBRANÇA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211⁄STJ. MANIFESTAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. NULIDADE. FUNDAMENTO DO ACÓRDÃO NÃO IMPUGNADO. SÚMULA 283⁄STF. ACORDO. AUTOR ORIGINÁRIO. DESISTÊNCIA DE RECURSO ESPECIAL. POLO ATIVO. ASSUNÇÃO. COLEGITIMADO. POSSIBILIDADE. ARTS. 9º DA LEI 4.717⁄65 E 5º, § 3º, DA LEI 7.347⁄85. APLICAÇÃO ANALÓGICA.
1. Cuida-se de coletiva de consumo, por meio da qual é questionada a cobrança de ponto adicional na prestação do serviço de televisão por assinatura.
2. Recurso especial interposto em: 07⁄01⁄2016; conclusos ao gabinete em: 13⁄03⁄2018; julgamento: CPC⁄73.
3. O propósito recursal é determinar se ocorreu negativa de prestação jurisdicional e se o acordo firmado entre um dos colegitimados ativos e o fornecedor de serviços, no qual o autor coletivo reconheceu a improcedência do pedido inicial, com a desistência do recurso especial interposto, configura hipótese capaz de autorizar a assunção do polo ativo por outro colegitimado, com o prosseguimento do processo.
4. Ausentes os vícios do art. 535 do CPC⁄73, rejeitam-se os embargos de declaração.
5. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados, não obstante a interposição de embargos de declaração, impede o conhecimento do recurso especial.
6. A existência de fundamento do acórdão recorrido não impugnado – quando suficiente para a manutenção de suas conclusões – impede a apreciação do recurso especial.
7. Os legitimados para o ajuizamento da ação coletiva não são titulares do direito material discutido em juízo, razão pela qual não podem dispensar direitos ou obrigações, nem renunciar a direitos, que são requisitos essenciais para a configuração de concessões mútuas, relacionadas à transação.
8. A disponibilidade que o legitimado coletivo possui e exercita por meio do acordo é restrita ao aspecto processual do procedimento judicial, não alcançando o conteúdo material da lide.
9. A homologação do acordo firmado entre autor coletivo e réu, especialmente na hipótese de desistência de recurso, pode produzir o efeito processual de impedir a discussão do tema em outras ações coletivas por outros colegitimados, ante a configuração de coisa julgada material.
10. A assunção do polo ativo por outro colegitimado deve ser aceita, por aplicação analógica dos arts. 9º da Lei 4.717⁄65 e 5º, § 3º, da Lei 7.347⁄85, na hipótese de desistência do recurso pelo substituto processual, por aplicação dos princípios da interpretação pragmática e da primazia do julgamento de mérito.
11. Recurso especial parcialmente conhecido e, no ponto, provido.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1656874

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