Uma entidade de Juiz de Fora, que atua como casa de passagem de população de risco e vulnerabilidade social, terá que pagar indenização por danos morais, no valor de R$ 6.154,80, a uma ex-empregada que exercia a função de cuidadora. A profissional alegou que trabalhava em local de grande tensão, tendo em vista o público-alvo de atendimento. Além disso, argumentou que a empregadora nunca forneceu a segurança necessária para a execução dos trabalhos e, por isso, já presenciou agressões físicas entre os assistidos, roubos, furtos e tentativas de invasão de terceiros.
O juízo da 1ª Vara do Trabalho de Juiz de Fora deu razão à trabalhadora, determinando o pagamento de indenização por danos morais no importe de R$ 10 mil. Mas, inconformada com a condenação, a empregadora interpôs recurso, argumentando que as atribuições da cuidadora não ensejam risco.
Nas razões recursais, enfatizou que promovia o treinamento de todos os colaboradores para o desempenho das atividades e realizava reuniões de capacitação. A entidade informou também que eram observadas todas as normas de medicina, higiene e segurança do trabalho.
Mas testemunha contou que sempre havia confusão e “que os monitores tinham que entrar para separar as brigas”. Segundo a testemunha, acontecia de mesas, cadeiras e pratos serem arremessados. “Em uma ocasião, uma menina tirou uma barra de ferro da bolsa e quebrou uma mesa”, disse. Ela explicou ainda que não era permitido o consumo de álcool ou drogas na casa, mas muitos consumiam, de forma escondida, dentro dos quartos ou banheiros. “O álcool e as drogas entravam na bolsa, já que não havia revista”, disse.
Para o desembargador José Marlon de Freitas, relator do caso, a testemunha inquirida por indicação da reclamante confirmou que a casa de passagem era ambiente vulnerável e sujeito a invasões, conflitos e desavenças que demandavam a mediação dos cuidadores, inclusive com o acionamento da polícia. A testemunha, que era assistida pela entidade, também revelou que não havia controle de entrada e saída. Disse que era comum ocorrerem furtos e que a maioria dos assistidos portava faca. “Embora houvesse vedação de consumo de bebida alcoólica e drogas, não era feita revista corporal, nem inspeção de pertences, de modo que o acesso de mulheres e substâncias proibidas era irrestrito, tudo com o consentimento da coordenação”, relatou.
O fato de não haver revistas e da ocorrência de acionamento da polícia, algumas vezes, para intervir nas desavenças também foi confirmado pela outra testemunha ouvida a pedido da empregadora. “Soma-se a isso o boletim de ocorrência anexado ao processo descrevendo provável furto e violência contra mulher no período em que prestou os serviços”.
Para o julgador, embora a tese da defesa tenha sido no sentido do treinamento e da orientação da equipe quanto às regras de segurança, nenhuma prova da alegada capacitação veio aos autos. Dessa forma, o relator entendeu que a função desenvolvida pela cuidadora a colocava em condição de vulnerabilidade e susceptibilidade a infortúnios se comparada a outras, caracterizando risco potencial.
O desembargador esclareceu, no entanto, que “não se está a exigir que a empregadora, por não constituir estabelecimento de segurança propriamente dito, exerça controle rígido acerca das pessoas que nela ingressam”. Para o julgador, o que se espera é que seja assegurado um mínimo necessário de segurança dos seus trabalhadores e, consequentemente, do próprio convívio das assistidas em ambiente com melhores condições.
O empregador tem como dever de quem contrata trabalhadores adotar medidas que intensifiquem a segurança, principalmente para atividades em que há risco maior de violência, como foi constatado pelo desembargador no caso analisado. Conforme reiterou o magistrado, a testemunha declarou que as irregularidades contavam com a conivência da coordenação.
“Diante das provas, tem aplicação a teoria do risco, que consagra a responsabilidade objetiva da empregadora, com lastro no artigo 927, parágrafo único, do CC, e estabelece a reparação do dano, independentemente de culpa, quando a natureza da função desempenhada implicar risco maior à saúde e à integridade física dos empregados se comparado a outras atividades laborais, favorecendo a ação de aproveitadores, criminosos e oportunistas”, concluiu.
Assim, por entender que estavam presentes no caso os elementos necessários à caracterização da responsabilidade civil da empresa, manteve a indenização. Em relação ao montante devido, considerando a vigência do contrato de trabalho de 1º/3/2019 a 29/1/2020 e a regulamentação implementada pela Lei 13.467/2017, reduziu o valor da indenização para R$ 6.154,80, quantia correspondente a cinco vezes a última remuneração da cuidadora.
Processo
- PJe: 0010310-53.2020.5.03.0035