Para a 6ª Turma, a exigência, no caso, implica cerceamento do direito de defesa
A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho afastou a deserção do recurso ordinário de um servidor público federal de Jacarezinho (PR) que não pagara as custas processuais fixadas na sentença. O colegiado concluiu que, como o que estava em discussão no mérito do recurso era o próprio direito ao benefício da justiça gratuita, a exigência de recolhimento das custas caracteriza cerceamento do direito de defesa.
Mudança de regime inválido
Na reclamação trabalhista, o servidor pretende a condenação da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) ao recolhimento do FGTS na sua conta vinculada. Ele fora admitido em 1979, pela extinta Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam), sucedida pela Funasa, e alegava que a alteração de seu regime jurídico de celetista para estatutário, a partir de 1990, era inválida.
Ausência de preparo
O juízo da Vara do Trabalho de Jacarezinho (PR) considerou a Justiça do Trabalho incompetente para julgar o caso e rejeitou o pedido de concessão da justiça gratuita. Na sequência, o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (PR) rejeitou o recurso ordinário do empregado, que discutia o indeferimento do benefício, entre os demais pontos, por entender que era necessário o pagamento das custas processuais fixadas na sentença. De acordo com o TRT, o empregado fora intimado para comprovar o preparo do recurso no prazo de cinco dias, mas não o fez. Por isso, declarou a deserção.
Direito de defesa
A relatora do recurso de revista do servidor, ministra Kátia Arruda, assinalou que, se a discussão relativa ao direito à gratuidade de justiça é objeto do recurso ordinário, a declaração de deserção é equivocada. “A exigência do preparo está vinculada à própria análise do mérito, não havendo necessidade de comprovação do recolhimento das custas arbitradas no juízo de origem”, afirmou. Para a relatora, a medida, nessa circunstância, implica cerceamento do direito de defesa da parte.
Outro aspecto observado pela ministra é que, uma vez recolhidas as custas para a União, elas só podem ser devolvidas se o mérito do recurso for favorável e por meio de ação própria que não é da competência da Justiça do Trabalho. Nessas condições, o recolhimento prévio causaria prejuízo ao sustento do trabalhador e da sua família, o que é inadmissível na sistemática processual.
Teoria da causa madura
A ministra Kátia também avaliou que a causa tinha condições de ser julgada pelo TST (teoria da causa madura) e concedeu o benefício da justiça gratuita ao trabalhador, nos termos da Súmula 463 do TST, uma vez que ele firmara declaração de carência de recursos financeiros, e não havia prova em sentido contrário. Agora, o recurso ordinário do servidor será apreciado pelo Tribunal Regional.
O recurso ficou assim ementado:
I – AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. RECLAMANTE. LEI Nº 13.467/2017; TRANSCENDÊNCIA; INDEFERIMENTO DO BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA NA SENTENÇA. INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ORDINÁRIO PARA DISCUTIR A MESMA MATÉRIA. INEXIGÊNCIA DE RECOLHIMENTO DAS CUSTAS MESMO APÓS A INTIMAÇÃO PARA REALIZAR O PREPARO; 1 – Deve ser reconhecida a transcendência jurídica para exame mais detido da controvérsia devido às peculiaridades do caso concreto. O enfoque exegético da aferição dos indicadores de transcendência em princípio deve ser positivo, especialmente nos casos de alguma complexidade, em que se torna aconselhável o debate mais aprofundado do tema;2 – Aconselhável o processamento do recurso de revista, a fim de prevenir eventual violação do art. 5°, XXXV, da Constituição Federal;3 – Agravo de instrumento a que se dá provimento; II – RECURSO DE REVISTA. RECLAMANTE. LEI Nº 13.467/2017. INDEFERIMENTO DO BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA NA SENTENÇA. INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ORDINÁRIO PARA DISCUTIR A MESMA MATÉRIA. INEXIGÊNCIA DE RECOLHIMENTO DAS CUSTAS MESMO APÓS A INTIMAÇÃO PARA REALIZAR O PREPARO; 1 – No caso, o TRT não conheceu do recurso ordinário do reclamante, no qual se pretendia discutir o direito à concessão dos benefícios da justiça gratuita, por deserção, considerando que seria necessário o pagamento das custas processuais fixadas na sentença. Nesse sentido, registrou a Corte Regional que \”o pedido de concessão dos benefícios da justiça gratuita ao autor foi rejeitado, tendo o requerente sido intimado para, no prazo de cinco dias, comprovar nos autos o preparo, sob pena de deserção do recurso ordinário interposto, na forma do art. 99, § 7º, do CPC, bem como para os fins do art. 182-A do Regimento Interno desta E. Corte. No entanto, o autor deixou transcorrer in albis o prazo concedido (…). Assim, o recurso encontra-se deserto por ausência de recolhimento das custas processuais, não podendo ser admitido\” ; 2 – Diversamente do que entendeu o Tribunal Regional, se a controvérsia relativa ao direito à gratuidade de justiça consiste no objeto do recurso ordinário interposto pelo reclamante, o não conhecimento do recurso por deserção revela-se equivocado, pois a exigência do preparo está vinculada à própria análise do mérito, sendo desnecessária a comprovação do recolhimento das custas fixadas na sentença. Julgados. A exigência de prévio recolhimento das custas, quando se discute o próprio pedido de concessão do benefício da justiça gratuita no mérito do recurso, implica cerceamento do direito de defesa. Cumpre notar que as custas, uma vez recolhidas para a União, somente podem ser devolvidas ao jurisdicionado, caso lhe seja favorável o mérito do recurso, em ação própria que não é da competência da Justiça do Trabalho. Além disso, também caso lhe seja favorável o mérito do recurso, isso significa que o prévio recolhimento das custas ocorreria com prejuízo do seu sustento ou de sua família, algo inadmissível na sistemática processual; 3 – Logo, deve ser afastada a deserção declarada pelo TRT; 4 – O art. 1.013, § 3º, do CPC consagra a teoria da causa madura, que possibilita o julgamento do mérito pelo Colegiado ad quem sempre que a questão for somente de direito ou, quando de direito e de fato, a causa estiver preparada para esse fim, ainda que o juízo a quo não tenha se pronunciado sobre o mérito. Nesse contexto, passa-se à análise do pedido de concessão do benefício da justiça gratuita ao reclamante; 5 – A Lei nº 13.467/2017 alterou a parte final do § 3º e acresceu o § 4º do art. 790 da CLT, o qual passou a dispor que \”O benefício da justiça gratuita será concedido à parte que comprovar insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo\” ; 6 – Questiona-se, após essa alteração legislativa, a forma de comprovação de insuficiência de recursos para fins de obter o benefício da justiça gratuita no âmbito do Processo do Trabalho; 7 – Considerando-se a evolução legislativa e o teor dos arts. 1º da Lei n.º 7.115/83 e 99, § 3º, do CPC de 2015, plenamente aplicáveis ao Processo do Trabalho porque atualmente a CLT não possui disciplina específica, presume-se verdadeira e enseja a concessão dos benefícios da gratuidade de justiça a declaração de pobreza firmada pela pessoa natural ou por seu procurador com poderes específicos, nos termos do art. 105 do CPC de 2015; 8 – Assim, continua plenamente aplicável a Súmula nº 463, I, do TST, que, com a redação dada pela Resolução nº 219, de 28/6/2017, em consonância com o CPC de 2015, firmou a diretriz de que \”para a concessão da assistência judiciária gratuita à pessoa natural, basta a declaração de hipossuficiência econômica firmada pela parte ou por seu advogado\” ; 9- Harmoniza-se esse entendimento com o princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal), bem como com o princípio da igualdade (art. 5.º, caput, da Constituição Federal), pois não há fundamento de qualquer espécie que justifique a imposição de um tratamento mais rigoroso aos hipossuficientes que buscam a Justiça do Trabalho para a proteção de seus direitos, em relação àqueles que demandam em outros ramos do Poder Judiciário; 10 – Assim, havendo o reclamante prestado declaração de hipossuficiência e postulado benefício de justiça gratuita, à míngua de prova em sentido contrário, reputa-se demonstrada a insuficiência de recursos a que alude o art. 790, § 4º, da CLT; 11- Logo, o provimento do recurso de revista é medida que se impõe para afastar a deserção declarada pelo TRT e, aplicando a teoria da causa madura, conceder o benefício da justiça gratuita ao reclamante, determinado o retorno dos autos ao Tribunal Regional de origem para julgamento do recurso ordinário do reclamante, como entender de direito;12 – Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento.
A decisão foi unânime.
Processo: RR-775-26.2019.5.09.0017