Afastada condenação de supermercado por impedir entrada de empregado após demissão

A indenização havia sido deferida em ação inadequada para esse fim 

A Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho afastou a condenação da Líder Supermercados e Magazine Ltda., de Belém (PA), ao pagamento de R$ 300 mil de indenização por assédio moral a um empregado. A reparação havia sido deferida em reconvenção (pedido formulado por uma parte em ação ajuizada pela outra) numa ação de consignação originariamente ajuizada pela própria empresa, mas, segundo o colegiado, esse não é o meio processual adequado para discutir a matéria.

Ação de consignação

Em agosto de 2020, a empresa comunicou a dispensa, mas o empregado teria se recusado a aceitá-la e a cumprir o aviso-prévio. Segundo a Líder, ele continuou a trabalhar “como se nada tivesse acontecido”, levando-a a tomar medidas para impedir que sua entrada, sem permissão, nas suas dependências. Diante disso, ajuizou a ação de consignação para depositar, em juízo, as verbas rescisórias.

Reconvenção

O empregado, então, apresentou a reconvenção, instrumento utilizado no mesmo processo pelo réu para apresentar, além da contestação, pedidos contra a parte autora. Nela, pediu indenização, alegando ter sido vítima de assédio moral por três dos quatro sócios da empresa, com condutas como constrangimentos, falsa acusação de invasão de propriedade, produção de boletim de ocorrência, instauração de inquérito policial e ações judiciais.

Condenada

No primeiro grau, a empresa teve sua ação de consignação acolhida, com a extinção da reconvenção do empregado. Já o Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (PA/AP), reformando a sentença, acolheu a reconvenção e condenou a Líder ao pagamento de R$ 300 mil de indenização, por considerar demonstradas as humilhações.

Conexão

No recurso ao TST, a empresa sustentou que não havia conexão entre a ação de consignação e o pedido formulado na reconvenção. Defendeu, ainda, que a demissão se inseria no poder diretivo do empregador e não configurava ato discriminatório nem assédio moral. Segundo a Líder,  o empregado fora apenas convidado a prestar esclarecimentos pelo fato de frequentar suas dependências mesmo após ter sido despedido, e, diante de sua resistência, apenas encaminhara a situação às autoridades competentes.

Dispensa válida

O relator do recurso de revista, ministro Ives Gandra, assinalou que a ação de consignação não é o âmbito para discutir validade da demissão e o dano moral dela decorrente. Haveria, no caso, uma impropriedade do meio processual. Segundo ele, a validade da dispensa só poderia ser discutida numa reclamação trabalhista, uma vez que a reconvenção em ação de consignação deve se restringir à matéria objeto do pedido – no caso, o depósito em juízo das verbas rescisórias.

Para o relator, a condenação por danos morais estava “umbilicalmente” ligada à validade da dispensa. “Se a despedida foi válida, as medidas adotadas pela Líder também o são, não constituindo assédio, mas defesa de seu direito de dispensa e de propriedade”, acentuou.

O recurso ficou assim ementado:

I) AGRAVOS DE INSTRUMENTO OBREIRO E PATRONAL – INTRANSCENDÊNCIA DAS MATÉRIAS DISCUTIDAS – DESPROVIMENTO.

Constituem parâmetros da transcendência do recurso de revista (CLT, art. 896-A, § 1º) a novidade da matéria (jurídica – inciso IV), a contrariedade a súmula do TST ou do STF (política – inciso II) ou a dispositivo constitucional garantidor de direito social (social – inciso II), e o elevado valor da causa (econômica – inciso I). No caso das matérias discutidas nos agravos de instrumento obreiro (responsabilidade solidária dos sócios da empresa) e patronal (negativa de prestação jurisdicional, julgamento “extra petita”, interesse de agir, desfundamentação de recurso ordinário e ofensa à coisa julgada), não se vislumbra o atendimento de nenhum desses critérios, razão pela qual não se reconhece a transcendência dos agravos, nos termos do art. 896-A, § 4º, da CLT.

Agravos de instrumento desprovidos .

II) RECURSO DE REVISTA PATRONAL – RECONVENÇÃO EM AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO – DISCUSSÃO EM TORNO DE DANO MORAL – IMPROPRIEDADE DO MEIO PROCESSUAL E NÃO CONFIGURAÇÃO DO ASSÉDIO MORAL – TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA E VIOLAÇÃO DO ART. 5º, V, DA CF – PROVIMENTO.

1. A reconvenção em ação de consignação em pagamento tem seu âmbito cognitivo restrito à matéria objeto do pedido.

2. No caso dos autos, a sentença acolheu a consignatória, deferindo a consignação das verbas rescisórias, e extinguiu a reconvenção, na qual se postulava indenização por assédio moral. O Regional, após extinguir a consignatória, deferiu a reconvenção e impôs a condenação à Consignante por danos morais no valor de R$ 300.000,00. O recurso de revista, quanto à reconvenção, não atacou seu cabimento para discutir tal matéria, mas apenas sustentou a não configuração do dano.

3. Se, por um lado, a reconvenção para discutir dano moral era incabível, por outro, a Empresa Consignante não veiculou tal tese em sua revista. No entanto, quanto ao mérito da reconvenção, razão lhe assiste, em face da não configuração do alegado assédio moral. Isto porque, na hipótese dos autos, a discussão em torno do assédio moral estava umbilicalmente ligada à validade, ou não, da dispensa do Empregado Consignado, e a descrição fática do acórdão regional, aponta, aparentemente, para a validade da dispensa, uma vez que foi determinada pela maioria dos sócios de uma empresa familiar (3 de 4). Assim, as medidas judiciais e extrajudiciais adotadas pelos referidos sócios, no sentido de impedir a entrada do Empregado nas dependências da Empresa, não constituem assédio moral, mas legítimo exercício de direito. Portanto, não poderia o Regional, sem declarar a invalidade da dispensa, considerar configurado o assédio moral com as medidas adotadas pela Empresa.

4. Assim sendo, merece conhecimento e provimento o recurso de revista patronal, reconhecida a transcendência jurídica da causa (CLT, art. 896-A, § 1º, IV) e a violação do art. 5º, V, da CF, para considerar não demonstrado o dano moral e julgar improcedente a reconvenção.

Recurso de revista provido.

A decisão foi unânime.

Processo: RRAg-540-94.2020.5.08.0003

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