Acórdão que confirma sentença condenatória também interrompe prescrição, define Terceira Seção em repetitivo

Sob o rito dos recursos especiais repetitivos (Tema 1.100), a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu a tese de que o acórdão que confirma a sentença condenatória – seja mantendo, reduzindo ou aumentando a pena anteriormente imposta – tem o efeito de interromper a prescrição.

O julgamento confirmou a interpretação que o STJ vinha dando ao inciso IV do artigo 117 do Código Penal, e agora o precedente qualificado deverá orientar os tribunais de todo o país na solução de casos idênticos.

Nos termos do artigo 117, inciso IV, do CP – com redação dada pela Lei 11.596/2007 –, o curso da prescrição é interrompido, entre outros fatos, pela publicação da sentença ou do acórdão condenatórios recorríveis. Um dos recursos julgados como repetitivos – o REsp 1.930.130 – questionava decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que considerou que o acórdão confirmatório de decisão condenatória não interromperia a prescrição, mas apenas o acórdão que reforma decisão absolutória ou que agrava a situação do réu.

Evolução jurisprudencial do STJ e do STF

Os recursos repetitivos tiveram a relatoria do ministro João Otávio de Noronha. Em seu voto, ele explicou que, anteriormente, o STJ possuía o entendimento de que o acórdão confirmatório da condenação, de fato, não era novo marco interruptivo da prescrição. Segundo a posição anterior do tribunal, o efeito interruptivo acontecia apenas quando o acórdão condenava o réu absolvido em primeiro grau.

Com o tempo, apontou o ministro, o STJ, em consonância com o Supremo Tribunal Federal (STF), adotou o entendimento de que, após a publicação da sentença condenatória, o acórdão confirmatório da condenação é outro marco interruptivo da prescrição, ainda que ele apenas mantenha a decisão de primeiro grau.

Contudo, em respeito ao princípio da irretroatividade da lei penal, o relator ponderou que o entendimento atual do STJ só é aplicável aos crimes cometidos após as alterações trazidas pela Lei 11.596/2007, ou seja, se o delito for anterior à vigência da lei, aplica-se a jurisprudência anterior, segundo a qual a prescrição não é interrompida pelo acórdão que meramente confirma a sentença condenatória.

Relator analisou a questão a partir de diferentes métodos interpretativos

Para analisar a controvérsia e fixar a tese repetitiva, o ministro Noronha aplicou ao tema os métodos gramatical, interpretativo histórico, interpretativo sistemático e finalístico.

Sob a perspectiva interpretativa gramatical, o relator afirmou que, no texto do artigo 117, inciso IV, do CP (“pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis”), a referência a acórdão condenatório abarca também a decisão que confirma a condenação de primeiro grau.

“Ora, se fosse intenção do legislador que tal acórdão condenatório substituísse sentença absolutória, ele se teria utilizado de outros termos, por exemplo, ‘sentença condenatória ou acórdão condenatório após sentença absolutória'”, completou.

Segundo Noronha, se o dispositivo legal não distingue acórdão condenatório de acórdão confirmatório de sentença condenatória, é apropriado definir acórdão condenatório como a decisão que tem a capacidade de ser marco interruptivo do prazo prescricional.

“Portanto, na perspectiva do contexto gramatical, não são necessários contorcionismos interpretativos para se concluir que referida expressão indica um comando condenatório emanado do Poder Judiciário, não havendo, nessa modalidade interpretativa, nenhuma inidoneidade”, afirmou.

Projeto da Lei 11.596/2007 foi claro ao buscar estabelecer novo marco para a prescrição

Sob o método interpretativo histórico, Noronha apontou que a justificativa do projeto que levou à edição da Lei 11.596/2007 foi clara quanto ao propósito de criar um novo marco interruptivo da prescrição. A intenção, disse, foi eliminar o risco de prescrição intercorrente ou superveniente causado por recursos meramente protelatórios.

Segundo o prisma da interpretação sistemática, o relator enfatizou que, no ordenamento jurídico brasileiro, o acórdão tem o efeito de substituir a sentença, adquirindo carga condenatória mesmo quando confirma a sentença no mesmo sentido, de forma a legitimar o dispositivo legal que possibilita a interrupção do prazo prescricional.

Por fim, de acordo com o método finalístico, Noronha sublinhou que é necessário garantir ao Estado tempo razoável para o exercício do poder-dever de punir aqueles que descumprem a lei penal.

“Considerados todos os fatos, o que se infere é que, com a criação de novo marco interruptivo da prescrição, buscou-se equilibrar o interesse e as garantias individuais do acusado e assegurar o interesse da sociedade, evitando-se a impunidade e a falta de credibilidade dos serviços judiciais”, concluiu o ministro.

O recurso paradigma ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. DIREITO PENAL. PRESCRIÇÃO. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DE APELAÇÃO. ACÓRDÃO CONDENATÓRIO. MARCO INTERRUPTIVO DO PRAZO PRESCRICIONAL. ALTERAÇÃO PROMOVIDA NO ART. 117, IV, DO CP PELA LEI N. 11.596/2007. INTERPRETAÇÃO GRAMATICAL, HISTÓRICA, SISTEMÁTICA E FINALÍSTICA. LEGALIDADE. CASO CONCRETO. OBSERVÂNCIA DA PRESCRIÇÃO SUPERVENIENTE.
1. Não se vê impropriedade, sob o prisma da interpretação gramatical, na conclusão de que as disposições normativas do art. 117, IV, do CP objetivam que o acórdão condenatório proferido na primeira instância recursal em apelação interposta contra a sentença condenatória seja causa interruptiva da prescrição.
2. Segundo interpretação de lei pelo método histórico, é idôneo o entendimento de que a alteração promovida no art. 117, IV, do CP pela Lei n. 11.596/2007 visou adicionar nova causa de interrupção da prescrição superveniente, a saber, a publicação do acórdão condenatório em primeira instância recursal, e, desse modo, evitar que recursos meramente protelatórios alcançassem o lapso prescricional.
3. A alta carga de substitutividade, translatividade e devolutividade inerente ao recurso de apelação propicia que o acórdão condenatório resultante de seu julgamento, ainda que confirmatório de sentença condenatória, seja hábil para sucedê-la, de modo que, sob o aspecto sistemático-processual, não se percebe incompatibilidade sistêmica que impossibilite que ele constitua marco interruptivo prescricional, nem mesmo sob o aspecto de postulados inerentes ao Direito Penal relacionados à obrigatoriedade de clareza e precisão de uma norma penal.
4. Em notório cenário em que o sistema recursal propicia elevada recorribilidade com fins procrastinatórios, de modo a ensejar a não punibilidade do acusado, é legítimo, segundo interpretação finalística, instituir como marco prescricional a data de publicação de acórdão condenatório resultante da interposição de apelação contra sentença condenatória, visto que impede o fomento da impunibilidade e, por conseguinte, o descrédito do Poder Judiciário.
5. Na resolução do caso concreto, embora se deva observar a interrupção do prazo prescricional pelo acórdão que confirmou a sentença condenatória, deve o órgão julgador observar a possibilidade de incidência da prescrição intercorrente.
6. Tese jurídica: O acórdão condenatório de que trata o inciso IV do art. 117 do Código Penal interrompe a prescrição, inclusive quando confirmatório de sentença condenatória, seja mantendo, reduzindo ou aumentando a pena anteriormente imposta.
7. Recurso especial provido para fixar o entendimento de que também o acórdão confirmatório da sentença condenatória constitui marco interruptivo do lapso prescricional e, de ofício, decretar a prescrição.

Leia o acórdão no REsp 1.930.130.

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