Servidor do IML será indenizado por ter desenvolvido transtornos mentais, decide TJSC

Ele realizava necropsias, exumações, transporte e reconstituições de cadáveres mutilados, entre outras atividades inerentes ao cargo de auxiliar de necropsia no Instituto Médico Legal (IML) de uma cidade do litoral catarinense. Fez esse trabalho durante anos. Porém, de acordo com os autos, ele não tinha qualificação técnica, treinamento específico ou qualquer preparação psicológica. Na verdade, ele era comissário de polícia.

Em 2010, o homem entrou na Justiça com pedido de indenização por danos morais contra o Estado e contra o Instituto de Previdência do Estado (Iprev), sob alegação de que o trabalho no IML desencadeou um transtorno mental incapacitante, a ponto dele precisar se aposentar por invalidez. Em primeira instância, o servidor venceu a causa e a indenização ficou estipulada em R$ 40 mil.

Mas o Estado recorreu, com o argumento de que o problema de saúde não teve origem profissional. Argumentou ainda que a lotação do servidor no IML ocorreu por livre vontade e que o Estado prestou toda assistência ao longo da doença, com pagamento de adicional de insalubridade e concessão de licença médica por três anos.

Ao analisar a matéria, a 5ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de Santa Catarina entendeu que “o trabalho no IML não foi a única causa do distúrbio, mas foi uma concausa importante”. Ficaram evidenciadas, para os magistrados, a imprudência e a negligência do ente público, que não ofereceu o treinamento necessário nem um ambiente de trabalho adequado.

Como mostra o processo, o servidor não pôde gozar de licenças-prêmio, realizava plantões noturnos sozinho nas dependências do IML e, por falta de pessoal, tinha que laborar horas extras para dar conta do trabalho. Isso teria contribuído para a alienação mental.

Sempre conforme os autos, em determinado ano, dois funcionários do IML cometeram suicídio e o próprio autor desta ação efetuou a necropsia dos colegas. Em seguida, ele também tentou o suicídio. Há no processo um parecer da própria Administração afirmando “existir no setor do IML quadro epidemiológico que culminou com o suicídio de dois colegas e na tentativa do próprio servidor”.

De acordo com o desembargador Vilson Fontana, relator da apelação cível, “os transtornos que acometem o autor têm origem básica em fatores constitucionais na formação da sua personalidade. Contudo, condições laborativas, no ambiente de necrotério e de necrópsia no qual trabalhou, sem maior formação e preparo para tanto, foram fator de agravamento dos mecanismos já problemáticos de sua personalidade e no desencadeamento de sintomas psicóticos transitórios”.

O relator ressaltou que transtorno mental incapacitou o autor somente para o exercício da função pública, mas ele mantém a capacidade civil, a independência, os relacionamentos e o exercício de atividades diárias. Com isso, Fontana estipulou a indenização em R$ 25 mil. Com a correção e juros a partir da data do evento danoso – março de 2007 -, o valor será expressivamente maior. Além do relator, participaram do julgamento a desembargadora Denise de Souza Luiz Francoski e o desembargador Arthur Jenichen Filho. O acórdão foi publicado no dia 3 de junho .

O recurso ficou assim ementado:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. COMISSÁRIO DE POLÍCIA QUE ATUOU EM DESVIO DE FUNÇÃO JUNTO AO IML/IGP. DESENVOLVIMENTO DE TRANSTORNO MENTAL INCAPACITANTE. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DO ESTADO.
ALEGADA AUSÊNCIA DE ORIGEM PROFISSIONAL. PERÍCIA JUDICIAL QUE INDICA A EXISTÊNCIA DE CONCAUSA. TRABALHO QUE AGIU COMO PROVOCADOR DE DISTÚRBIO LATENTE. NEXO DE CAUSALIDADE CONFIGURADO. LOTAÇÃO VOLUNTÁRIA DO SERVIDOR NO IGP E AUSÊNCIA DE PEDIDO DE ALTERAÇÃO. IRRELEVÂNCIA. IMPRUDÊNCIA E NEGLIGÊNCIA DO ESTADO EVIDENCIADAS. FALTA DE TREINAMENTO PARA ATUAÇÃO NO IML E AMBIENTE DE TRABALHO INADEQUADO. ASSISTÊNCIA AO SERVIDOR AO LONGO DA DOENÇA QUE NÃO EXCLUI A RESPONSABILIDADE DO ESTADO. INFLUÊNCIA SOMENTE NO VALOR DA INDENIZAÇÃO.
QUANTUM INDENIZATÓRIO (R$ 40.000,00 – QUARENTA MIL REAIS). VALOR EXCESSIVO. TRANSTORNO MENTAL QUE SOMENTE INCAPACITA O AUTOR PARA O EXERCÍCIO DA FUNÇÃO PÚBLICA. MANTIDA A CAPACIDADE CIVIL, INDEPENDÊNCIA, RELACIONAMENTOS E EXERCÍCIO DE ATIVIDADES DIÁRIAS. DESVIO DE FUNÇÃO QUE TEVE MENOR CONTRIBUIÇÃO PARA O DESENCADEAMENTO DA DOENÇA DO QUE FATORES PREEXISTENTES. REDUÇÃO DA INDENIZAÇÃO PARA R$ 25.000,00 (VINTE E CINCO MIL REAIS). VALOR RAZOÁVEL E PROPORCIONAL AO DANO MORAL SUPORTADO PELO AUTOR E AO GRAU DE RESPONSABILIDADE DA ADMINISTRAÇÃO.
JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. ADEQUAÇÃO À DECISÃO DO STF NO RE 870947, COM REPERCUSSÃO GERAL. JUROS APLICÁVEIS À CADERNETA DE POUPANÇA A PARTIR DA VIGÊNCIA DO ART. 1º-F DA LEI N. 9.494/1997, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 11.960/2009. CORREÇÃO MONETÁRIA PELO INPC. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

Apelação Cível n. 0040700-57.2010.8.24.0023

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