Licença não remunerada de cargo público não afasta incompatibilidade com atividade cartorária

A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão que autorizava um candidato a assumir atividade cartorial enquanto estava em licença não remunerada do cargo de analista legislativo no Senado Federal. O colegiado entendeu que o afastamento do servidor não é suficiente para contornar a vedação de acumulação de cargos prevista no artigo 25 da Lei 8.935/1994.

O caso diz respeito a um candidato aprovado em concurso para cartório que, por meio de mandado de segurança, assumiu a serventia enquanto desfrutava de licença do serviço público no Senado.

O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) concedeu o mandado de segurança para que o candidato assumisse o novo posto sem a necessidade de se exonerar do cargo de analista legislativo, entendendo que seria suficiente a licença para trato de interesse particular enquanto o concurso estivesse sub judice. Após o vencimento da licença, o candidato deveria pedir o desligamento definitivo do Senado para permanecer na serventia, sob pena de acumulação indevida.

Segundo o entendimento do tribunal sul-mato-grossense, a licença gera o afastamento do servidor, sem a percepção da respectiva remuneração, assim como o afastamento de seu exercício, desvinculando a ideia de acumulação de cargos.

Contrário à decisão do TJMS, o Estado de Mato Grosso do Sul argumentou que, se o candidato ostenta a titularidade de servidor público federal, não pode acumular o cargo com o exercício de atividade notarial, de acordo com o artigo 25 da Lei 8.935/1994 (Lei dos Cartórios).

O recorrente afirmou que o acórdão conferiu caráter definitivo a uma situação jurídica temporária e que a licença na forma do artigo artigo 91 da Lei 8.112/1990 não tem caráter definitivo, possuindo, no máximo, três anos de validade, sem possibilidade de prorrogação.

Acumulação impossível

O artigo 236 da Constituição Federal normatizou as mudanças no sistema vigente de serventias extrajudiciais, sendo regulamentado pelo artigo 25 da Lei 8.935/94, o qual, “de modo expresso, estabelece a impossibilidade de se acumular o exercício da atividade notarial e de registro com qualquer cargo, emprego ou função públicos, ainda que em comissão”, frisou o ministro Sérgio Kukina, relator do recurso no STJ.

Além disso, o relator lembrou que a licença não tem força para desligar definitivamente o candidato do seu cargo público – o que só é possível pela exoneração, como previsto nos artigos 33 e 34 da Lei 8.112/1990 – e que, mesmo no caso de licença sem remuneração, ela impede a administração pública de prover o cargo.

Para o ministro, o fato de o concurso estar sob discussão judicial não autoriza a compreensão de que a exigência legal possa ser mitigada, visto que “a eventual anulação do concurso ou a perda da serventia escolhida encerram possibilidades que decorrem da pessoal opção feita pelo impetrante, a qual, por certo, não se pode sobrepor ao interesse público orientado em prol do correto preenchimento, tanto de serventias quanto de cargos públicos”.

Por unanimidade, o colegiado do STJ reformou o acórdão e denegou o mandado de segurança.

O recurso ficou assim ementado:

ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO. RECURSO ESPECIAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. VIOLAÇÃO AOS ARTS. ARTS. 1.022, II, PARÁGRAFO ÚNICO, II E 489, § 1º, IV DO CPC⁄2015. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL NÃO CONFIGURADA. CANDIDATO APROVADO EM CONCURSO PÚBLICO PARA PROVIMENTO DE SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. PRETENSÃO DE POSSE NA SERVENTIA SEM A NECESSIDADE DA EFETIVA EXONERAÇÃO DO CARGO PÚBLICO CONCOMITANTEMENTE OCUPADO PELO IMPETRANTE. LICENÇA NO CARGO PÚBLICO QUE NÃO ENSEJA O INGRESSO NA ATIVIDADE CARTORIAL. EXEGESE DO ART. 25 DA LEI 8.935⁄94. PRECEDENTES DO STJ E DO STF.
1. O art. 25, caput e parágrafo único, da Lei 8.935⁄1994 (que “Regulamenta o art. 236 da Constituição Federal, dispondo sobre serviços notariais e de registro”), de modo expresso, estabelece a impossibilidade de se acumular o exercício da atividade notarial e de registro com qualquer cargo, emprego ou função públicos, ainda que em comissão.
2. Para fins de caracterização de indevida acumulação com a atividade cartorial, basta a comprovação de que houve a posse em cargo público, donde se conclui que a licença não remunerada do servidor não tem o condão de afastar a vedação de acumulação em tela.  Precedentes: STJ – RMS 57.573⁄BA, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe 20⁄08⁄2018; STJ, RMS 50.731⁄PB, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe 28⁄10⁄2016; STF – MS 27.955 AgR, Rel. Ministro ROBERTO BARROSO, PRIMEIRA TURMA, DJe 04⁄09⁄2018).
3. Recurso especial do Estado de Mato Grosso do Sul conhecido e provido, com a conseqüente denegação da segurança.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1742926

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