Restrição a consignado quando soma da idade com prazo do contrato supera 80 anos não é discriminatória

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que não caracteriza discriminação abusiva a prática das instituições financeiras de impor restrições ao empréstimo consignado quando a soma da idade do cliente com o prazo do contrato for maior que 80 anos.

A decisão teve origem em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) contra a Caixa Econômica Federal (CEF), com pedido para que fosse retirado dos manuais normativos do banco o dispositivo que limita a contratação ou renovação de empréstimos consignados nas situações em que a soma da idade do tomador com o prazo da operação ultrapassar os 80 anos. Para o MPF, a previsão é discriminatória e fere o artigo 96 do Estatuto do Idoso.

A CEF alegou que a medida tem o objetivo de proteger a população idosa do superendividamento, dados a facilidade de acesso ao empréstimo consignado e o caráter irrevogável da operação. Além disso, o banco ressaltou que disponibiliza outras opções de acesso ao crédito para aposentados.

Dignidade

Ao apresentar seu voto, a relatora do processo, ministra Nancy Andrighi, destacou que o bem tutelado no caso é a dignidade da pessoa idosa, de forma que quaisquer condutas baseadas em mecanismos de constrangimento, exclusivamente pautadas na idade avançada, devem ser repelidas. “Somente o comportamento que se reveste dessa intencionalidade ilícita será objeto do grave controle normativo criminal”, ponderou ela.

Entretanto, a magistrada apontou que a restrição na contratação de empréstimo, apenas na modalidade consignado, não representa discriminação negativa que coloque em desvantagem exagerada a população idosa, a qual pode se socorrer de outras formas de acesso ao crédito bancário.

“A adoção de critério etário para distinguir o tratamento da população em geral é válida quando adequadamente justificada e fundamentada no ordenamento jurídico, sempre atentando-se para a sua razoabilidade diante dos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana”, declarou a ministra.

Fatores justificáveis

Ratificando os argumentos do tribunal de origem, a relatora ressaltou que aceitar a restrição na concessão de empréstimo consignado não constitui causa de discriminação ou desrespeito à pessoa unicamente por sua condição de idosa, “mas o reconhecimento de outros fatores justificáveis e razoáveis da limitação ao crédito perante o mercado em geral”.

“Os elementos admitidos como fator de discriminação – idade do contratante e prazo do contrato – guardam correspondência lógica abstrata entre o fator colocado na apreciação da questão (discrímen) e a desigualdade estabelecida nos diversos tratamentos jurídicos, bem como há harmonia nessa correspondência lógica com os interesses constantes do sistema constitucional e assim positivados (segurança e higidez do sistema financeiro e de suas instituições individualmente consideradas)”.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. REJEITADA. COMPREENSÃO DA PESSOA IDOSA COMO REALIDADE BIOLÓGICA E CULTURAL. OPERAÇÕES FINANCEIRAS. RACIONALIDADE TÉCNICO-FUNCIONAL. LIMITES. CONTROLE NORMATIVO DE RAZOABILIDADE ETICAMENTE DENSIFICADA. AVALIAÇÃO DAS RAZÕES QUE JUSTIFICAM O TRATAMENTO DIFERENCIADO. SUPERENDIVIDAMENTO. LIMITE DE OPERAÇÕES POR CLIENTE. ALTERNATIVAS FINANCEIRAS ALÉM DO EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. CONDUTA ABUSIVA DO BANCO. NÃO CONFIGURADA. RISCOS COMPREENDIDOS. JUSTIFICAÇÃO RAZOÁVEL DA LIMITAÇÃO CONTRATUAL.
1. Ação ajuizada em 30⁄06⁄16. Recurso especial interposto em 16⁄08⁄18 e concluso ao gabinete em 12⁄12⁄18.
2. O propósito recursal consiste em dizer da negativa de prestação jurisdicional pelo Tribunal de origem e se existe discriminação abusiva de idosos na restrição ao empréstimo consignado em instituição financeira quando a soma da idade do cliente com o prazo do contrato for maior que 80 anos.
3. A linha de raciocínio do Tribunal de origem não contém vício de julgamento nem representa negativa de prestação jurisdicional, pois apenas importa conteúdo contrário aos interesses da parte recorrente, insuficiente a caracterizar qualquer hipótese do art. 1.022, II, do CPC, tampouco violação do art. 489, §1º, VI, do CPC.
4. A partir da reflexão sobre o valor humano no tratamento jurídico dos conflitos surgidos na sociedade diante do natural e permanente envelhecimento da população, torna-se imprescindível avaliar também sobre a racionalidade econômica e suas intencionalidades de eficiência pragmática na organização da comunidade, por vezes, (con)fundida com a ética utilitarista de “garantir a cada um o máximo possível”.
5. Indispensável compreender a velhice em sua totalidade, como fato biológico e cultural, absorvendo a preocupação assinalada em âmbito internacional (v.g. Plano de Ação Internacional sobre o Envelhecimento, fruto da Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, da Organização das Nações Unidas) e nacional (sobretudo o Estatuto do Idoso) de respeito e valorização da pessoa idosa.
6. A adoção de critério etário para distinguir o tratamento da população em geral é válida quando adequadamente justificada e fundamentada no Ordenamento Jurídico, sempre atentando-se para a sua razoabilidade diante dos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana.
7. O próprio Código Civil se utiliza de critério positivo de discriminação ao instituir, por exemplo, que é obrigatório o regime da separação de bens no casamento da pessoa maior de 70 anos (art. 1.641, II).
8. A instituição financeira declinou as razões acerca da realidade de superendividamento da população idosa, da facilidade de acesso ao empréstimo consignado e o caráter irrevogável da operação, ao mesmo tempo em que registrou disponibilizar outras opções de acesso ao crédito em conformidade aos riscos assumidos na sua atividade no mercado financeiro.
9. O critério de vedação ao crédito consignado – a soma da idade do cliente com o prazo do contrato não pode ser maior que 80 anos – não representa discriminação negativa que coloque em desvantagem exagerada a população idosa que pode se socorrer de outras modalidades de acesso ao crédito bancário.
10. Recurso especial conhecido e não provido.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1783731

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