Investigação sob responsabilidade de autoridades públicas não pode ser baseada unicamente em denúncia anônima

Decisão do ministro Celso de Mello aplica jurisprudência do Supremo no sentido da inviabilidade de abertura de investigação com base em delação anônima.

O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), manteve acórdão do Tribunal de Justiça de Sergipe (TJ-SE) que estabelece a impossibilidade de a ouvidoria daquele órgão dar andamento a reclamação contra magistrado unicamente com base em denúncia anônima. Ao negar provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 1193343, interposto pelo Estado de Sergipe contra o acórdão do TJ-SE, o decano do STF destacou que as autoridades públicas não podem iniciar investigação com único suporte informativo em peças apócrifas ou escritos anônimos.

“Reveste-se de legitimidade jurídica a recusa do órgão estatal em não receber peças apócrifas ou reclamações ou denúncias anônimas, para efeito de instauração de procedimento de índole administrativo-disciplinar e/ou de caráter penal, quando ausentes as condições mínimas de sua admissibilidade”, afirmou. Na decisão, o relator citou a Resolução 103/2010 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a qual prevê, no artigo 7º, inciso III, que não serão admitidas pelas Ouvidorias do Judiciário reclamações, críticas ou denúncias anônimas.

Segundo o ministro Celso de Mello, nada impede, contudo, que o Poder Público, provocado por delação anônima, adote medidas destinadas a apurar, previamente, “com prudência e discrição”, a possível ocorrência de eventual situação de ilicitude disciplinar e/ou penal. No entanto, o decano ressaltou que isso deve ser feito com o objetivo de conferir a verossimilhança dos fatos nela denunciados, para promover, em caso positivo, a formal instauração da investigação, mantendo-se, assim, completa desvinculação desse procedimento em relação às peças apócrifas.

O relator apontou que o dispositivo constitucional (artigo 5º, inciso IV) que proíbe o anonimato traduz medida destinada a desestimular manifestações abusivas do pensamento, de que possa decorrer dano ao patrimônio moral das pessoas injustamente desrespeitadas em sua esfera de dignidade, qualquer que seja o meio utilizado na veiculação das imputações ofensivas. “Visa-se, em última análise, a possibilitar que eventuais excessos, derivados da prática do direito à livre expressão, sejam tornados passíveis de responsabilização, a posteriori, tanto na esfera civil, quanto no âmbito penal”, explicou.

De acordo com o ministro, o acórdão do TJ-SE está em conformidade com a jurisprudência do Supremo sobre o matéria. Nesse sentido, ele citou, entre outras, decisão da Primeira Turma no Agravo de Instrumento (AI) 725700, na qual se assentou a inviabilidade de recurso extraordinário contra ato de tribunal que determina o arquivamento de investigação criminal baseada em denúncia anônima.

Processo relacionado: RE 1193343

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