A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) que negou pedido de reintegração de posse de servidão de passagem no qual os autores alegaram que o comprador de terreno vizinho fechou a passagem indevidamente.
No entendimento da Terceira Turma, a abertura de nova estrada pelo recorrido, retirando a utilidade da servidão anterior sem atrapalhar a passagem dos autores da ação (fato superveniente ao ajuizamento da possessória), foi corretamente considerada pelo TJSC ao negar o pedido de reintegração.
Para acessar sua residência, os autores da ação utilizavam um caminho que dividia em duas partes outro terreno, posteriormente comprado pelo recorrido. Interessado em unificar a propriedade, o comprador fechou a passagem – motivo pelo qual os vizinhos ajuizaram a ação de reintegração de posse –, mas, em substituição ao caminho anterior, ele construiu uma via alternativa contornando sua gleba por um dos lados.
Em primeiro grau, o juiz julgou procedente o pedido dos requerentes. Entretanto, em segunda instância, o TJSC deu provimento à apelação, afirmando que a abertura de outra estrada na propriedade teria feito cessar a utilidade da antiga servidão.
Institutos diversos
Ao analisar o recurso apresentado pelos autores da ação de reintegração, a ministra Nancy Andrighi, relatora, fez uma distinção entre passagem forçada e servidão de passagem. Segundo a magistrada, apesar de ambas limitarem o uso pleno da propriedade, entre elas há uma diferença de origem e de finalidade.
A ministra explicou que a passagem forçada decorre diretamente da lei e tem a finalidade de evitar um dano, nas circunstâncias em que o imóvel se encontra sem acesso à via pública, o que impediria seu aproveitamento.
Já a servidão é criada, via de regra, por ato voluntário de seus titulares e, por meio dela, não se procura atender a uma necessidade imperativa, mas conceder uma facilidade maior ao chamado imóvel dominante.
Sem registro
Nancy Andrighi observou que o fato de não haver registro da servidão de passagem não inviabiliza a ação possessória. Segundo ela, a servidão não é presumida nem determinada por lei, mas decorre de ato voluntário, que pressupõe o registro no cartório de imóveis.
No entanto – esclareceu –, a jurisprudência passou a conferir proteção possessória às servidões de trânsito, conforme estabelece a Súmula 415 do Supremo Tribunal Federal (STF): \”Servidão de trânsito não titulada, mas tornada permanente, sobretudo pela natureza das obras realizadas, considera-se aparente, conferindo direito à proteção possessória\”.
No caso dos autos, a relatora esclareceu que os recorrentes eram os legítimos possuidores da servidão de passagem e que o recorrido impôs restrições ilegais à fruição da servidão – o que ensejaria, em tese, a procedência da proteção possessória.
Fato superveniente
Contudo, Nancy Andrighi apontou a necessidade de se apreciar, como fato superveniente, uma causa modificativa ou extintiva da servidão de passagem não titulada e aparente. De acordo com a ministra, conforme previsto no artigo 462 do Código de Processo Civil de 1973, é dever do julgador levar em consideração fatos supervenientes ao ajuizamento da ação que possam influir no julgamento do processo.
A relatora destacou que, conforme estabelecido no artigo 1.384 do Código Civil de 2002, para que o dono do imóvel serviente remova a servidão, essa remoção deve ser feita às suas custas e não pode diminuir as vantagens ao imóvel dominante, como ficou caracterizado nos autos.
\”A análise feita pelo tribunal de origem demonstra que todos os requisitos para a ocorrência de uma remoção de servidão foram devidamente preenchidos\”, afirmou a ministra.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. COISAS. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. SERVIDÃO DE PASSAGEM. NÃO TITULADA. APARENTE. PROTEÇÃO POSSESSÓRIA. FATO SUPERVENIENTE. REMOÇÃO DE SERVIDÃO. REQUISITOS LEGAIS. PREENCHIDOS. APRECIAÇÃO. POSSIBILIDADE.
1. Ação ajuizada em 17⁄05⁄2007. Recurso especial interposto em 28⁄01⁄2016 e atribuído a este gabinete em 18⁄10⁄2016.
2. O propósito recursal consiste em reconhecer ou não o direito dos Recorrentes relativos à posse sobre uma servidão de passagem instituída de forma aparente sobre imóvel do recorrido. Em especial, deve-se determinar se há possibilidade de, no bojo de ação possessória, discutir a remoção ou extinção de servidão de passagem não titulada, mesmo que apresentada como fato superveniente.
3. Conforme o teor da Súmula 415⁄STF: “Servidão de trânsito não titulada, mas tornada permanente, sobretudo pela natureza das obras realizadas, considera-se aparente, conferindo direito à proteção possessória”.
4. À luz do disposto no art. 462 do CPC⁄73, é dever do julgador tomar em consideração fatos supervenientes que influam no julgamento da lide, constituindo, modificando ou extinguindo o direito alegado, sob pena de a prestação jurisdicional se tornar desprovida de eficácia ou inapta à justa composição da lide
5. Da mesma forma que a usucapião pode ser arguida como matéria de defesa em ação possessória, nada obsta que a remoção da servidão, com o devido preenchimento dos requisitos legais, também seja apreciada pelo julgador.
6. Recurso especial não provido.
Leia o acórdão.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1642994