A 6ª Câmara Cível do TJRS, ao julgar um apelo contra sentença procedente, originária de Caxias do Sul, manteve Hígida a sentença prolatada na ação de indenização por danos morais, narra a autora: “ dirigiu-se até o supermercado réu e adquiriu um bolo (lua de mel baunilha). Após ingerir uma fatia da comida, se depara com uma barata viva saindo da embalagem. Junta vídeo. Afirma que o produto se encontrava embalado no momento da compra. Em contato com a ré, o mercado se prontificou em devolver o valor da compra para a demandante, mais o valor referente a corrida de Uber que iria buscar a autora em sua residência para que lhe fosse feito a restituição. Alega ter sofrido abalos e, por tal motivo, requer danos morais no valor de R$ 10.000,00”, Sobreveio sentença de parcial procedência.
O relator inicialmente assim se manifesta: “ Trata-se de recurso de apelação interposto pela parte ré contra a sentença que julgou procedente o pedido de indenização por danos morais formulado pela autora por suposta aquisição de produto alimentar com corpo estranho ao consumo, mais especificamente uma barata viva dentro do bolo comercializado pela ré. A demandada aduziu inexistir prova de que o corpo estranho estava de fato dentro da embalagem no momento da compra, bem da ingestão do produto, o que afastaria a tese de dano moral indenizável.
No presente caso, a mera alegação de não ter a autora ingerido, afastaria a caracterização de dano moral, não merece guarida conforme entendimento recente do STJ.
Após detida análise dos autos, tenho que não merece reforma a sentença. Comungo do entendimento de que a autora comprovou de forma satisfatória a sua exposição ao risco concreto de lesão à sua saúde e integridade física ou psíquica, independentemente da ingestão do bolo contaminado, o que, por si só, é bastante para ocasionar lesão moral.
Destaco que é irrelevante se houve violação da embalagem antes de o produto chegar no consumidor, pois que na cadeia de fornecedores há solidariedade, ao rigor da Lei.
Saliento que se cuida de dano moral in re ipsa, pois a sensação de nojo, o sentimento negativo que surge no consumidor, ao imaginar que poderia ter consumido o produto contaminado se não houve percebido o fato, a violação da segurança de consumo, tudo isso causa sofrimento, que deve ser indenizado na esfera moral.
Assim sendo, ingerido ou não o produto, a presença de corpo estranho, tal situação, por si só, não afasta o dever de indenizar apenas deve ser observado quando da fixação do quantum. Este é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, replicado pelo TJRS:
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANO MORAL. CONSUMIDOR. CORPO ESTRANHO. PRODUTO ALIMENTÍCIO. DEVER DE SEGURANÇA VIOLADO. INGESTÃO. DESNECESSIDADE. PRECEDENTES DO STJ. PREJUÍZO EXTRAPATRIMONIAL CONFIGURADO. 1. Hipótese em que as demandantes comprovaram que adquiriram produto alimentício fabricado pela empresa ré, contendo um corpo estranho (pena de ave) presa a um dos biscoitos da embalagem. Dever de segurança violado. 2. Para a configuração do dano moral, que na espécie é in re ipsa, desnecessário que haja a ingestão do alimento contaminado. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte. 3. O fato de uma das autoras ser menor impúbere, em tenra idade, não significa que não teve seus atributos de personalidades violados, notadamente o risco à sua saúde e integridade física, considerando a risco iminente de ingerir produto impróprio ao consumo. A ausência de total discernimento sobre a gravidade dos fatos está refletida no valor da indenização arbitrado em valor inferior em favor da incapaz, considerado aquele conferido à genitora. 4. O valor arbitrado na sentença – R$ 2.000,00 para a autora Viviane e R$ 1.000,00 para sua filha – mostra-se adequado, não merecendo qualquer modificação, estando em conformidade os parâmetros desta Corte. 5. Por fim, não há falar em decaimento da parte autora a justificar o arbitramento de honorários advocatícios em favor dos procuradores da ré como levado a efeito na sentença. Em se tratando de ação indenizatória, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca, conforme dispõe a Súmula n. 326 do STJ. Apelação das autoras provida no ponto. 6. Sucumbência invertida. Honorários recursais devidos. APELAÇÃO DA RÉ DESPROVIDA. APELAÇÃO DAS AUTORAS PARCIALMENTE PROVIDA.(Apelação Cível, Nº 50039497220218210026, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Cláudia Maria Hardt, Julgado em: 31-05-2023) grifei
APELAÇÕES CÍVEIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. MOLHO DE TOMATE COM CORPO ESTRANHO EM SEU INTERIOR. ALIMENTO IMPRÓPRIO PARA O CONSUMO. PRELIMINAR DE DECADÊNCIA AFASTADA. FATO DO PRODUTO EVIDENCIADO. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM INDENIZATÓRIO REDUZIDO. Inaplicável à hipótese o prazo do art. 26, I, do CDC1, pois não se trata de demanda que busca a reclamação por vícios aparentes ou de fácil constatação, mas de indenização em virtude da falha na prestação do serviço. A alegação inicial diz com acidente de consumo, pois adquirido produto contendo um corpo estranho em seu interior. Prova pericial que concluiu tratar-se de colônia de fungos desenvolvida dentro do sachê de molho pronto. Caso em que o acidente de consumo diz respeito também a possível má conservação do alimento no estabelecimento comercial (armazenamento e transporte), sendo que eventual responsabilidade pelo fato do produto pode ser imputada ao mercado corréu, ainda que identificado o fabricante. O produto alimentício com corpo estranho expõe o consumidor a risco de lesão à saúde, caracterizando danos morais ainda que não haja ingestão do alimento. Precedente do STJ. Hipótese em que não foi comprovada a ingestão do alimento. Embora tal aspecto não tenha o condão de afastar a indenização, deve ser considerado quando da quantificação do dano. Quantum indenizatório reduzido para R$ 1.000,00, considerando as particularidades do caso concreto e precedentes desta Câmara Cível. RECURSOS PROVIDOS EM PARTE. (Apelação Cível, Nº 50026641220148210019, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Túlio de Oliveira Martins, Julgado em: 26-04-2023) grifei”
Cumpre salientar que a própria ré reconheceu o fato, tanto que devolveu o dinheiro do produto, bem como as despesas com transporte para a autora proceder com o devolução do produto alimentício impróprio.
5053811-89.2023.8.21.0010