Seguradora responde solidariamente por danos em veículo sob guarda de oficina credenciada

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a responsabilidade solidária de seguradora de veículos em razão de furto de peça e avarias ocorridas nas dependências de oficina credenciada. O entendimento, que restabeleceu a sentença, foi proposto pelo relator do recurso, ministro Luis Felipe Salomão, e baseou-se no dever de cautela e na teoria da guarda.

Após o sinistro, o segurado levou seu caminhão para a primeira oficina indicada pela seguradora, onde seriam feitos os reparos necessários. Foi realizada uma vistoria e constatado que, a exceção das peças avariadas no acidente, todas as outras peças do caminhão se encontravam em perfeito estado.

Em razão do alto valor cobrado pelo serviço, o reparo não pôde ser realizado pela primeira oficina. O caminhão foi, então, levado para a segunda oficina, por indicação da seguradora, onde foi feita uma nova vistoria e constatado o desaparecimento do tacógrafo. Também foi verificado que o para-brisa traseiro estava quebrado.

O reparo, que estava contratualmente previsto para ser realizado em 30 dias, foi concluído em 102 dias. Diante disso, o segurado pediu ressarcimento dos danos causados e o pagamento de lucros cessantes pela demora no conserto do caminhão, que era seu instrumento de trabalho.

Responsabilização

A sentença concluiu que houve responsabilidade da seguradora pelo furto do tacógrafo e pelo dano causado ao para-brisa nas dependências da primeira oficina, condenando-a também ao pagamento de lucros cessantes.

O Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) reformou a sentença, afastando a responsabilidade da seguradora, pois concluiu que os danos causados ao caminhão deveriam ser custeados somente pela primeira oficina, que teria causado os prejuízos ao segurado.

No recurso especial, o segurado alegou que “não teve opção de escolha do local onde seriam feitos os reparos no veículo acidentado e que essa escolha ficou a cargo da seguradora”. Sustentou, ainda, que “a partir do momento em que o fornecedor toma para si, literalmente, o objeto mediato do contrato e o deposita em mãos de terceiro, sobretudo por ele escolhido, passa a ser o responsável pelo que venha a acontecer com esse objeto, porque essa responsabilidade se relaciona com a prestação do serviço contratado propriamente dito”.

Dever de guarda

Em seu voto, Salomão explicou que a responsabilidade do segurador, afirmada pelo recorrente, pelo furto e depredação do para-brisa “não se relaciona diretamente com o contrato de seguro”, mas sim com o “dever geral de cautela que se exige em relação aos bens de outrem”.

Segundo o ministro, o dever de cautela e a teoria da guarda são aplicados ao caso, conforme estabelece o artigo 629 do Código Civil, que trata da obrigação de restituir os bens da mesma forma em que foram entregues.

Para ele, “é nítida a responsabilidade da seguradora pela má escolha da concessionária credenciada”. Afirmou, ainda, que “o furto do tacógrafo e a destruição do para-brisa devem ser considerados má prestação do serviço, porque representaram falha na guarda do bem”.

De acordo com o relator, a responsabilidade da seguradora só seria afastada se a concessionária tivesse sido escolhida livremente pelo segurado, o que não ocorreu.

Lucros cessantes

Com relação aos lucros cessantes, Salomão esclareceu que a obrigação de serem pagos “se fundamenta, aqui sim, no descumprimento do contrato, verificado na imposição de prazo exagerado (102 dias) para reparo do sinistro, que teria levado, segundo as instâncias ordinárias, à impossibilidade de retomada de seu trabalho pelo segurado”. Devendo corresponder a 72 dias, prazo que extrapolou os 30 dias inicialmente previstos.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. SEGURO DE DANO. DANOS AO VEÍCULO SOB A GUARDA DA CONCESSIONÁRIA ESCOLHIDA PELA SEGURADORA. DANOS ORIUNDOS DA FALTA DE ZELO NA GUARDA DO VEÍCULO (FURTO DE PEÇA E DEPREDAÇÃO). RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA SEGURADORA. DEMORA INJUSTIFICÁVEL PARA DEVOLUÇÃO DO VEÍCULO. LUCROS CESSANTES DEVIDOS. JUROS MORATÓRIOS A PARTIR DA CITAÇÃO.

1. A seguradora de seguro de responsabilidade civil, na condição de fornecedora, responde solidariamente perante o consumidor pelos danos materiais decorrentes de defeitos na prestação dos serviços por parte da oficina que credenciou ou indicou, pois, ao fazer tal indicação ao segurado, estende sua responsabilidade também aos consertos realizados pela credenciada, nos termos dos arts. 7º, parágrafo único, 14, 25, § 1º, e 34 do Código de Defesa do Consumidor. (REsp 827.833⁄MG, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 24⁄4⁄2012, DJe 16⁄5⁄2012)

2. O credenciamento ou a indicação de oficinas e concessionárias como aptas à prestação do serviço necessário ao reparo do bem sinistrado ao segurado induz o consumidor ao pensamento de que a empresa escolhida pela seguradora lhe oferecerá serviço justo e de boa qualidade.

3. Nesse passo, considerando-se que, a partir do momento em que o bem segurado é encaminhado à oficina cadastrada da seguradora, vinculada a ela, deixa o segurado de ter qualquer poder sobre o destino daquele veículo, que sai de sua guarda e passa, ainda que indiretamente, para o controle da seguradora, afirma-se a responsabilidade desta, seja pela má escolha da concessionária credenciada, assim como pela teoria da guarda

4. A partir do momento em que o consumidor entrega seu veículo à concessionária para reparo, ele confia naquela empresa, tanto no que respeita aos serviços que serão prestados diretamente no bem, quanto à sua guarda e incolumidade, exsurgindo dessa constatação que o contrato de depósito se encontra unido ao de prestação de serviço, porque imprescindível a permanência do bem no estabelecimento onde se efetuarão os consertos.

5. O Código Civil, em seu artigo 629, estabelece de forma clara o dever de guarda sobre o objeto depositado, bem como sobre a obrigação de restituir o bem da mesma forma que foi deixado, ou seja, neste dispositivo resta incontroverso que a não devolução do objeto importará na incidência da responsabilidade civil.

6. No caso concreto, o furto do tacógrafo e a destruição do para-brisa devem ser considerados má prestação do serviço, porque representaram falha na guarda do bem, defeito na conservação do veículo, da qual não se pode descuidar a contratante na realização de sua prestação.

7. Já decidiu esta Corte que, descumprindo a seguradora o contrato, causando danos adicionais ao segurado, que por isso fica impossibilitado de retomar suas atividades normais, são devidos lucros cessantes. (REsp 593.196⁄RS, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, QUARTA TURMA, julgado em 04⁄12⁄2007, DJ 17⁄12⁄2007, p. 176)

8. Não se assemelham a exclusão dos lucros cessantes relativos ao prazo expressamente previsto em contrato como adequado e razoável ao reparo do veículo segurado, e a consideração dos lucros cessantes em relação ao período de dias de reparo que ultrapassa o prazo contratual, porque este deixa de ser prazo “permitido”.

9. Os juros moratórios, em sede de responsabilidade contratual, fluem a partir da citação. Precedentes.

10. Recurso especial parcialmente provido.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1341530

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