Ao participar de assembleia geral em nome do falecido com a finalidade de alterar a natureza das ações societárias e vender bens da sociedade empresária, o inventariante extrapola seus limites como administrador judicial do espólio.
O entendimento foi firmado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao manter, por maioria, decisão do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) que suspendeu o poder de um inventariante votar em nome das empresas familiares para modificar a natureza das ações até a realização da partilha.
A discussão foi iniciada em processo de sobrepartilha no qual alguns dos herdeiros alegaram exceder o poder de gestão conferido ao inventariante a alienação de bens de sociedade empresária e a tentativa de conversão de ações preferenciais em ordinárias.
Em primeira instância, o juiz considerou que o inventariante possuía poderes para votar em nome do espólio em eventual assembleia social, podendo, contudo, ser responsabilizado por possíveis prejuízos causados ao espólio. A decisão de primeiro grau foi posteriormente modificada pelo tribunal goiano.
Conservação do patrimônio
Em recurso especial, o inventariante alegou que as ações deixadas pelo falecido integram o espólio e que, portanto, devem ser administradas por ele. O recorrente também defendeu que a maioria dos herdeiros manifestou concordância expressa com a conversão dos papéis preferenciais em ordinários.
O relator do recurso, ministro Villas Bôas Cueva, explicou que, conforme os artigos 991 e 992 do Código de Processo Civil de 1973, o inventariante deve conservar o patrimônio que integra o espólio, com a realização de atos como o pagamento de tributos e de aluguéis, a fim de que, ao final da divisão, os bens tenham o seu valor mantido.
No caso analisado, todavia, o relator explicou que, se realizada a alteração societária, os herdeiros detentores de ações preferenciais, que não têm direito a voto, passariam a ter esse direito, com a consequente possibilidade de modificação do controle acionário da companhia.
“Nesse contexto, não há como entender que o voto do inventariante para modificar a natureza das ações e a própria estrutura de poder da sociedade anônima esteja dentro dos limites estabelecidos pelo artigo 991, II, do CPC/1973”, concluiu o ministro ao manter a suspensão.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. INVENTÁRIO. PARTICIPAÇÃO ACIONÁRIA. SOCIEDADE ANÔNIMA. INVENTARIANTE. ALTERAÇÃO DO PODER DE CONTROLE. ACERVO PATRIMONIAL. ALIENAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. ATUAÇÃO. LIMITE. ADMINISTRAÇÃO E CONSERVAÇÃO DOS BENS.1. Cinge-se a controvérsia a verificar se é possível suspender o poder de o inventariante, representando o espólio, votar em assembleia de sociedade anônima da qual o falecido era sócio, com a pretensão de alterar o controle da companhia, e vender bens do acervo patrimonial.2. Os poderes de administração do inventariante são aqueles relativos à conservação dos bens inventariados para a futura partilha, dentre os quais se pode citar o pagamento de tributos e aluguéis, a realização de reparos e a aplicação de recursos, atendendo o interesse dos herdeiros.3. A atuação do inventariante, alienando bens sociais e buscando modificar a natureza das ações e a própria estrutura de poder da sociedade anônima, está fora dos limites dos poderes de administração e conservação do patrimônio.4. Recurso especial não provido.