Rede varejista indenizará montador de móveis ridicularizado por sua magreza

Em razão de sua condição física, ele era alvo de chacota.

A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou a Via Varejo S.A. (que reúne as redes Casas Bahia e Ponto) a pagar reparação de R$ 5 mil a um técnico de montagem de móveis que era cobrado pelo chefe de forma agressiva e ridicularizado em razão de sua condição física. Para o colegiado, houve desrespeito a princípios como o da inviolabilidade psíquica do empregado.

“Tá fraco”

O montador foi contratado em 2001 para trabalhar para uma loja das Casas Bahia em Dourados (MS). Na reclamação trabalhista, ele disse que seu chefe praticava um tipo de cobrança agressivo e o tornava alvo de chacota por ser muito magro, com frases como “e aí, magrelo, tá fraco, não vai dar conta do recado”. A situação, segundo ele, caracterizava assédio moral, porque era recorrente.

O juízo de primeiro grau deferiu reparação por danos morais no valor de R$ 5 mil. Mas, para o Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região (MS), a expressão “magrelo”, utilizada “no contexto de exercer pressão”, não poderia ser considerada como extrapolação dos limites do poder do empregador. Embora reconhecendo que se tratava de uma forma inadequada de liderança, o TRT entendeu que não se tratava de abuso individual e diferenciado nem de pressão exagerada a ponto de caracterizar o assédio.

Apelido depreciativo

O relator do recurso de revista do montador, ministro Mauricio Godinho Delgado, observou que, se as agressões morais eram corriqueiras, repetidas e generalizadas no estabelecimento de trabalho, sem que haja censura e punição, o empregador se torna responsável pela indenização correspondente. No caso específico, o depoimento de uma testemunha detalhou que a cobrança pela execução do serviço era feita com o uso de apelido depreciativo sobre uma característica física do trabalhador, em forma de chacota e provocação.

Segundo o relator, não podem ser admitidas técnicas de motivação que submetam o ser humano ao ridículo e à humilhação. A seu ver, as situações vivenciadas pelo montador atentaram contra a sua dignidade, a sua integridade psíquica e o seu bem-estar individual – “bens imateriais que compõem seu patrimônio moral protegido pela Constituição”, justificando a reparação moral.

O recurso ficou assim ementado:

A) AGRAVO DE INSTRUMENTO DO RECLAMANTE . RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.014/15 E ANTERIOR À LEI 13.467/17 . ASSÉDIO MORAL. DESRESPEITO AOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, DA INVIOLABILIDADE PSÍQUICA (ALÉM DA FÍSICA) DA PESSOA HUMANA, DO BEM-ESTAR INDIVIDUAL (ALÉM DO SOCIAL) DO SER HUMANO, TODOS INTEGRANTES DO PATRIMÔNIO MORAL DA PESSOA FÍSICA . Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do art. 896 da CLT, dá-se provimento ao agravo de instrumento, para melhor análise da arguição de violação do art. 5º, X, da CF, suscitada no recurso de revista. Agravo de instrumento provido.

B) RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE . PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.014/15 E ANTERIOR À LEI 13.467/17 . 1. HORAS IN ITINERE . 2. INDENIZAÇÃO PELO USO DO VEÍCULO. REEMBOLSO DE DESPESAS. VALOR. MATÉRIAS FÁTICAS. SÚMULA 126/TST. 3. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SÚMULA 219/TST. Inviável a admissibilidade do recurso de revista, se não preenchidos os requisitos do art. 896 da CLT. Recurso de revista não conhecido nos temas . 4. ASSÉDIO MORAL. DESRESPEITO AOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, DA INVIOLABILIDADE PSÍQUICA (ALÉM DA FÍSICA) DA PESSOA HUMANA, DO BEM-ESTAR INDIVIDUAL (ALÉM DO SOCIAL) DO SER HUMANO, TODOS INTEGRANTES DO PATRIMÔNIO MORAL DA PESSOA FÍSICA . O assédio moral consiste na conduta reiterada seguida pelo sujeito ativo no sentido de desgastar o equilíbrio emocional do sujeito passivo, por meio de atos, palavras, gestos e silêncios significativos que visem ao enfraquecimento e diminuição da autoestima da vítima ou a outra forma de desequilíbrio e tensão emocionais graves . É o que ocorre, por exemplo, quando a agressão é fundada em utilização de característica física desfavorável da pessoa desgastada, de modo a submetê-la a humilhações constantes. No âmbito empregatício, o assédio moral tende a ocorrer de maneira vertical, no sentido descendente – das chefias em direção ao chefiado -, mas também pode ocorrer de modo horizontal – praticadas por colegas contra alguém. Atente-se que os efeitos indenizatórios do assédio moral derivam diretamente da Constituição da República, que firma como seus princípios cardeais o respeito à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF), à vida e à segurança (art. 5º, caput, CF), ao bem-estar e à justiça (Preâmbulo da Constituição), estabelecendo ainda como objetivos fundamentais do Brasil construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I, CF), promovendo o bem de todos (art.3º, IV, ab initio , CF) e proibindo quaisquer formas de discriminação (art. 3º, IV, in fine , CF). A conduta, além de ser passível de responsabilização do assediador por danos materiais e morais resultantes, também constitui infração grave que pode se enquadrar como hipótese de resolução contratual culposa do empregador. Na hipótese , discute-se se o Reclamante foi vítima de assédio moral suscetível de responsabilização da Reclamada ao pagamento de indenização. Sobre o assunto, está consignado no acórdão do Tribunal Regional o conteúdo de depoimento testemunhal, que detalhou a maneira como ocorria a cobrança da execução do serviço feita pela chefia ao Reclamante: com o uso de apelido depreciativo sobre uma característica física do Trabalhador, em forma de chacota e provocação. Com efeito, a par do que foi extraído do depoimento testemunhal, constata-se que as situações vivenciadas pelo Reclamante realmente atentaram contra a sua dignidade, a sua integridade psíquica e o seu bem-estar individual – bens imateriais que compõem seu patrimônio moral protegido pela Constituição -, ensejando a reparação moral, conforme autorizam o inciso X do art. 5º da Constituição Federal e os arts. 186 e 927, caput , do CCB/2002. Ressalte-se que o exercício do poder empregatício deve se amoldar aos princípios e regras constitucionais que estabelecem o respeito à dignidade da pessoa humana, ao bem-estar individual e social e à subordinação da propriedade à sua função socioambiental, não podendo ser admitidas técnicas de motivação que submetam o ser humano ao ridículo e à humilhação no ambiente interno do estabelecimento e da empresa. Recurso de revista conhecido e provido no aspecto.

C) AGRAVO DE INSTRUMENTO DA RECLAMADA . RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.014/15 E ANTERIOR À LEI 13.467/17 . 1. VÍNCULO EMPREGATÍCIO ANTERIOR À ANOTAÇÃO DA CTPS. 2. TRABALHO EXTERNO. CONTROLE DE JORNADA. HORAS EXTRAS E INTERVALO INTRAJORNADA. ART. 896, § 1º-A, I, DA CLT. EXIGÊNCIA DE TRANSCRIÇÃO DOS FUNDAMENTOS EM QUE SE IDENTIFICA O PREQUESTIONAMENTO DAS MATÉRIAS OBJETO DE RECURSO DE REVISTA. Nos termos do art. 896, § 1º-A, I, da CLT, incluído pela Lei n. 13.015/2014, a transcrição dos fundamentos em que se identifica o prequestionamento da matéria impugnada constitui exigência formal à admissibilidade do recurso de revista. Havendo expressa exigência legal de indicação do trecho do julgado que demonstre o enfrentamento da matéria pelo Tribunal Regional, evidenciando o prequestionamento, a ausência desse pressuposto intrínseco torna insuscetível de veiculação o recurso de revista. Nesse sentido, saliente-se que os trechos transcritos pela Parte Recorrente não têm o condão de suprir a exigência preconizada no art. 896, § 1º-A, I, da CLT, porquanto não se verificam, nos referidos excertos, todos os fundamentos de fato e de direito utilizados pelo TRT no enfrentamento das matérias impugnadas. 3. PRÊMIO ESPECIAL. NATUREZA JURÍDICA SALARIAL. 4. INDENIZAÇÃO PELO USO DO VEÍCULO. REEMBOLSO DE DESPESAS. VALOR. MATÉRIAS FÁTICAS. SÚMULA 126/TST . Recurso de natureza extraordinária, como o recurso de revista, não se presta a reexaminar o conjunto fático-probatório produzido nos autos, porquanto, nesse aspecto, os Tribunais Regionais do Trabalho revelam-se soberanos. Inadmissível, assim, recurso de revista em que, para se chegar a conclusão diversa, seria imprescindível o revolvimento de fatos e provas, nos termos da Súmula 126 desta Corte. Agravo de instrumento desprovido .

A decisão foi unânime.

Processo: RRAg-25064-67.2014.5.24.0021

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