A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a ausência de fundamentação idônea e tornou sem efeito decisões judiciais que autorizaram a quebra dos sigilos telefônico, fiscal e bancário de três investigados por tráfico de drogas e lavagem de dinheiro em Ribeirão Preto (SP). Por unanimidade, o colegiado também mandou desentranhar da ação penal as provas que tenham sido afetadas pela nulidade das quebras de sigilo.
A interceptação telefônica e as outras medidas investigativas foram autorizadas pelo juízo de primeiro grau, a requerimento da Polícia Federal e com a concordância do Ministério Público, e chanceladas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que considerou que todos os requisitos legais para os pedidos de quebra de sigilo estavam preenchidos.
O relator do caso no STJ, ministro Rogerio Schietti Cruz, ressaltou que a Constituição impõe que todas as decisões judiciais sejam fundamentadas, sob pena de nulidade (artigo 93, IX).
“Presta-se a motivação das decisões jurisdicionais a servir de controle, da sociedade e das partes, sobre a atividade intelectual do julgador, para que verifiquem se este, ao decidir, considerou todos os argumentos e as provas produzidas pelas partes e se bem aplicou o direito ao caso concreto”, explicou.
Sem contexto
Para Schietti, ao deferir os pedidos da polícia, o juízo não explicitou as razões de seu convencimento quanto à necessidade das medidas cautelares.
Segundo o magistrado, os documentos apenas citam a existência de relatório policial e parecer favorável do Ministério Público, sem qualquer indicação do contexto fático da investigação, nem mesmo dos nomes dos investigados, incorrendo, assim, no vício previsto no artigo 489, parágrafo 1º, II e III, do Código de Processo Civil – aplicável ao caso com base no artigo 3º do Código de Processo Penal.
“Em que pese tais decisões terem sido chanceladas pela corte local, sob o argumento de que se trata de motivação per relationem, segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, para que não haja ilegalidade na adoção da técnica da fundamentação per relationem, a autoridade judiciária, quando usa trechos de decisão anterior ou de parecer ministerial como razão de decidir, deve acrescentar motivação que justifique a sua conclusão, com menção a argumentos próprios, o que não é o caso desses autos”, afirmou.
Para o relator, as decisões que prorrogaram as quebras de sigilo não têm a capacidade de corrigir os defeitos apresentados pelas decisões originais – “mesmo porque repetem o mesmo padrão de ausência de falta de fundamentação idônea”, concluiu.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. QUEBRAS DOS SIGILOS TELEFÔNICO, FISCAL E BANCÁRIO. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.1. Consoante imposição do art. 93, IX, primeira parte, da Constituição da República de 1988, “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade”, exigência que funciona como garantia da atuação imparcial e secundum legis (sentido lato) do órgão julgador. Presta-se a motivação das decisões jurisdicionais a servir de controle, da sociedade e das partes, sobre a atividade intelectual do julgador, para que verifiquem se este, ao decidir, considerou todos os argumentos e as provas produzidas pelas partes e se bem aplicou o direito ao caso concreto.2. Nas decisões atacadas, o Juízo da 3ª Vara Criminal da Comarca de Ribeirão Preto-SP não explicitou as razões de seu convencimento quanto à necessidade das medidas cautelares em comento. Aliás, os documentos cingem-se a citar a existência de relatório policial e parecer favorável do Ministério Público, sem qualquer indicação do contexto fático, nem mesmo os nomes dos investigados, incorrendo, assim, no vício previsto no art. 489, § 1º, II e III, do CPC, aplicável, analogicamente, por força do art. 3º do CPP.3. Em que pese tais decisões terem sido chanceladas pela Corte local, sob o argumento de que se trata “de motivação per relationem”, segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, para que não haja ilegalidade na adoção da técnica da fundamentação per relationem, a autoridade judiciária, quando usa trechos de decisão anterior ou de parecer ministerial como razão de decidir, deve acrescentar motivação que justifique a sua conclusão, com menção a argumentos próprios, o que não é o caso desses autos.4. Considerando que as decisões que prorrogaram as quebras de sigilo não tem o condão de convalidar os defeitos de origem ora demonstrados nas decisões proferidas dos Autos n. 0011048-68.2015.8.26.0506 – mesmo porque repetem o mesmo padrão de ausência de falta de fundamentação idônea –, forçoso concluir pela falta de utilidade em se analisar as dezenas de decisões que prorrogaram tais quebras.5. Recurso parcialmente provido, para tornar sem efeito as decisões proferidas às fls. 47, 64, 145 e 227 dos Autos n. 0011048-68.2015.8.26.0506, em trâmite na 3ª Vara Criminal da Comarca de Ribeirão Preto–SP, que autorizaram a quebra dos sigilos telefônicos, fiscais e bancários dos recorrentes, devendo o Juiz de Direito desentranhar as provas que tenham sido contaminadas pela nulidade reconhecida neste writ.
Leia o acórdão.