Segundo o relator, ministro Celso de Mello, a ideia de que o trabalho pode afastar a criança e o adolescente da marginalização estimula o preconceito.
Por unanimidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2096, ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI) contra a proibição de qualquer tipo de trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 anos. A decisão se deu na sessão virtual encerrada em 9/10.
A vedação está prevista na Constituição Federal (inciso XXXIII do artigo 7º), na redação dada pela Emenda Constitucional (EC) 20/1998. Antes da emenda, era vedado qualquer trabalho a menores de 14 anos. Na ação, a CNTI alegava que a proibição violaria direitos fundamentais dos adolescentes, notadamente o direito básico ao trabalho. Segundo a confederação, na realidade social brasileira, o trabalho de menores de 16 anos é imprescindível à sobrevivência e ao sustento deles e de sua família. “É melhor manter o emprego do que ver passando fome o próprio menor e, não raras vezes, a sua família”, argumentava.
Proteção integral
O relator da ação, ministro Celso de Mello, que se aposentou nesta terça-feira (13), afirmou que a Constituição Federal de 1988 introduziu a doutrina da proteção integral da criança e do adolescente, diante de sua condição de pessoa em desenvolvimento. Lembrou, ainda, que a Convenção sobre os Direitos da Criança, de 1989, incorporada ao ordenamento brasileiro, traduz uma transformação na perspectiva global sobre o tema, com o reconhecimento, a esse grupo, de todos os direitos e liberdades fundamentais reconhecidos às pessoas em geral, ao lado da necessidade de proteção especial.
Fator coadjuvante
De acordo com o relator, o direito à profissionalização pressupõe que o trabalho seja compatível com o estágio de desenvolvimento do adolescente, tornando-se fator coadjuvante no processo individual de descoberta de suas potencialidades e de conquista de sua autonomia. Por isso, deve ser realizado em ambiente adequado, que o mantenha a salvo de toda forma de negligência, violência, crueldade e exploração.
Para o relator, a alegação de que o trabalho infantil poderia afastar a criança humilde e o adolescente pobre da marginalização é uma “equivocada visão de mundo”, pois estimula o preconceito e a desconfiança por razões de índole financeira.
O ministro destacou as sequelas físicas, emocionais e sociais decorrentes da exploração e lembrou que os menores de 16 anos podem ser submetidos às piores formas de trabalho infantil, às condições insalubres da mineração, ao esgotamento físico dos serviços rurais e do trabalho doméstico e aos acidentes da construção civil, “sujeitando as pequenas vítimas desse sistema impiedoso de aproveitamento da mão-de-obra infanto-juvenil à necessidade de renunciar à primazia de seus direitos em favor das prioridades da classe patronal”.