Negado pedido de indenização por uso de voz em saudação telefônica da Microsoft

Em decisão unânime, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou pedido de indenização feito por uma mulher que alegava o uso indevido de sua voz pela Microsoft Informática Ltda. em mensagem de saudação telefônica.

De acordo com as alegações, a gravação foi realizada por uma empresa intermediária, sob o pretexto de que seriam meros testes, pelos quais a mulher teria recebido ínfima remuneração. A gravação, porém, teria sido vendida à Microsoft sem sua autorização e estaria sendo utilizada de forma comercial, o que ensejaria a responsabilidade civil da empresa.

O pedido de indenização foi fundamentado em dois argumentos: primeiro, o de que a interpretação na gravação telefônica daria margem à proteção da Lei de Direitos Autorais; e, segundo, de que o uso da voz violou direito de personalidade, pois a gravação não poderia ser utilizada sem autorização, especialmente para fins comerciais.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) negou o pedido de indenização por entender legítima a utilização da gravação pela Microsoft, uma vez que foi decorrente de prestação de serviço para o qual a autora foi devidamente remunerada.

Direitos autorais

No STJ, o relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, ratificou a improcedência do pedido. Em relação aos direitos autorais, o ministro entendeu pela inexistência de direitos conexos aos direitos de autor, uma vez que a gravação não foi de obra de natureza artística ou literária, não havendo falar, portanto, em intérprete ou executante para fins de incidência da Lei 9.610/98.

“Por mais elástico que se considere o conceito de obra artística e literária, ele não abrange saudações telefônicas, que, via de regra, não preenchem o requisito mínimo de originalidade necessário para o reconhecimento da proteção autoral”, disse.

Direito de personalidade

Quanto ao direito de personalidade, Sanseverino reconheceu que a voz é parte integrante do direito inerente à pessoa, mas observou que, no caso, a utilização da gravação ocorreu dentro dos limites contratuais.

“Pelo que se depreende dos fatos afirmados na sentença e no acórdão recorrido, a recorrente, contratada por terceira intermediária, procedeu à gravação de saudação telefônica específica para a recorrida. Na gravação, a recorrente lê mensagens redigidas para serem utilizadas especificamente pela Microsoft, atendendo de forma personalizada às necessidades de sua central telefônica”, disse o ministro.

De acordo com o relator, a própria gravação revela a autorização tácita dada pela dona da voz. “Se não desejasse ver sua voz utilizada na central telefônica da recorrida, por que procedeu à gravação?”, questionou o ministro.

Em relação à alegação de que a gravação teria sido realizada a título de testes perante a empresa intermediária, o ministro destacou que a mulher deveria buscar o adimplemento contratual com a empresa que a contratou, e não com a Microsoft, que, “ao contratar a gravação de saudação telefônica, específica para suas necessidades, presumiu que o titular da voz estava de acordo com sua utilização”.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DIREITOS AUTORAIS E DIREITOS DA PERSONALIDADE. GRAVAÇÃO DE VOZ. COMERCIALIZAÇÃO E UTILIZAÇÃO PELA RÉ. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC⁄73. NÃO OCORRÊNCIA. DIREITOS AUTORAIS. GRAVAÇÃO DE MENSAGEM TELEFÔNICA QUE NÃO CONFIGURA DIREITO CONEXO AO DE AUTOR, NÃO ESTANDO PROTEGIDA PELA LEI DE DIREITOS AUTORAIS. PROTEÇÃO À VOZ COMO DIREITO DA PERSONALIDADE. POSSIBILIDADE DE DISPOSIÇÃO VOLUNTÁRIA, DESDE QUE NÃO PERMANENTE NEM GERAL. AUTORIZAÇÃO PARA A UTILIZAÇÃO DA GRAVAÇÃO DA VOZ QUE PODE SER PRESUMIDA NO PRESENTE CASO. GRAVAÇÃO REALIZADA ESPECIFICAMENTE PARA AS NECESSIDADES DE QUEM A UTILIZA. UTILIZAÇÃO CORRESPONDENTE AO FIM COM QUE REALIZADA A GRAVAÇÃO. INDENIZAÇÃO NÃO DEVIDA.

  1. Pretensão da autora de condenação da empresa requerida ao pagamento de indenização pela utilização de gravação de sua voz sem sua autorização, com fins alegadamente comerciais, por ser ela objeto de proteção tanto da legislação relativa aos direitos autorais, como aos direitos da personalidade.

  2. Ausência de violação do art. 535 do CPC⁄73, tendo o Tribunal de origem apresentado fundamentação suficiente para o desprovimento do recurso de apelação da autora.

  3. Os direitos do artista executante ou intérprete são conexos aos direitos de autor e, apesar de sua autonomia, estão intrinsecamente ligados, em sua origem, a uma obra autoral, e a ela devem sua existência.

  4. Nos termos da Lei de Direitos Autorais (Lei n. 9.610⁄98), apenas há direitos conexos quando há execução de obra artística ou literária, ou de expressão do folclore.

  5. Gravação de mensagem de voz para central telefônica que não pode ser enquadrada como direito conexo ao de autor, por não representar execução de obra literária ou artística ou de expressão do folclore. Inaplicabilidade da Lei n. 9.610⁄98 ao caso em comento.

  6. A voz humana encontra proteção nos direitos da personalidade, seja como direito autônomo ou como parte integrante do direito à imagem ou do direito à identidade pessoal.

  7. Os direitos da personalidade podem ser objeto de disposição voluntária, desde que não permanente nem geral, estando seu exercício condicionado à prévia autorização do titular e devendo sua utilização estar de acordo com o contrato. Enunciado n. 4 da I Jornada de Direito Civil.

  8. Caso concreto em que a autorização da autora deve ser presumida, pois realizou gravação de voz a ser precisamente veiculada na central telefônica da ré, atendendo especificamente às suas necessidades.

  9. Gravação que vem sendo utilizada pela ré exatamente para esses fins, em sua central telefônica, não havendo exploração comercial da voz da autora.

  10. Eventual inadimplemento contratual decorrente do contrato firmado pela autora com a terceira intermediária que deve ser pleiteado em relação a ela, e não perante a empresa requerida.

  11. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1630851

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