Os navios não dispunham de acomodação para mulheres
A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou a Acamin Navegação e Serviço Marítimo, do Rio de Janeiro (RJ), ao pagamento de indenização a uma médica que foi demitida antes do segundo embarque, após, no primeiro, ter tido de dividir sua cabine com um homem, situação expressamente proibida por lei. Embora estivesse em contrato de experiência, a dispensa foi considerada discriminatória.
Cabine compartilhada
Na reclamação trabalhista, a trabalhadora contou que fora admitida como médica offshore, em contrato de experiência, para trabalhar em um navio da empresa, após rigoroso processo seletivo. Segundo seu relato, na primeira viagem, passou três dias na mesma cabine de um colega, até que, depois do desembarque de um tripulante, pôde usá-la sozinha. Logo depois, houve outra tentativa de compartilhamento: enquanto descansava no horário de almoço, outro tripulante abriu a cabine com uma cópia da chave e disse que fora informado de que ficaria ali durante o período em que estivesse embarcado. Ela conseguiu, no entanto, que ele fosse realocado.
Na véspera do segundo embarque, ela recebeu um telegrama que noticiava seu desligamento. Ao buscar informações, soube que fora dispensada por ser do sexo feminino e supostamente não haver acomodações disponíveis para alojar mulher na embarcação. Por isso, pleiteou a nulidade da dispensa ou indenização correspondente ao dobro da remuneração do período de afastamento.
Contrato de experiência
Em sua defesa, a Acamin negou a versão apresentada pela ex-empregada e sustentou que ela fora dispensada durante o contrato de experiência, com o recebimento de todas as verbas rescisórias e da indenização prevista no artigo 479 da CLT nos casos de rescisão antecipada de contrato por tempo determinado.
Dano moral e discriminação
O juízo da 18ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro (RJ) reconheceu a dispensa discriminatória e condenou a empresa a reintegrar a empregada e a pagar R$ 100 mil de indenização. O Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ) afastou o pedido de reintegração, sob o fundamento de que era incompatível com a natureza provisória do contrato de experiência. Manteve, no entanto, o reconhecimento do dano moral. “A exigência de que mulher divida com homem cabine-dormitório em navio mercante somente é possível com o consentimento dela”, registrou o TST. “Fora disso, o dano moral decorre do próprio fato do constrangimento de ver invadida a sua privacidade e quebrado o seu direito ao recato”.
Modalidade contratual
O recurso da empresa em relação à reparação por dano moral foi rejeitado pela Turma por questões processuais. Quanto ao recurso da médica referente à dispensa discriminatória, a relatora, ministra Kátia Arruda, explicou que o artigo 4º da Lei 9.029/1995, ao dispor sobre o rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório, não exclui os contratos por tempo determinado e que, na omissão da lei, o juiz deve decidir de acordo com a analogia e a fim de atender os fins sociais da legislação. “A interpretação da lei, conforme todos os princípios mencionados, permite extrair das normas que regulam a matéria a obrigação de garantir proteção ao empregado que sofre dispensa discriminatória, seja qual for a modalidade contratual”, explicou.
Considerando que não é cabível a reintegração, pois a médica fora contratada por prazo determinado e a ação ajuizada em 2015, a Sexta Turma decidiu, por unanimidade, condenar a empresa ao pagamento em dobro das remunerações compreendidas no período de afastamento, entre a data da dispensa discriminatória e a da publicação da sentença.
Processo: RRAg-10553-78.2015.5.01.0018