Exposição a agrotóxicos ameaça saúde de trabalhadoras e trabalhadores rurais

Aumento da produtividade agrícola via aplicação de agroquímicos tem efeitos negativos a curto e longo prazo para quem trabalha no campo abastecendo as mesas do Brasil

 Identidade visual da campanha: Fundo verde com fumaça e uma placa de  

O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do planeta, com 720 mil toneladas de pesticidas para uso agrícola, de acordo com os dados mais recentes da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). A quantia representa quase 60% a mais do que a utilizada pelos Estados Unidos, que ocupa o segundo lugar do ranking mundial.

Por trás dos números, estão aquelas e aqueles que trabalham diretamente na aplicação do insumo. Expostos aos agroquímicos, trabalhadores rurais estão sujeitos a inúmeros problemas de saúde, incluindo intoxicações agudas e crônicas, além de danos aos sistemas nervoso, respiratório, reprodutivo e endócrino.

Saúde é a melhor colheita

Neste sábado (25), Dia do Trabalhador Rural, o Grupo de Trabalho Interinstitucional (GETRIN) do Programa Trabalho Seguro da Justiça do Trabalho chama atenção para os riscos da exposição a agrotóxicos à saúde de trabalhadoras e trabalhadores rurais e lança a campanha “Saúde é a melhor colheita”.

A ação visa conscientizar a sociedade e os profissionais que atuam no campo sobre os riscos à saúde no manuseio incorreto de agrotóxicos. A campanha, que será realizada até o final do ano, tem como público-alvo trabalhadores (as) rurais e suas famílias; produtores agrícolas; comunidades rurais expostas aos agrotóxicos e sindicatos e associações de classe do setor.

Acesse as peças da campanha.

Banner com mockup do folheto. Ao lado está escrito: Baixe os materiais da campanha

Um trabalho de risco

Em 2022, aproximadamente 19 milhões de brasileiros e brasileiras estavam ocupados no agronegócio, segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Cepea/Esalq/USP). Apesar dos agrotóxicos serem utilizados para preservar plantações contra insetos, bactérias e fungos, frequentemente apresentam impactos negativos à saúde humana, ainda mais para quem trabalha cotidianamente com as substâncias.

De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), agência da Organização das Nações Unidas (ONU), a contaminação ocorre durante o manuseio, a diluição, a mistura, a aplicação e o descarte de agrotóxicos, bem como durante a limpeza de recipientes e manuseio de culturas. As trabalhadoras e os trabalhadores rurais também podem estar em risco durante a reentrada nos campos tratados, durante a colheita e limpeza de equipamentos.

Segundo o coordenador nacional do programa, o ministro do Tribunal Superior do Trabalho Alberto Balazeiro, é necessário um amplo diálogo para garantir uma regulamentação que atenda os anseios da atividade produtiva, mas também garanta proteção à saúde de trabalhadoras e trabalhadoras rurais. “É fundamental que os avanços ocorram de forma tripartite, envolvendo o poder público e as entidades representantes do segmento empresarial e dos trabalhadores e que essa regulamentação considere não apenas o crescimento econômico, mas também a saúde e segurança dos trabalhadores”, disse.

O ministro ainda ressalta a necessidade de ampliar ações de fiscalização, de pesquisa e de conscientização social. “Há que se intensificar a inspeção do trabalho, destacando a relevância de que seja implementado um sistema de vigilância em saúde efetivo e integrado com a consequente criação de um modelo agrícola ecológico e sustentável no Brasil”, disse. “Essencial também a ampliação das iniciativas de educação e comunicação envolvendo o tema, bem como a ampliação das pesquisas na área, de modo a aprofundar o conhecimento a respeito dos efeitos sobre a saúde em relação aos agrotóxicos de uso permitido”, completou.

Medidas de segurança e desafios

A OIT ainda alerta para o impacto combinado da exposição a agroquímicos com o calor excessivo em razão das mudanças climáticas. Segundo o relatório global da Organização Internacional do Trabalho “Ensuring safety and health at work in a changing climate” (Garantir a segurança e a saúde no trabalho num clima em mudança, em tradução livre)”, divulgado em abril deste ano, à medida que os trabalhadores suam mais, correm o risco de uma maior exposição devido à elevada taxa de absorção dérmica. Agrotóxicos também podem afetar os mecanismos de regulação da temperatura do corpo, o que poderia reduzir a capacidade de adaptação do trabalhador ao calor.

“O uso de equipamentos de proteção é importante para abrandar os efeitos. Mas esse uso é improvável considerando as situações reais de trabalho sob sol intenso, com poeira, em longas jornadas”, avalia o procurador Leomar Daroncho, do Ministério Público do Trabalho (MPT). “As bulas dos fabricantes recomendam equipamentos complexos, alguns deles incompatíveis com as nossas condições climáticas”, completa.

Daroncho também ressalta que a fiscalização nas fronteiras agrícolas é um desafio, já que faltam fiscais e meios de atingir as vastas e distantes regiões. “Ainda assim, além da fiscalização pelo uso dos Equipamentos de Proteção, algumas medidas importantes estão ao nosso alcance. Estimular a informação, com base científica, e a notificação dos eventos (agudos ou crônicos); divulgar os casos de condenação ou punição, com função pedagógica; e estabelecer sistema de punição, proporcional e efetiva, nos casos de comprovação de irregularidade”, defende.

Cenário brasileiro

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) chama atenção para a grande quantidade de agrotóxicos banidos em outros países que ainda são usados no Brasil, apontando que, mais de 20 insumos utilizados no país são proibidos na União Europeia.

“Alguns dos produtos mais vendidos aqui, casos da atrazina (proibida na UE há 20 anos), mancozebe, acefato, clorotalonil e clorpirifós estão banidos da Europa. Na grande quantidade de agrotóxicos autorizados no Brasil, nos últimos anos, cerca de 50% não são admitidos nos países de origem”, completa Daroncho, do MPT.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) classifica os agrotóxicos em quatro níveis de perigo para a sua saúde, caso ingeridos ou em contato com a pele:

Painel com a classificação dos agrotóxicos: Coluna 1 (cor vermelha): Classe 1. Extremamente tóxico. Pode causar morte. Coluna 2 (cor amarela): Classe 2. Altamente tóxico. Pode causar intoxicação. Coluna 3 (cor azul): Classe 3. medianamente tóxico. Pode ser nocivo, mas costuma não gerar dano instantâneo.Coluna 4 (cor verde): Classe 4. pouco tóxico. pode causar irritação.

Efeitos dos agrotóxicos na saúde

Em escala global, a Organização Internacional do Trabalho contabiliza mais de 300 mil mortes anualmente devido ao envenenamento por pesticidas. Os dados mais recentes  da agência da ONU apontam como impactos primários na saúde de trabalhadores que atuam expostos a agrotóxicos:

  • envenenamento;
  • câncer;
  • neurotoxicidade;
  • desregulação endócrina;
  • distúrbios reprodutivos;
  • doenças cardiovasculares;
  • doenças pulmonares; e
  • imunossupressão.

De acordo com a publicação “Atlas dos Agrotóxicos”, da Fundação Heinrich Böll, a cada ano, cerca de 385 milhões de pessoas sofrem intoxicação por agrotóxicos ao redor do mundo. O material destaca que trabalhadores rurais de países em desenvolvimento são particularmente afetados, e alerta para a relação entre a exposição a agrotóxicos e a incidência de doenças crônicas, como Parkinson e leucemia infantil, além de maior risco para câncer de fígado e mama, diabetes tipo 2, asma, alergias, obesidade, defeitos congênitos, partos prematuros e distúrbios de crescimento.

Formas de intoxicação e sintomas

As principais formas de contaminação do organismo do trabalhador rural são pela boca, pele e respiratória (por nariz e boca, atingindo os pulmões).

O contato direto ocorre, por exemplo, durante o preparo, aplicação ou qualquer tipo de manuseio com o produto. Já o indireto ocorre pela contaminação da água e dos alimentos ingeridos. As intoxicações podem ser agudas (imediata) ou crônicas (com manifestação ao longo do tempo).

Como identificar intoxicação por agrotóxicos

A “Cartilha sobre Agrotóxicos: Série Trilhas do Campo”, da Anvisa, traz um rol das reações mais comuns para ter atenção quanto a contaminações por diferentes vias de intoxicação:

Contaminação por contato com a pele:

  • Irritação – pele vermelha, quente e dolorosa, inchaço e, às vezes, ardência e brotoejas;
  • Desidratação – pele seca, escamosa, às vezes, infeccionada, com dor e pus, e evoluindo para cicatrizes deformadas, esbranquiçadas ou escuras.
  • Alergia – brotoejas com coceiras

Contaminação pela respiração:

  • Ardência do nariz e da boca
  • Tosse
  • Corrimento de nariz
  • Dor no peito
  • Dificuldade de respirar

Contaminação pela boca:

  • Irritação da boca e garganta
  • Dor de estômago
  • Náuseas
  • Vômitos
  • Diarreia

Efeitos gerais após a contaminação prolongada:

  • Dor de cabeça
  • Transpiração anormal
  • Fraqueza
  • Câimbras
  • Tremores
  • Irritabilidade
  • Dificuldade para dormir
  • Dificuldade de aprender
  • Esquecimento
  • Aborto
  • Impotência
  • Depressão

O que fazer em caso de intoxicação por agrotóxicos

Caso a pessoa identifique um ou mais desses sintomas, deve buscar orientação e atendimento junto ao Programa de Saúde da Família de sua região, postos de saúde ou emergências dos hospitais locais, Centros de Referência em Saúde do Trabalhador e conversar com agentes comunitários de saúde.

Além disso, também é possível tirar dúvidas por meio do serviço Disque Intoxicação (0800-722-6001 – a ligação é gratuita). Neste telefone, tanto usuários quanto profissionais de saúde podem buscar orientação em casos de intoxicação. A pessoa é atendida por uma das 36 unidades da Rede Nacional de Centros de Informação e Assistência Toxicológica (Renaciat).

Os custos da intoxicação para as contas públicas

De acordo com dados da Fundação Heinrich Böll, o Sistema Único de Saúde (SUS) desembolsa R$ 150 para cada caso de intoxicação por agrotóxicos que demanda tratamento. A estimativa anual de custo para o sistema público de saúde é de R$ 45 milhões.

A organização afirma ainda que o tratamento das contaminações por agroquímicos ultrapassa os valores gastos na compra desses produtos. Segundo a fundação, para cada US$ 1 gasto na compra dos produtos, o SUS pode ser onerado em até US$ 1,28 para tratar um(a) profissional do campo que ficou doente por conta do trabalho com agrotóxicos.

Flexibilização na legislação brasileira

Neste mês, o Congresso Nacional derrubou parte do veto da presidência da República à recente Lei nº 14.785/2023, que altera o regime de produção, controle e uso de agrotóxicos no Brasil.

Com a mudança, a responsabilidade exclusiva pelo registro e fiscalização de agrotóxicos em casos de reanálises de produtos recai totalmente sobre o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), sem o envolvimento do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Gestão responsável na agricultura

De acordo com a Norma Regulamentadora nº 31 (NR-31), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), é responsabilidade do empregador rural:

  • fornecer, gratuitamente, Equipamentos de Proteção Individual (EPI) adequados e devidamente higienizados;
  • responsabilizar-se pela descontaminação das vestimentas ao fim de cada jornada de trabalho;
  • disponibilizar local com água, sabão e toalhas para higiene pessoal e guarda da roupa de uso pessoal;
  • garantir que nenhum EPI ou vestimenta de trabalho contaminados sejam levados para fora do ambiente de trabalho;
  • assegurar que nenhum dispositivo de proteção ou vestimenta de trabalho seja reutilizado antes da devida descontaminação.

A norma também prevê a obrigatoriedade de disponibilizar banho ao trabalhador, após finalizadas todas as atividades envolvendo o preparo e/ou aplicação dos produtos.

Quem apresentar sintomas de intoxicação deve ser imediatamente afastado das atividades e transportado para atendimento médico. É fundamental apresentar ao profissional de saúde as informações contidas nos rótulos e bulas dos agrotóxicos com que a pessoa teve contato recentemente.

Incentivo a boas práticas

No Brasil, o Programa Nacional de Bioinsumos busca estimular o uso de produtos biológicos de baixo risco na produção agrícola e pecuária. Entre suas diretrizes estão o desenvolvimento de alternativas economicamente viáveis e ecologicamente sustentáveis, adoção de práticas sustentáveis com tecnologias e produtos desenvolvidos a partir de recursos renováveis, e valorização da biodiversidade brasileira.

  • Plano Safra 2023/2024: O programa governamental de linhas de crédito e incentivos a produtores rurais oferece premiações para aqueles que adotam práticas agropecuárias consideradas mais sustentáveis.
  • Renovagro – Programa de Financiamento a Sistemas de Produção Agropecuária Sustentáveis: O Renovagro é uma linha de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) que oferece financiamento para sistemas agropecuários sustentáveis e conta com três modalidades que apoiam iniciativas como recomposição de reservas legais e áreas de proteção permanentes (APP) e recuperação de pastagens degradadas.

Agroecológica como caminho possível

Outra alternativa ao modelo de agricultura convencional, é a agroecologia. Nesta abordagem, o manejo dos sistemas agrícolas considera a viabilidade econômica dos pequenos produtores aliada a princípios ecológicos, com atenção à conservação ambiental e à saúde pública.

A agroecologia colabora com a redução do risco de contaminação por agrotóxicos, já que diminui a dependência dos insumos, otimizando a saúde do solo e a biodiversidade da propriedade por meio de práticas como diversificação de culturas e uso de adubos verdes.

Além disso, estimula a independência do(a) produtor(a), diminui custos ao priorizar utilização de técnicas e recursos locais, potencializa a segurança alimentar através da rotação de culturas e incentiva a organização comunitária, promovendo troca de conhecimentos tradicionais e científicos.

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