Tribunal garante continuidade de processo para julgar irregularidades em imóvel do programa Minha Casa, Minha Vida

Ao anular a sentença que extinguiu, sem resolução do mérito, uma ação para julgar irregularidades em imóvel do programa “Minha Casa, Minha Vida”, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) garantiu que fosse dado seguimento ao processo, determinando o retorno dos autos à origem para regular desenvolvimento da ação.

A decisão unânime da 5ª Turma levou em consideração que o entendimento adotado em primeira instância para extinguir o processo constituiu obstáculo indevido de acesso à jurisdição – uma vez que exigia, de parte hipossuficiente, laudos individualizados do imóvel.

O processo é de relatoria da desembargadora federal Daniele Maranhão.

Entenda o caso – No Acre, uma participante do Programa “Minha Casa, Minha Vida” procurou a Justiça Federal buscando ser indenizada pela Caixa Econômica Federal (CEF) por danos materiais e morais decorrentes da aquisição de um imóvel com vícios construtivos.

O imóvel, de acordo com a proprietária, apresentava sérios problemas estruturais: rachaduras nas paredes, problemas nas instalações elétricas e hidráulicas, esgoto sanitário entupindo e transbordando, falha de impermeabilização, pisos trincados, portas emperradas, janelas de baixa qualidade, entre outros.

O magistrado de primeira instância entendeu que a petição era genérica e não atendia aos requisitos necessários para o ajuizamento do feito. O principal fundamento dessa decisão residiu no fato de que a parte autora não teria apresentado à Justiça provas minimamente confiáveis, pois teria juntado ao processo um “laudo padronizado”.

Mas, ao analisar a apelação no TRF1, a desembargadora federal Daniele Maranhão entendeu que a sentença deveria ser anulada, pois o processo teria sido extinto prematuramente, já que havia a necessidade de realização de prova pericial a fim de examinar a extensão e a causa dos vícios alegados.

Hipossuficiência – A magistrada destacou que as demandas que tratam de aquisição de imóveis do programa Minha Casa, Minha Vida pressupõem a hipossuficiência da parte autora, e que por isso, em respeito aos princípios do livro acesso à jurisdição e à sua efetividade, deve-se propiciar à parte a ampla possibilidade de demonstrar o fato constitutivo de seu direito mediante a realização das provas necessárias a essa finalidade.

“A exigência de que a parte hipossuficiente traga aos autos laudo individualizado sobre seu imóvel constitui obstáculo indevido ao acesso à jurisdição ao tempo em que a não realização de prova pericial apta a demonstrar os alegados danos no imóvel induz cerceamento de defesa, independentemente de quem deva arcar com os custos da prova, sendo admissível em casos como tais a apresentação como início de prova laudo por amostragem”, destacou ou a relatora.

Em seu voto, a desembargadora federal Daniele Maranhão salientou, ainda, que apesar da sustentada fragilidade do início de prova, é situação comum a existência dos mesmos vícios relacionados a conjuntos habitacionais em contrapartida ao pedido de realização de prova pericial, que viria justamente melhor detalhar as características individualizadas do imóvel.

“Ademais, não se divisa inépcia da inicial na hipótese, considerando que a parte autora juntou aos autos laudo de vistoria residencial contendo a descrição de vários vícios construtivos reclamados”, concluiu.

O recurso ficou assim ementado:

PROCESSUAL CIVIL. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO. PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA. PMCMV – FAIXA I. HIPOSSUFICIÊNCIA PRESUMIDA. POLÍTICA PÚBLICA. DIREITO À MORADIA. INDEFERIMENTO DA INICIAL.  CERCEAMENTO DE DEFESA. PREPONDERÂNCIA DO JULGAMENTO DO MÉRITO. SENTENÇA ANULADA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM.

1. As demandas que tratam de aquisição de imóveis vinculados ao Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV – Faixa I, que se constitui política pública voltada ao direito à moradia e é dirigido a famílias com renda de até R$ 1.800,00 (mil e oitocentos reais), pressupõem a hipossuficiência da parte autora.  Em respeito aos princípios do livre acesso à jurisdição e à sua efetividade, deve-se propiciar à parte a ampla possibilidade de demonstrar o fato constitutivo de seu direito, mediante a realização das provas necessárias a tal finalidade.

2. A exigência de que a parte hipossuficiente  traga aos autos laudo individualizado sobre seu imóvel, constitui obstáculo indevido ao acesso à jurisdição, ao tempo em que a não realização de prova pericial apta a demonstrar os alegados danos no imóvel induz cerceamento de defesa, independentemente de quem deva arcar com os custos da prova, sendo admissível em casos como tais a apresentação como início de prova laudo por amostragem.

3. Nesse sentido: “O fato de o laudo apresentado ser padronizado não implica, por si só, em causa para o indeferimento da inicial. O Programa Minha Casa Minha Vida, em sua modalidade FAIXA 1 Recursos FAR, caracteriza-se por ser altamente subvencionado, destinado às famílias que se encontram em situação de extrema vulnerabilidade social, em evidente estado de hipossuficiência, mostrando-se desarrazoado, no caso concreto, a exigência de produção pré-processual de um laudo técnico individualizado para cada unidade habitacional. (AC 1004507-52.2020.4.01.3902, Desembargador Federal Carlos Augusto Pires Brandão, Quinta Turma, PJe 16/08/2022).

4. Na espécie dos autos, a parte autora juntou, de todo modo, laudo de vistoria residencial  contendo a descrição de vários vícios construtivos reclamados, detalhando “Fissura Externa – Fachada Principal, Fissura Externa – Fachada Principal, Fissuras Internas/ Repintura/ Troca de forro – Ambiente Interno (Cozinha/Sala de Estar/ Jantar), Falha no Piso/ Azulejo/ Ausência de Impermeabilização – BWC, Ausência de Forro – BWC, Fissuras Internas/ Repintura – Ambiente Interno (Quarto1/Quarto2), Fissuras Internas/ Repintura – Ambiente Interno (Quarto1/Quarto2), Fissuras Externas – Fachada Lateral A, Fissuras Externas – Fachada Lateral A”.   Houve, portanto, a descrição de danos reclamados, não havendo se falar em inépcia da inicial por exposição genérica dos fatos. A verificação de sua real ocorrência e quantificação deve ser aferida por meio de prova pericial.

5. Imperativa a retomada do regular desenvolvimento do processo, de maneira que o Juízo de origem, por meio do saneamento e da organização do feito, e considerando a condição de hipossuficiente da parte autora, determine as providências necessárias ao deslinde da demanda, inclusive quanto ao ônus de produção da prova, a fim de melhor delimitar os pontos controvertidos.

6. Apelação a que se dá provimento para anular a sentença e determinar o retorno dos autos à origem para seu regular processamento.

Processo: 1003428-62.2019.4.01.3000

Deixe uma resposta

Iniciar conversa
Precisa de ajuda?
Olá, como posso ajudar