Em julgamento realizado nesta semana (4/9), a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) manteve o licenciamento ambiental de instalação da usina hidrelétrica de Baixo Iguaçu (PR) com a condição de que o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) se manifeste em todas as etapas do licenciamento.
Inaugurada em maio deste ano, a usina fica localizada na região sudoeste do Paraná, no Rio Iguaçu, entre os municípios de Capanema e Capitão Leônidas Marques. O licenciamento do empreendimento é discutido judicialmente desde 2013, quando as associações Liga Ambiental e Centro de Estudos, Defesa e Educação Ambiental (CEDEA) ajuizaram ação civil pública na Justiça Federal paranaense (JFPR) contra a empresa Geração Céu Azul (responsável pela operação da usina), a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e o Instituto Ambiental do Paraná (IAP) requerendo a suspensão da licença de instalação da hidrelétrica. O CEDEA e a Liga alegaram que o Parque Nacional do Iguaçu correria risco de ser afetado pela usina e que a licença deveria conter manifestação expressa do ICMBio, órgão administrador da unidade de conservação. Os autores também argumentaram que o IAP teria se omitido de exigir a construção de um sistema de transposição para os peixes da região e apontaram suposta ausência de acordo coletivo por parte da Geração Céu Azul e da ANEEL com os ribeirinhos desapropriados durante as obras.
O juízo da 1ª Vara Federal de Francisco Beltrão (PR) julgou improcedentes todos os pedidos formulados pelos autores. Dessa forma, as associações apelaram ao tribunal requerendo a reforma da sentença.
A 4ª Turma deu parcial provimento ao recurso e determinou que o ICMBio venha a se manifestar em todas as fases do licenciamento, incluindo as medidas condicionantes de licenças que já foram expedidas. A decisão ressaltou, porém, que a licença emitida irregularmente pelo IAP sem anuência prévia do ICMBio já foi regularizada durante o decorrer da ação judicial, e que o erro não causou dano ambiental nem invalidou a licença de instalação da usina.
O relator do acórdão, desembargador federal Cândido Alfredo Silva Leal Júnior, também ressaltou em seu voto que apesar de a Liga Ambiental ter legitimidade para defender os interesses dos ribeirinhos, “parece soar irrazoável e despropositado a emissão de ordem judicial determinando que o empreendedor formalize acordo coletivo sobre a proposta de reassentamento dos ribeiros atingidos, em virtude dos múltiplos interesses conflitantes em pauta”.
Conforme o magistrado, “eventuais discussões quanto à indenização em correspondência ao prejuízo causado aos imóveis devem ser remetidas aos respectivos juízos competentes, como de fato tem ocorrido segundo informações prestadas e documentos anexados aos autos pela Geração Céu Azul, para que lá haja, assim, o debate e a busca de resultados que compatibilizem os interesses e necessidades dos envolvidos”.
Quanto ao suposto impacto causado à espécie Surubim do Iguaçu, o relator afirmou que “a ausência de um sistema de transposição de peixes na licença de instalação não caracterizou descumprimento do que foi estabelecido na licença prévia, pois os estudos realizados por equipe técnica indicaram a desnecessidade da estrutura para garantir a livre circulação e a preservação dos peixes”.
O recurso ficou assim ementado:
APELAÇÃO. ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA POR ASSOCIAÇÕES. USINA HIDRELÉTRICA BAIXO IGUAÇU. PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE E DOS RIBEIRINHOS. ESPÉCIE AMEAÇADA DE EXTINÇÃO (SURUBIM DO IGUAÇU). ALEGAÇÃO DE IRREGULARIDADES NA LICENÇA DE INSTALAÇÃO (IAP) E NA DECLARAÇÃO DE UTILIDADE PÚBLICA (ANEEL): AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO DO ICMBIO PARA INSTALAÇÃO NA ÁREA DE AMORTECIMENTO DO PARQUE NACIONAL DO IGUAÇU – INEXISTÊNCIA DE ACORDO COLETIVO PARA INDENIZAÇÃO/REASSENTAMENTO DOS POSSEIROS E PROPRIETÁRIOS DAS ÁREAS AFETADAS PELO EMPREENDIMENTO – AUSÊNCIA DE APROVAÇÃO DO CADASTRO DOS RIBEIRINHOS POR CONSELHO INTERMINISTERIAL – DESCUMPRIMENTO DE CONDICIONANTE DA LICENÇA PRÉVIA QUE EXIGIA SISTEMA DE TRANSPOSIÇÃO DE PEIXES (STP). REPARAÇÃO DE DANOS AO MEIO AMBIENTE E AOS RIBEIRINHOS. AUTORIZAÇÃO PARA A LI CONCEDIDA POSTERIORMENTE PELO ICMBIO EM FUNÇÃO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA DEFERIDA PELO TRIBUNAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO PARCIALMENTE EXTINTO POR ILEGITIMIDADE E POR PERDA SUPERVENIENTE DE OBJETO. PEDIDOS REMANESCENTES JULGADOS IMPROCEDENTES. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA.
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A Liga Ambiental tem legitimidade para defender os interesses dos ribeirinhos em razão do que consta em seu estatuto.
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A ANEEL é parte legítima para figurar no polo passivo de ação civil pública que discute sobre supostas irregularidades em ato administrativo expedido pela agência (Resolução Autorizativa 4010/2013) e em que foi formulado pedido condenatório contra ela.
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Este Tribunal já havia decidido (no julgamento de embargos infringentes relativos a apelação contra sentença que julgou outra ação civil pública, na qual foi discutida a legalidade da licença prévia concedida ao mesmo empreendimento, e em sede de agravo de instrumento contra decisão proferida no processo originário) que o ICMBio deveria se manifestar em todas as etapas do licenciamento ambiental. A posterior anuência do ICMBio (Autorização nº 01/2015) à licença de instalação em decorrência do que foi decidido a título de antecipação de tutela em agravo de instrumento não ensejou a perda de objeto da ação em relação a todos os pedidos deduzidos, impondo-se julgar o mérito daqueles que não restaram prejudicados.
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A realização de acordo coletivo sobre indenização e reassentamento dos ribeirinhos era inexigível. Também não era obrigatório submeter o cadastro dos ribeirinhos ao Comitê Interministerial de Cadastramento Socioeconômico.
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A ausência de condicionante sobre o sistema de transposição de peixes na licença de instalação não caracterizou descumprimento do que foi estabelecido na licença prévia, pois os estudos realizados por equipe técnica indicaram a sua desnecessidade para garantir a livre circulação e a preservação dos peixes – inclusive do surubim do Iguaçu – e a possibilidade de serem adotadas outras alternativas, prevendo a continuidade dos estudos para avaliar se seria necessário implantá-lo nas etapas subsequentes.
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Não há direito à reparação de danos ambientais, patrimoniais e morais coletivos.
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Apelação parcialmente provida. Sentença reformada em parte para afastar parcialmente a extinção do processo sem julgamento do mérito e para julgar parcialmente procedente a ação apenas quanto aos pedidos de declaração de que a Licença de Instalação 17033 foi emitida irregularmente pelo IAP (por não ter havido manifestação prévia do ICMBio, embora tal situação tenha sido superada pela posterior manifestação do órgão responsável pelo Parque Nacional do Iguaçu) e para condenar o ICMBio a se manifestar em todas as fases do licenciamento e sobre as condicionantes das licenças expedidas.